PENSÃO DA MULATA - O PROSTÍBULO MAIS POLÊMICO E FAMOSO DE MANAUS DURANTE OS PRIMEIROS ANOS DO SÉCULO XX

No alvorecer do século XX, Manaus usufruía do esplendor econômico gerado pela exportação da borracha, que modificou hábitos e costumes da sociedade amazonense, dando continuidade à uma política de embelezamento da capital e gerando uma intensa vida cultural na cidade.

E, nesse interim, a prostituição se intensificou com o surgimento de vários cabarés e bares frequentados por homens de todas as classes sociais e prostitutas das mais diversas origens, muitas delas estrangeiras ou de outros estados do Brasil (que chegavam à Manaus em busca de fortuna e sobrevivência).

O Hotel Cassina era o principal da cidade, porém além de sua função de atender e hospedar pessoas influentes, ele também era um bordel de luxo onde as "cocotes" e "polacas" faziam a alegria de seus clientes e frequentadores assíduos, entre eles renomados seringalistas e políticos.

Contudo haviam outros cabarés que não eram de luxo e sim considerados de terceira categoria, mostrando um outro lado pouco conhecido na "Paris dos trópicos", onde a miséria se fazia muito presente.

Entre alguns dos principais prostíbulos dessa época, em Manaus, se tinha o Botequim Rita, Hotel do Commercio, Café Suísso, Botequim A Madrugada, Pensão Floreaux, Casa Branca da Serra, Bar Pólo Norte, Chalé Jardim, Hotel Central, Eldorado, e o mais famoso de todos: a Pensão da Mulata.



A ilustração, de Lucio Izel, é baseada nas fontes da época e mostram como seria a fachada da Pensão da Mulata, numa noite boêmia de funcionamento.


A FAMIGERADA "CASA DE TOLERÂNCIA

Durante seus anos de existência, a Pensão da Mulata foi considerada a casa de prostituição mais "barra-pesada" de Manaus, sendo palco de inúmeras brigas e depredações, que geralmente terminavam em ferimentos e até mortes, envolvendo as prostitutas, clientes, policiais e proprietários.

A Pensão sofria perseguição e acusações implacáveis da sociedade manauara, sendo alvo de denúncias dos jornais locais e tendo visitas constantes da polícia. O local era mencionado, pelos noticiários, como sendo frequentado por "gente da mais baixa classe social" se constituindo em uma célebre casa de libertinagem e que afrontava a moral pública e as boas famílias que passavam ou residiam próximo à pensão. E muitos órgãos pediam o seu fechamento imediato.


A LOCALIZAÇÃO

A Pensão da Mulata localizava-se numa das laterais que fica defronte à Praça da República (atual Praça D. Pedro II), no prédio de número 5. Tinha como vizinhos o Hotel Cassina e o Palácio do Governo (atual Paço da Liberdade). Sua proprietária era Ana Maria da Conceição, que era conhecida como a "Mulata da pensão "(seu sócio na administração do local era Cunegundes Alencar).

O estabelecimento entrava pela madrugada com muita bebida, música e... confusões. A maioria de seus frequentadores era de estivadores, marinheiros, cafetões, boêmios, catraieiros, peixeiros, maquinistas de embarcações, funcionários públicos, militares do exército, seringueiros que chegavam do interior e, lógico, aquelas que alegravam o ambiente: as prostitutas (que eram chamadas pela imprensa de "decaídas", "mucamas" ou "marafonas"). Mas também era frequentado por pessoas de classe média, fazendo com que a pensão fosse mencionada como um antro onde se reuniam pessoas de todas as castas.

Na entrada da pensão havia o bar e atrás haviam os quartos ocupados por viajantes e pelas profissionais do sexo, que ali moravam e realizavam o seu ofício.

 

OS PRIMEIROS REGISTROS

As primeiras notícias da existência da Pensão da Mulata vêm de 1902, quando os jornais anunciavam animados bailes que ali aconteciam. Porém o local também sofria denúncias como sendo uma casa de corrupção e imoralidade, que afrontava as famílias que esperavam os bondes na estação da Praça ou aquelas que iam passear pelo jardim da Praça, motivo pelo qual muitas delas tinham desistido de frequentar o logradouro, denunciando que o cafetismo era ali exercido abertamente e sem o menor pudor.

Os jornais e o povo também comentavam que era inacreditável saber que ali na Praça da República, com um elegante jardim, e tendo próximo o Palácio do Governo e o Quartel do Primeiro Distrito das Forças Federais, conservasse também próximo a famigerada pensão. Para a imprensa era uma ironia que as autoridades, situadas em seus prédios a pouca distância da afamada pensão e vendo o que lá acontecia, não tomassem uma atitude enérgica e interditasse em definitivo o local.

Se dizia que o ambiente na Mulata era tão pesado que o delegado de polícia costumava mandar, à noite, os agentes Antônio Guaycurus, Marcelino Fonseca e Marcelo Benevides, para vigiar os frequentadores e evitar badernas.

