TERROR NO RIO MANACAPURU - AS ATROCIDADES DO SERINGALISTA ANICETO DE BRITO NO AMAZONAS

Durante o final do século XIX e início do século XX, a região amazônica se tornou a maior exportadora mundial de borracha, trazendo grande circulação de capital para o local e também grande massa de trabalhadores que, vindo em sua maioria do Nordeste brasileiro, se embrenhavam na densa floresta em busca de extrair o precioso líquido, o látex, para ser exportado para os principais centros da Europa e Estados Unidos. 

Manaus e Belém, impulsionada pela riqueza gerada pela extração gomífera, se transformaram em cidades de estilo europeu em plena selva amazônica e parte de sua população adquiria os hábitos e costumes do Velho mundo. 

Do outro lado da moeda estavam os sofridos seringueiros, os maiores responsáveis em gerar toda essa riqueza. Muitos sonhavam em se tornar ricos e voltar para sua terra natal com os bolsos cheios. Porém, a realidade foi outra bem diferente. A maioria contraiu dívidas grandes ficando pior do que estavam, outros tantos morreram passando privações e dificuldades no meio da floresta e sendo também vítimas de assassinatos por parte de seus patrões (que eram conhecidos, naquele tempo, como Coronéis de Barranco). O sonho de enriquecer fácil acabou se tornando um pesadelo. Contudo, também houve casos em que seringueiros mataram seus patrões, como também eclodiram intrigas entre os próprios seringueiros, terminando muitas vezes em morte e gerando a fuga do assassino. Na verdade os conflitos nos seringais eram uma constante naquela época e envolvia todos que participavam daquela cadeia produtiva. 

Porém foi nessa época que surgiu, no Amazonas, um conhecido seringalista que ficou famoso não por seu poder e sim por sua crueldade e pela maneira brutal de como tratava seus trabalhadores: chamava-se Aniceto de Brito.


AS PRIMEIRAS NOTÍCIAS SOBRE ANICETO 

É bom saber que o seringalista mais poderoso e violento que existiu nesse período na região amazônica não foi um brasileiro, e sim um peruano. Seu nome era Júlio César Arana. 

Don Júlio (como era conhecido) tinha vastas áreas de seringais no Peru, próximo à fronteira com o Brasil e Colômbia, e empregava centenas de trabalhadores no corte da seringa sendo que a maioria era de indígenas. 

Em 1910, após denúncias de uma testemunha ocular, estourou uma grave denúncia que chocou o mundo, vindo à tona as notícias sobre os assassinatos de milhares de índios por capangas de Arana nos seringais. A opinião pública mundial da época ficou chocada e Arana teve que dar explicações, dizendo que não sabia o que se passava em suas propriedades. Todavia, não conseguiu convencer as autoridades e, infelizmente, alguns de seus subordinados mais perversos, jamais pagaram pelos crimes que cometeram.

Porém enquanto na Amazônia peruana aconteciam essas atrocidades, se diz que na Amazônia brasileira um outro menos conhecido seringalista também não deixava por menos em termos de sadismo e crueldade: como já foi mencionado, esse personagem respondia pelo nome de Aniceto de Brito.

Seu nome completo era Aniceto Pereira de Brito, ele era natural do Ceará e militar da Guarda Nacional, tendo inicialmente a patente de Major (depois passaria a Coronel). Aniceto chegou ao Amazonas nas últimas décadas do Século XIX, e era casado com Jerônima Gonçalves de Brito. Além de seringalista, ele também tinha o cargo de subdelegado da área em que morava. O seu seringal chamava-se São Sebastião e ficava na zona rural do município de Manacapuru, precisamente às margens do rio Manacapuru. Além de São Sebastião ele também possuía dois outros seringais, chamados Araçaí e Bom Jardim, e localizados no mesmo município. Porém dos seringais que Aniceto tinha, São Sebastião era o principal pois era ali que estava a sua firma "Brito & Filho" e também onde havia mais produção. Devido a isso, o seringalista vivia e viajava constantemente (acompanhado de sua mulher) entre suas propriedades, sendo que ele tinha uma sociedade, na administração dos seringais, com seu filho (chamado Aniceto Gonçalves de Brito Filho) onde comandavam a firma comercial "Brito & Filho".

