REBELDES DA FLORESTA - REBELIÃO E CONFLITO ARMADO NO BAIXO AMAZONAS (1920-1921)

Foi em dezembro de 1920 que estourou no Estado do Amazonas uma das maiores rebeliões que houve na história da Amazônia como um todo.
Essa importante e esquecida revolta teve início quando se formou um poderoso grupo bandoleiro armado, formado por caboclos nativos e ex-seringueiros nordestinos, que se rebelaram contra a miséria, a carestia e a carência de gêneros alimentícios que assolava a região do Baixo Amazonas, impulsionada pelo declínio da exportação da borracha. O bando se originou nas regiões do Paraná do Ramos e Rio Andirá, onde começaram a se agrupar e se constituir.
Após se organizarem e traçar suas metas, os salteadores passaram a invadir, saquear e tocar fogo nas propriedades de comerciantes, principalmente dos judeus, que se tornaram seu principal alvo pois eles nutriam grande ódio pelos hebraicos.
Esses bandoleiros chegaram a ter um considerável número de membros que se achavam bem armados e organizados, além de terem suas ações comandadas por alguns líderes. A principal coluna do grupo era comandada pelo piauiense José Vaqueiro. Porém haviam outros subgrupos que tinham outros chefes conhecidos pelos nomes de Barrinha e Manoel Araújo.



Ilustração (de Lúcio Izel), baseada nas notícias da época, de um integrante do grupo insurgente que aterrorizou o Baixo Amazonas em 1920 e 1921. O chapéu de palha desabado, com uma cruz azul do lado, era sua marca de identificação.


A PERSEGUIÇÃO AOS COMERCIANTES JUDEUS E A INVASÃO DA VILA DE BARREIRINHA

O bando amotinado começou então suas ações, espalhando o terror na região compreendida entre os municípios de Parintins, Barreirinha e Maués.
Por onde passavam invadiam comunidades e propriedades, matando e agredindo pessoas e roubando os estabelecimentos comerciais dos judeus (entre eles os que pertenciam a Jacó Cohen, Rafael Assayag, Salomão Mendes e David Benzaquen), reduzindo-os a chamas.
Porém sua ação mais audaciosa e de maior repercussão foi a invasão da Vila de Barreirinha, em 30 de dezembro de 1920, quando cerca de 200 salteadores, fortemente armados, saquearam e destruíram por completo os comércios e casas da Vila, terminando com um saldo de 9 pessoas mortas e várias feridas por armas e espancamento(outros conseguiram fugir a tempo internando-se na mata).
A partir daí o grupo cresceu no número de seguidores, ataques violentos e em importância, continuando a pilhar e depredar os lugarejos da região (entre eles Massauari, Bem Querer, Nova Esperança, Ariaú, Pedras, Paraná do Arari, Ponta do Mucuim, Lago Urucurituba e Santa Júlia).
Em uma das investidas dos rebeldes, realizada contra a casa comercial Santa Clara (pertencente a Alberto Mendes), ficou célebre a atitude da esposa do proprietário, chamada Sol Mendes, que no furor do conflito enfrentou corajosamente os assaltantes matando um deles com um golpe de terçado. 
Em poucos dias o grupo já chegava a ter mais de 800 membros, passando eles também a roubar a carga de todas as embarcações que navegassem pelos rios da zona dominada por eles. Esses "Bandoleiros do Baixo Amazonas" (termo pelo qual ficaram conhecidos pela imprensa local da época), tinham suas bases de operação nas já citadas localidades do Paraná do Ramos e no rio Andirá, no município de Barreirinha.
Contudo os bandoleiros estavam agora centrados e preparados para sua maior empreitada, que era invadir a cidade de Parintins. A população parintinense, alarmada e em pânico, fugiu em peso em batelões, vapores e lanchas com destino à Itacoatiara (no Amazonas) e Óbidos (no Pará), onde se refugiaram. Os que ficaram em Parintins trataram de preparar a defesa da cidade contra os terríveis visitantes que poderiam chegar a qualquer momento. Coube ao prefeito, Dr. Furtado Belém, e ao capitão da polícia, Ladislau Souza, organizar e comandar a resistência da cidade, distribuindo armas entre os civis, mandando cavar trincheiras e colocando o contingente policial do município em prontidão dia e noite.
Ao saber da intenção dos rebelados de também invadir a Vila de Maués, o prefeito do município, Capitão Luiz Carlos, se exilou em Parintins e de lá seguiu para Manaus afim de pedir providências do Governador para defender sua localidade.
Na Vila de Urucurituba o temor da população era também grande pois se dizia que após invadir Parintins, os rebeldes se dirigiriam para atacar a vila.
Embora também tivessem pilhado algumas casas comerciais de brasileiros, os insurgentes pretendiam não só roubar e arruinar economicamente os negociantes judeus, mas expulsá-los definitivamente daquelas paragens. 
Após subjugar à força as povoações das áreas em questão e infringir alí o medo, os bandoleiros eram agora senhores absolutos de grande parte da zona rural dos três municípios atacados, ocasionando a fuga dos moradores ribeirinhos.

O UNIFORME E ARMAS DOS REBELDES

Além de bem constituídos e conduzidos, e também sendo bons estrategistas, os rebeldes do Baixo Amazonas tinham como principais armas a espingarda e o terçado (um facão longo usado na amazônia), porém também usavam cacetes. Contudo, é importante saber que eles possuíam um acessório na vestimenta que os identificava: todos usavam chapéu de palha desabado com uma cruz azul pregada do lado.



Notícia do Jornal do Commercio, de janeiro de 1921, sobre o embate entre a força policial e os bandoleiros. 