Porém em março de 1903, poucos dias depois de um agitado baile carnavalesco na pensão, a proprietária Ana Maria da Conceição deixava a pensão (talvez devido ao alto preço do aluguel ou a hipoteca do local) e abria um novo estabelecimento na rua Joaquim Sarmento, n⁰17, que era uma "petisqueira" (restaurante). Mas tudo leva a crer que o novo negócio da conhecida mulata não prosperou, pois pouco depois ela voltava e reassumia a direção de sua antiga casa alegre da Praça da República,  comandando suas garotas.


REGISTRO DE UM VISITANTE ILUSTRE

Naqueles anos havia um conhecido jornalista e advogado pernambucano chamado José Gonçalves Maia, que esteve em Manaus em 1904 e hospedou-se no Hotel Cassina.

Logo depois ele lançou um livro e mencionou num trecho que, de seu quarto no Cassina, ouvia canções populares, gritos frenéticos e aplausos que vinham do outro lado da Praça, da Pensão da Mulata.

Afirmava que não condenava aquele tipo de diversão (onde o amor se compra e se negocia, nas suas palavras), pois qualquer grande cidade, onde o dinheiro circulava em abundância, devia ter de tudo.



Charge publicada no Jornal do Commercio, de novembro de 1904 onde mostra uma crítica contra o governador do estado, por não tomar atitudes com referência à Pensão da Mulata e aos Hotéis América e Commercio, que eram casas de prostituição que se situavam a poucos metros do Palácio do Governo.


OS PRINCIPAIS CONFLITOS 

Como era de se esperar, os informativos só relatavam as desgraças que aconteciam no lugar. Na verdade, os jornais da época registraram inúmeras desordens dentro da Pensão da Mulata (afirmando que aconteciam quase todos os dias) e que muitas vezes se estendiam às ruas próximas.

Muitas das prostitutas que moravam e faziam ponto no local foram acusadas por várias questões, sofreram espancamentos, foram presas e até mortas. Para muitos, a Pensão da Mulata era o verdadeiro inferno na terra.

Com certeza o que acelerou o fechamento (para sempre) da famosa pensão deva ter sido às tantas denúncias, ocorrências graves e batidas frequentes da polícia que lá aconteceu.

Já em 1908 o estabelecimento sumia dos noticiários locais, dando entender que ele possa ter encerrado as atividades naquele ano.

Veremos agora alguns registros de fatos violentos envolvendo frequentadores da Pensão da Mulata, dentro e fora da casa.

• No dia 6 de março de 1903, no interior da pensão, as meretrizes Jucundina Cavalcante e Apolônia Silva se estranham e partem para a briga. Um alferes do exército, que estava no local, resolve interferir na luta e acaba sendo apunhalado no ombro por um canivete desferido por Jucundina (que no momento apanhava de sua rival). A agressora acabou sendo detida por um empregado da pensão que a entregou à polícia. Quanto ao militar, ferido, foi encaminhado para o hospital. 

• Em fevereiro de 1905, durante um baile de carnaval na pensão, o conhecido desordeiro "Paulinho Preto" tentou matar o cabo Pedro Antônio do Nascimento, gerando grande conflito no local.

• Em 21 de maio de 1906 encontrava-se na pensão o cliente Serapião da Silva, às 9 da noite, bebendo com colegas em uma mesa do bar da pensão, se estranhou com Pedro da Costa Ramos, indo os dois às vias de fato. Pedro puxou uma faca dando várias estocadas no seu oponente, cortando Serapião no rosto, mão e orelha. Pedro então fugiu, sendo agarrado por populares na Rua da Independência, sendo preso pelo agente Cunegundes.

• Em 2 de junho de 1906, às 4 da tarde, o marinheiro José Gomes de Holanda, da canhoneira "Amapá", entrou na pensão com a meretriz Maria Dolores, logo pedindo cervejas. Na hora de pagar o marinheiro não se conformou com o preço, logo discutindo com a atendente Elisa que, auxiliada pelo ajudante Camilo Alvares e outras mulheres que residiam na pensão, espancaram o militar.

O marinheiro, irado, saiu e disse que voltaria armado, o que fez pois voltou com uma pistola, entrando no local e colocando todos em polvorosa.

Nesta ocasião outros dois marinheiros, que passavam pelo local, chamados Leôncio e Rosendo (também da "Amapá "), correram em auxílio do colega de farda, sendo que os três depredaram o bar por completo, quebrando mesas e cadeiras. Os proprietários da pensão chamaram a polícia, que mandou uma força militar composta por dez soldados, sendo que os marinheiros não se intimidaram com a chegada deles e os chamaram pra briga. Foi quando chegou o capitão de fragata Nóbrega de Vasconcelos, da flotilha (comandante dos marujos), que enfim os prendeu.

• Também em 1906, no dia 18 de janeiro, às oito da noite, uma prostituta residente na pensão, chamada Luiza Francisca da Silva, tentou o suicídio com uma faca, por desilusão amorosa, não conseguindo e sendo detida pelo agente Luiz Bento, que a apresentou à delegacia, sendo ela presa.