E foi nesses locais (onde além da borracha ele também produzia farinha, milho e feijão), segundo a tradição oral e as fontes dos jornais da época, que Aniceto praticou os mais bárbaros crimes contra seus empregados.


As primeiras informações sobre as denúncias de ações maldosas do famigerado seringalista, vem da tradição oral, onde antigos moradores do local passavam para seus filhos e netos as tristes façanhas que Aniceto cometeu. Uma delas afirmava o seguinte: certo seringueiro chegava com Aniceto e dizia que queria ir embora, voltar para sua terra, e desejava que o patrão pagasse o seu saldo. Aniceto então concordava em pagar. Porém, logo depois, chamava o trabalhador e pedia para o homem subir num açaizeiro para tirar açaí para ele. O que a pobre vítima não sabia é que o seringalista já havia combinado com seus capangas para matá-lo assim que ele subisse no açaizeiro. E assim acontecia, ou seja, quando o trabalhador estava se elevando na árvore os jagunços de Aniceto, que estavam de tocaia esperando o momento certo, apareciam e o matava a tiros, fazendo o desafortunado desabar no solo sem vida, logo dando eles um fim no corpo para não deixar vestígios do atentado. Tudo isso visando não pagar a vítima. 

Mas também começaram a surgir nos jornais do Amazonas (e depois até nos jornais da capital do país, o Rio de Janeiro, e de São Paulo) as denúncias contra os abusos que ele cometia e que não eram de conhecimento da justiça local.

Se levarmos em conta todos os crimes atribuídos a ele que saíram na imprensa da época e também dos relatos orais, Aniceto de Brito pode ser considerado o seringalista mais perverso que existiu na Amazônia brasileira. 

Lógico, naqueles anos longínquos os jornais de Manaus denunciavam assassinatos e abusos cometidos por outros seringalistas como Luiz Dourado (no rio Solimões), Ladislau Martins (no rio Purus) ou José Nascimento (no rio Airão). Mas nenhum deles alcançou, em nível de crueldade, as ações de Aniceto de Brito. 

Mas, afinal, qual a origem do célebre seringalista? Infelizmente não se tem informações suficientes para desvendar sua trajetória e tentar descobrir porque ele, conforme os relatos, tinha tanto ódio e desprezo pela vida humana.

Já a primeira referência, na imprensa, de um ato de Aniceto vem de 1900.No mês de dezembro daquele ano os donos da firma Paula & Filho encaminhavam uma denúncia a um jornal local contra o famigerado seringalista.

A firma Paula &Filho estava estabelecida no seringal Araçaí, localizado além do lago de Manacapuru, sendo que os proprietários do seringal já viviam ali há quase 30 anos. Porém em novembro, para surpresa deles, Aniceto de Brito (que tinha sua propriedade ali perto) sem motivo algum passou a colocar marcos de limites de sua área dentro do terreno alheio, invadindo o local, o que gerou protestos dos donos. Inclusive os reclamantes afirmavam que ele tinha se apossado de uma importante estrada que servia de transporte para a carga de borracha.

Não se sabe como foi o desenrolar do caso e o desfecho final. O que se pode afirmar é que, em 1912, Aniceto já era citado como proprietário do seringal Araçaí. Teria ele então comprado o seringal após o protesto? Ou teria ele, junto com seus jagunços, tomado aquela terra à força e expulsado os donos?

Outras breves notícias sobre ele aparecem timidamente em jornais de Manaus, como o Jornal do Commercio, onde seu nome aparece chegando à Manaus, vindo de Manacapuru, a bordo da lancha "Tucunaré", no dia 12 de maio de 1906. Ainda no mesmo ano, seu nome é encontrado como passageiro da mesma lancha, em viagem para o rio Badajós.