• As meretrizes Maria Joana e Maria Alves, residentes na pensão, por questões de ciúmes por algum cliente, se odiavam. Em 13 de julho de 1906, pela manhã, na ocasião em que Maria Alves almoçava, sua rival apareceu e uma luta travou-se entre ambas. Maria Alves levou Joana ao chão e retalhou seu rosto com uma faca, ficando ela com a face deformada. Após o crime a agressora fugiu e a vítima foi levada à Santa Casa. 

• Residia na pensão da Mulata a prostituta conhecida como "Maroquinha Quatipurú" que tinha um tórrido caso com o cabo do exército Etelberto Carvalho. Um dia Maroquinha saiu da pensão e foi morar numa casa na Cachoeirinha.

No dia 20 de fevereiro de 1907, à noite, o cabo Etelberto foi visita-la, quando a encontrou com outro homem. Furioso ele sacou seu revólver e disparou no pescoço da mulher. Mesmo ferida ela ainda correu, com o Cabo no seu encalço, mas caiu próximo à uma taberna. O militar, ainda não satisfeito, deu outros dois tiros nela, matando-a.

Após isso ele pegou um bonde que ia para o centro e, com a arma em punho, ameaçou o motorista caso não acelerasse. A polícia chegou ao local mas ele já tinha fugido. Porém no outro dia foi preso no quartel do batalhão a qual pertencia.

A morte brutal de Maroquinha chocou suas colegas da Pensão.

• Em março de 1907, por ofensas à moral, a meretriz Ana Maria do Nascimento, moradora da Pensão da Mulata, era multada pela polícia. Mesmo pagamento teve de fazer uma outra residente do mesmo local, chamada Maria Emília Mota, também por afronta à moral pública.

• Em 23 de julho de 1907 o cozinheiro de um vapor, chamado Pedro Pereira de Brito, adentrou a Pensão espancando uma prostituta que ali residia, que gritou por socorro. Pedro fugiu mas foi perseguido por policiais se entregando  na rua Municipal, após dois tiros serem disparados em sua direção.

• Em novembro de 1907 é a vez de três soldados da polícia entrarem na pensão e agredirem a proprietária Ana Maria da Conceição, que na ocasião almoçava com seu irmão e um conhecido. Um dos soldados atirou uma cadeira em Ana Maria, que revidou jogando nele uma garrafa. Ambos saíram feridos.

Devido a confusão e quebra-quebra no lugar, Ana Maria foi presa no xadrez e os três soldados presos em seu quartel.

• Em 18 de dezembro de 1907, às 8 e meia da noite, ocorre novo incidente na Pensão da Mulata. Entraram no bar da pensão 8 marinheiros, que colocaram o local em alvoroço, quebrando tudo e ameaçando quem estivesse ali, agiam impunemente pois ninguém teve coragem de encará-los.

Após isso, os marinheiros desceram pela rua dos Remédios dando golpes de capoeira em quem encontravam pelo caminho.

A polícia foi avisada e o inspetor Oséias mandou três policiais ao encontro dos marinheiros. No caminho os policiais tiveram reforços de outros, encontrando os desordeiros na Praça Tamandaré. Travou-se então uma briga feroz entre marujos e policiais.

Quando os agentes da lei tentavam prender o marinheiro conhecido como "cara feia", este puxou um punhal e esfaqueou o policial Firmino Menezes, que ficou ferido.

"Cara feia", fugiu correndo com os policiais atrás dele e dando tiros. O marujo acabou sendo  encontrado  e preso quando se escondia numa estância na Rua dos Mundurucus.

Todos os outros marinheiros foram também presos.

• Em 22 de março de 1907, à noite, o indivíduo Palácio de Brito, que trabalhava em uma embarcação, promoveu grande pancadaria na Pensão da Mulata, ameaçando a todos com uma pistola. Nesse momento chegou no local o agente Severino que lhe deu voz de prisão e, na sequência, imobilizou Palácio tomando-lhe a arma. O agente então o prendeu em flagrante.



Anúncio de dezembro de 1902, no jornal "Quo Vadis", de um baile que seria realizado na Pensão da Mulata.



CONCLUSÃO

Houve muitos outros incidentes na Pensão, porém ficaram apenas os registros para a posteridade. Com o passar do tempo  o imóvel onde funcionou a pensão foi demolido e hoje, no local, está erguido o prédio do antigo IAPETEC (onde funciona o INSS)

Porém, é bom saber, distúrbios em prostíbulos envolvendo pessoas influentes da sociedade manauara também aconteciam. Um bom exemplo disso aconteceu em 1915 com o jovem Antônio Nery (de família tradicional e filho do senador Silvério Nery), que se meteu em grossa pancadaria com o poeta e jornalista Thaumaturgo Vaz na Pensão Floreaux, sendo Antônio atingido com um tiro no pescoço, que foi desferido por seu adversário.


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Fontes:

Jornal do Commercio, O Amazonas, Correio do Norte, Quo Vadis.




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