Mas, em 1909, o nome de Aniceto aparece como delegado do seringal Tamanduá, que também ficava no rio Manacapuru. Com esse cargo de autoridade policial, possa ser que aí ele já vinha praticando seus crimes contra os presos ou suspeitos, ou então contra alguém que desafiasse seu cargo policial.

Com relação às ações de Aniceto como mantenedor da lei e da ordem, no mencionado posto que ocupava de subdelegado, existe uma informação de um fato acontecido no seringal São Miguel (também situado no rio Manacapuru), em junho de 1917. Houve no local uma desavença entre dois trabalhadores, que terminou com o cearense Raimundo matando a tiro o paraibano Olympio. O dono do seringal, Sr. João  Vasconcelos, deteve o assassino que foi remetido à Aniceto de Brito, que o levou preso às autoridades policiais da Vila.
Mas um jornal de Manaus anunciava, em julho de 1918, uma boa ação de Aniceto. O seringalista comunicava que forneceria, gratuitamente, feixes de talos de maniva e sementes de arroz e milho para as pessoas pobres da região. O informativo elogiava o gesto de Aniceto, chamando de dígno e patriótico, ainda mais devido ao momento difícil que o município de Manacapurú estava passando, devido a uma epidemia de febres que estava atacando os moradores dos lagos e igarapés vizinhos da Vila.


Aniceto de Brito castigando - Blog do Gaspar

Ilustração de Lúcio Izel, mostrando o seringalista Aniceto de Brito (junto com os seus capangas) 
torturando um de seus empregados, conforme os depoimentos da época.



AS REVELAÇÕES DOS CRIMES MEDONHOS DE ANICETO DE BRITO

Porém, além de exercer a função de subdelegado daquela região, o então Major Aniceto também se fazia presente em seu seringal, localizado na margem do rio Manacapuru, próximo à Vila de mesmo nome (que era a sede do município).

Chamado de São Sebastião (talvez ele fosse devoto desse santo), o seringal possuía vários trabalhadores, a maioria vindos do Nordeste, que se ocupavam na extração do látex nas várias seringueiras que se espalhavam pelo local. Havia ali também o barracão central, que era a casa do seringalista, onde se encontravam ele, membros da sua família e criados. E também havia os responsáveis em organizar o trabalho e vigiar os trabalhadores, ou seja, os seus capangas que, segundo as fontes, se mostraram tão cruéis quanto o patrão.

Em um ambiente longe das leis e dos olhos das autoridades, onde o estado não se fazia presente, era a vontade do patrão que prevalecia e isso tudo aliado aos rifles de seus feitores.

Começam então a ser revelados os atos de barbárie, conforme foram contados à imprensa, de Aniceto de Brito. Entre os mais conhecidos e cruéis se destacaram os seguintes:

• Em 1912, Aniceto comete espancamentos e torturas contra dois empregados seus. Tudo começou no seringal Araçaí, quando surgiram falsos boatos de que os trabalhadores Raymundo Carneiro de Souza e Vicente Francisco de Salles estariam assediando a esposa do patrão.
Ao saber disso, furioso, Aniceto mandou seus capangas amarrarem os dois homens, no dia 21 de dezembro daquele ano, levando-os para um barracão onde ficaram presos. No dia 23, Raymundo e Vicente foram levados desse local para o seringal São Sebastião, onde foram ali torturados de todas as formas, incluindo com muitas chicotadas. Porém o pior estava por vir. No dia 27, a mando de Aniceto, os dois infelizes foram colocados no tronco, onde os capangas Evaristo Nunes da Motta e Marcelino cortaram as duas orelhas dos homens. Aniceto pretendia estrangulá-los após isso, mas não conseguiu o seu intento devido a interferência de José Gomes da Silva. Porém, nos dias seguintes, eles continuaram a ser agredidos.
Entretanto, no dia 11 de janeiro de 1913, por ocasião da soltura das vítimas, Aniceto obrigou sua mulher Jerônima a castigá-los mais ainda, com cem chibatadas, dizendo que aquilo era a despedida.
Os dois seringueiros, bastante machucados e com as orelhas decepadas, foram colocados em uma canoa e escoltados pelos cabras do seringalista. Foram então deixados em um local, sendo eles soltos e levados para o sítio "Espirito Santo", que pertencia a Joaquim Feitosa, ficando eles ali refugiados.
Os dois rapazes dirigiram-se então à Vila de Manacapuru onde relataram tudo às autoridades locais. Depois eram encaminhados para Manaus (acompanhados pelo promotor Manoel de Albuquerque Lima) onde depuseram na delegacia, ao delegado Freitas Bastos, contra o patrão agressor. 
Ao saber da denúncia contra ele, que foi relatada pelos agredidos e publicadas em três jornais de Manaus, Aniceto escreveu de São Sebastião uma carta endereçada a um dos jornais. Nas linhas escritas, o seringalista se defendia das acusações, afirmando que as duas vítimas não passavam de bandidos que queriam sujar sua honra, o acusando de barbaridades. Aniceto aproveitava e pedia que as pessoas não fizessem mau juízo dele e que ele aguardava tranquilamente o veredito final da justiça, pois se dizia inocente.  Indiciado, Aniceto então teve de ir à Vila dar explicações à polícia mas, pelo que consta, nada aconteceu a ele.

• Ainda em 1912, Aniceto mandou dar uma surra em uma pobre viúva de nome Raymunda, que viajava do seringal São Sebastião para a localidade de Cajazeiras. Ela apanhou de chicotadas, resultando na morte da infeliz mulher. O corpo de Raymunda foi enterrado no cemitério do lugar Rosarinho.

• De outra feita, ao chegar a São Sebastião de uma viagem, Aniceto chamou seus capangas Evaristo Nunes da Motta e "Maneca" encarregando-os de dar uma surra no agricultor Cipriano, o que fizeram até a vítima não aguentar mais. A ordem foi executada às 8 horas da noite, sendo Cipriano depois amarrado no tronco e sujeito ao suplício, vindo ele a falecer no dia seguinte, às 9 da manhã.
Aniceto advertiu então aos seus trabalhadores, fregueses e moradores das redondezas que afirmasse que Cipriano havia falecido de febre, o que foi cumprido, pois o pavor e medo que Aniceto inspirava nas pessoas era grande.

• Em outra ocasião, ele mandou que seus feitores Evaristo Motta e João Domingos agarrassem o indivíduo João Soldado, que também foi amarrado no tronco e surrado a chicotadas pelo próprio Aniceto. Cinco dias depois, com um tronco amarrado aos pés do homem, o afamado seringalista mandou seus comparsas conduzir a vítima a um local na margem do rio Aracarí, que ficava atrás de um barracão. Ali João Soldado foi morto, sendo ele depois cortado aos pedaços que eram atirados no rio.
Na vazante do rio foram encontradas as canelas do infeliz homem, ainda presas ao tronco.

• Certo dia, Aniceto pegou um indivíduo bem popular que era conhecido como "Massaranduba "e deu-lhe uma sangria de faca no pescoço do homem. Aniceto então mandou colocar uma bacia para aparar o sangue que jorrava da goela da vítima dizendo que precisava saber a quantia de sangue que uma pessoa tinha.

• De outra vez, irritado com um gracejo de um homem chamado Gustavo, Aniceto o espancou de pau e o colocou amarrado no tronco, ao ar livre, vindo o homem, bastante machucado, a morrer depois de cinco dias de sofrimento. O corpo de Gustavo foi atirado ao rio pelos capangas Evaristo Motta e João Domingos.

• Aniceto mandou também agarrar o indivíduo Antônio Jorge e depois de o ferir com golpes de terçado (um facão longo e afiado usado na região amazônica), sujeitou-o a um banho de água de sal aplicando nele, em seguida, uma fricção com molho de pimenta, que lhe causou a morte.

• O perverso seringalista deu também uma severa surra em uma mocinha de nome Epifânia, sua filha de criação, deixando-a em estado deplorável.

• Em outra de suas maldades, Aniceto açoitou de chicote um homem conhecido como José Povo, resultando em sua morte.
Na presença do cadáver de José Povo, Aniceto disse que achava que chicote não matava e que por isso passaria a usar só o terçado.

• Em outro episódio deu vários golpes de terçado no homem conhecido como José Maranhoto, que morreu pouco depois em consequência dos ferimentos recebidos por Aniceto.

• Aniceto surrou também, com chicote, o trabalhador Manoel Valentim. Em seguida o amarrou ao tronco. Mas, por sorte, Valentim conseguiu escapar, libertando-se das algemas e fugindo daquele lugar de suplícios.

• Aniceto deu uma outra surra, também de chicote, em Antônio Pimenta. Porém foi de modo tão cruel que a vítima não resistiu e sucumbiu.

• A outra vítima de chicotadas de Aniceto foi uma criada de sua casa, chamada Maria Casadinha, vindo ela também a falecer em decorrência da agressão.

• Em abril de 1920 o chefe de polícia, em Manacapuru, fez entrega ao senhor Vicente Pires Barbosa, dos seus filhos Joaquim e Lourenço, que há muitos anos viviam como reféns em poder de Aniceto, no município de Manacapuru.

• Outro fato aconteceu em 1921.Aniceto estava a bordo de um batelão com destino ao seringal "Bom Jardim". Quando chegava em frente ao lugar "Humaitá ", a canoa que vinha ao lado do batelão (na qual se preparava a refeição) bateu de encontro a um barraco, derramando parte da comida. Isso enfureceu Aniceto que se apossou de um terçado e deu vários golpes na ocupante da canoa, uma mocinha chamada Maria José (que era filha de criação de Aniceto), a qual ficou com o dedo mínimo de uma das mãos quase decepado.
Em consequência dessa agressão, a moça foi embarcada para Manaus em estado grave. Depois ficou se recuperando na companhia de seu irmão de criação, Aniceto de Brito Filho (herdeiro do seringalista) na comunidade chamada Dominguinho.


O CRIME QUE LEVOU ANICETO À PRISÃO E A DESCOBERTA DE OUTRAS ATROCIDADES


Mas o fato que ganhou repercussão e comprometeu o agora Coronel Aniceto, revelando todos os seus crimes, aconteceu também em 1921. Em abril daquele ano foi trabalhar no seringal São Sebastião o indivíduo Ciro de Queiróz Rodrigues. Ele tinha sido contratado por Aniceto e chegou ao local de trabalho no dia 22 do mesmo mês. E ali começou a fazer sua tarefa do dia a dia.


Na imagem da esquerda se vê um seringueiro no Amazonas no início do Século XX, e à direita uma foto da Igreja de Nossa Senhora de Nazaré, na Vila de Manacapurú em 1914, na mesma época em que Aniceto, segundo denúncias, já praticava atos de barbaridades em seus seringais.




No dia 1º de maio, pelas 18 horas, chegava ali a mulher Maria Joana da Silva, sobrinha de Aniceto que, chorando, lançou-se aos pés de seu tio dizendo que seu amante Adolfo Lacerda (que era protegido de Aniceto) havia tido uma briga com o indivíduo Irineu Marques, sendo que Irineu acabou ferindo seu oponente com uma facada na coxa.

Furioso, Aniceto se armou com um terçado e foi ao encontro do agressor, encontrando Irineu sentado num banco de canoa pois tinha acabado de chegar do lugar "Morada Nova". O seringalista então deu diversas terçadadas em Irineu, atingindo a face e o pescoço da vítima, que acabou desmaiando.

Em seguida, Aniceto e seus subordinados amarraram Irineu com as mãos para as costas e o conduziram para um barracão próximo.

No dia seguinte, a vítima foi levada para outro barracão onde foi pendurada em uma árvore, ficando na altura de um metro mais ou menos do solo. Estava Irineu atado a cordas pelos braços, que continuavam amarrados às costas dele, permanecendo assim até às 12 horas. Foi aí que Ciro, junto com um neto seu e vendo o sofrimento do homem, pediu para Aniceto descer ele ao chão (sendo atendido), permanecendo Irineu amarrado  durante a noite e sendo vigiado por alguns trabalhadores.

Ao alvorecer do dia 3 de maio, ainda por ordem de Aniceto, foi a vítima suspensa novamente, e devido ao peso do corpo, seus ombros curvaram-se. E assim ficou Irineu durante quase todo o dia exposto ao sol e a chuva quando, perto das 19 horas, faleceu.

Antes de seu último suspiro, Irineu ficou mais desesperado pelo sofrimento que era agravado pela sede, pois não lhe davam água. Começou ele a delirar e a falar diversos fatos que gerou mais ódio em Aniceto, o qual mandou que molhassem as cordas que amarravam o infeliz, ocasionando mais dor.

No dia após sua morte, Irineu foi sepultado no cemitério local. Ao presenciar o falecimento do desafeto e o terrível espetáculo do qual não teve o menor gesto de piedade, Aniceto se mostrou satisfeito.


A REVELAÇÃO DO ÚLTIMO ASSASSINATO E AS CONSEQUÊNCIAS

Ao sair de São Sebastião e vir à Manaus, em junho de 1921, Ciro procurou uma delegacia e relatou tudo à polícia, contando todos os detalhes. A notícia saiu em um jornal local e logo chegou ao conhecimento do chefe de polícia, Dr. Mário do Rêgo Monteiro (que também era filho do governador).


Foto do Dr. Mário do Rêgo Monteiro. Chefe de Polícia do Amazonas, foi ele quem ordenou a prisão de Aniceto de Brito.



Sendo agora sabedor do horrível fato, o Dr. Mário  tratou de tomar as providências, entrando em contato com o delegado de Manacapuru e exigindo a detenção do acusado. Sendo assim, Aniceto e dois outros comparsas seus foram apanhados e recolhidos ao xadrez da delegacia da Vila, no dia 29 de junho. O advogado do seringalista protestou, requerendo que fosse concedidas regalias garantidas por lei para ele na cadeia, devido a sua patente de Coronel. Porém ele não foi atendido devido a Aniceto nunca ter registrado sua patente.

O chefe de Polícia mandou então uma guarnição policial, composta de 4 praças, trazer o acusado para a capital. Os policiais embarcaram na lancha "Oceania" que saiu do porto de Manaus no dia 2 de julho, rumo à Vila de Manacapuru, chegando naquela localidade do rio Solimões na noite do mesmo dia. 

Com Aniceto de Brito, e acusados de cúmplices no assassinato de Irineu, vieram também presos o jagunço Evaristo Motta e Pedro Gomes de Brito, sobrinho de Aniceto. Os policiais regressavam com os três na mesma lancha (que fazia transporte de cargas e passageiros),levando-os escoltados para Manaus. 

No dia 4 de julho a "Oceania" chegava à Manaus, desembarcando os denunciados e sendo eles apresentados às autoridades de justiça. Foi então que Pedro fez importantes declarações sobre os crimes bárbaros praticados e mandados executar por seu tio.


Enfim, o depoente terminou detalhando que, depois da morte de Irineu Marques, foi ameaçado de morte por Aniceto, não se tendo realizado a sentença devido ao aviso antecipado que ele recebera, facilitando a sua fuga imediata. Aniceto ameaçou e deu ordem para matar o sobrinho pelo simples fato dele ter lhe dito que desejava retirar-se de sua casa e pedir-lhe a conta do trabalho. 

Acrescentava Pedro Gomes de Brito (que ajudava seu tio com tarefas no seringal) que, diante dos fatos e ser testemunha de vários crimes, sempre teve medo de seu tio Aniceto e assim via-se impossibilitado de deixar de seguir suas ordens.

Logo que chegaram à capital, os três criminosos foram recolhidos à cadeia do quartel da Polícia Militar e, após os depoimentos, Aniceto foi então mandado para a penitenciária de Paricatuba onde ficou preso, junto com seu capanga Evaristo Motta e seu sobrinho Pedro.

O auto do interrogatório sobre as circunstâncias da morte de Irineu Marques foi feito na Vila de Manacapuru, com a presença do juiz de Direito, Dr. Antero Coelho Rezende, sendo então conhecidos uma infinidade de outros crimes de Aniceto de Brito, cuja maioria permanecia desconhecida da justiça, fazendo com que ele praticasse seus atos impunemente.

Em agosto de 1921, o Dr. Mário do Rêgo Monteiro resolve demitir Aniceto de Brito do serviço público, no qual ocupava o cargo de subdelegado de polícia da zona rural de Manacapuru, afirmando que ele se prevalecia do cargo para a prática de assassinatos e outros monstruosos crimes.





Notícia estampada no jornal O Combate, de São Paulo, de agosto de 1921, onde constam os relatos dos assassinatos de Aniceto de Brito no Amazonas.


Não se sabe o que aconteceu com Aniceto e seus capangas após sua prisão, embora se tenha quase certeza de que não foi condenado a muitos anos. Há notícias de que ele passou pouco tempo na cadeia pois, em fevereiro de 1923, Aniceto, Evaristo e Pedro eram trazidos de Manacapurú para a capital na mesma lancha Oceania, sendo eles vigiados por policiais, o que prova que ainda estavam detidos. Provavelmente tinham ido à vila dar algumas explicações ao juiz de Direito do minicípiio. Mas, em 1925 o nome dele, assinado como Coronel Aniceto Pereira de Brito, aparece como um dos comandantes do destacamento da Guarda Nacional no município de Manacapuru, função essa que ele exercia ainda em 1929 (quando a Guarda Nacional já havia mudado sua denominação para Exército de 2ª Linha). Concluindo, ele não chegou a cumprir uma pena condizente com os crimes pelos quais ele foi acusado. Teria ele sido inocentado dos delitos dos quais fora denunciado? Ou ele teria sido solto devido ao seu poder e influência?

O que se sabe sobre os crimes que aqui foram escritos vem de depoimentos de testemunhas e de notícias dos jornais de Manaus e de Manacapuru (entre eles o Jornal do Commercio, que na época era o principal do Amazonas).

Porém as notícias envolvendo a trajetória macabra de Aniceto ultrapassou as fronteiras do Amazonas e chegou até aos noticiários da capital do Brasil, o Rio de Janeiro, onde os assassinatos do afamado seringalista, no Estado do Amazonas, foram publicados nos jornais da cidade. Também os jornais de Belém e de São Paulo revelava os horrores que o seringalista cometia em suas propriedades.

Provavelmente Aniceto de Brito tenha cometido outros crimes que ficaram desconhecidos da justiça amazonense. Ele era chamado pelos jornais daqueles anos de monstro, bandido, facínora e delinquente, tamanho foi o número de atrocidades do qual ele foi acusado. Segundo a tradição oral Aniceto morreu de causas naturais e foi enterrado em um de seus seringais.

Hoje, passados mais de 100 anos desses tristes acontecimentos, o nome de Aniceto de Brito ainda é lembrado pelos antigos moradores do município de Manacapuru, lembrando um período em que ele espalhou o terror naquela região quando seu nome era sinônimo de medo e pavor.

E se ainda hoje você for até ao rio Manacapuru, com certeza irá ouvir dos moradores das comunidades do local muitas histórias macabras envolvendo o nome de Aniceto de Brito. Histórias essas que foram passadas de geração pra geração, de seus avós e bisavós, através da tradição oral cujo personagem em questão ainda povoa o imaginário daquelas pessoas.


Fontes: Jornal do Commercio (AM), Gazeta da Tarde (AM), O Município (AM), O Estado do Pará (PA), Correio da Manhã (RJ), O Combate (SP), Commercio do Amazonas (AM), O Paiz (RJ), A Capital (AM).


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Pesquisa: Prof. Gaspar Neto

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