A REPERCUSSÃO DOS FATOS EM MANAUS E NA CAPITAL FEDERAL

Na capital do estado, Manaus, as ocorrências violentas do banditismo no Baixo Amazonas era o assunto do momento, e também era a manchete principal dos jornais da cidade. Os manauaras acompanhavam as notícias atentamente e alguns (mais temerosos) chegavam a comentar que aquela chamada horda insurgente poderia crescer ainda mais e querer, em dado momento, expandir seus tentáculos para outros municípios próximos da capital.
A notícia e repercussão da calamitosa situação chegou até aos noticiários da capital do país, o Rio de Janeiro, onde se publicava a situação violenta e alarmante que se encontrava o interior do distante Amazonas, desafiando as autoridades locais, e onde os comerciantes e população da área assolada pediam providências do governo federal.
Em Manaus o governador César do Rêgo Monteiro (que havia assumido o cargo há poucos dias), em reunião no Palácio Rio Negro com o comandante da Força Policial do Estado e com o chefe de polícia, autorizou o envio de um regimento estadual, formado por praças da polícia, a fim de dar um basta naquele cenário.

Na foto de cima, se vê um estabelecimento comercial em Parintins na época do conflito. Na ilustração de baixo, soldados da Polícia Militar verificam corpos de rebeldes mortos após o combate na boca do lago Meruxinga.



O ENVIO DAS FORÇAS ESTADUAL E FEDERAL PARA A ZONA CONFLAGRADA

Enfim, no dia 11 de janeiro de 1921, saía do porto de Manaus o navio de guerra "Cidade de Manáos" (que era um vapor aparelhado com canhões e metralhadoras) com a tropa da polícia fortemente armada e comandada pelos tenentes Manoel Correia e Antônio Salustiano Pereira, com a finalidade de combater os revoltosos e pacificar a região.

O COMBATE NO LAGO MERUXINGA - EM JANEIRO DE 1921 OS BANDOLEIROS SOFREM UMA DURA DERROTA

Após chegar em Parintins, o navio de guerra tomou conhecimento dos locais onde estavam alojadas as colunas dos rebeldes. De lá seguiu viagem rumo ao território controlado por eles.
Ao entrar a embarcação na zona de conflito, no Paraná do Limão, os policiais viram uma canoa em viagem contendo três homens armados, que se entregaram. Trazidos a bordo confessaram que eram emissários dos bandoleiros que iam até Parintins conversar com o prefeito, ou seja, comunicar a ele que o ataque do bando seria naquele dia e que as autoridades do local não reagissem pois que seus companheiros eram maioria, caso contrário a depredação da cidade seria total. Já estando os emissários presos, eles acabaram revelando aos policiais a posição em que se encontravam seus companheiros.
O navio de guerra continuou sua viagem e, ao chegar à boca do lago Meruxinga, às 16 horas e meia do dia 13 de janeiro de 1921, localizou cerca de 300 revoltosos, chefiados por José Vaqueiro, concentrados no sítio de Benjamin Conceição e que se preparavam para invadir Parintins. Também havia, no porto do sítio, centenas de canoas e batelões atracados e que seriam utilizados para transportar os insurgentes no ataque à cidade. Eles também estavam esperando uma outra corrente do grupo (que já estava a caminho vindo do Paraná do Ramos) e que se juntaria aos mesmos para, com sua força total, realizar o tão desejado e esperado ataque naquela cidade.
Começou então o combate que foi intenso e durou cerca de uma hora. Do navio partia cerrado fogo, enquanto da beira do lago os rebeldes (bem posicionados) respondiam ferozmente com tiros de rifles e espingardas. No final a força policial, com armamentos mais possantes como canhão e metralhadora, conseguiu derrotar os chamados "Bandoleiros do Baixo Amazonas", que debandaram mata adentro.
O saldo final da luta foi de dois policiais feridos, três bandoleiros mortos (além de vários feridos) e de uma moça morta (filha de um seringalista que havia sido feito refém).
Os policiais apreenderam no local armas, canoas, batelões, mercadorias que haviam sido roubadas pelos revoltosos e alguns deles, que se renderam.
Daquele local o "Cidade de Manáos" seguiu rumo à Maués e Barreirinha para combater outros subgrupos que ali estavam espalhados e na ativa.
No caminho os policiais chegaram na propriedade do Coronel Inácio Pessoa Neto que foi levado a bordo e preso, pois era suspeito de dar apoio aos rebeldes e fornecer armas para eles, além de usar seu terreno como ponto de encontro para os insurgentes organizarem seus ataques (no qual Inácio ficava com parte das mercadorias pilhadas).
Em Manaus o governador do estado recebia, do Rio de Janeiro, uma mensagem do ministério da guerra para que também fosse enviada para a zona insurgente uma força Federal.
Então, no dia 15 de janeiro, zarpava do porto de Manaus o vapor São Salvador contendo soldados do exército, pertencentes ao 27º Batalhão de Caçadores, e comandados pelo tenente José Valente do Couto.
Essa tropa federal ficou responsável em guarnecer e proteger Parintins e de também realizar batidas nas imediações, visando prender os rebeldes. Muitas pessoas estiveram presentes no embarque dos militares.


O Prefeito de Parintins, Dr. Furtado Belém, que preparou a cidade para a ameaça de invasão do grupo rebelde.


O FIM DO CONFLITO E A PACIFICAÇÃO DA REGIÃO

Após a derrota no lago Meruxinga, os revoltosos perderam sua força e foram debandando, pois aquela era até então, a principal coluna de ataque do bando que, com seu aniquilamento, acabou enfraquecendo os demais subgrupos. Os principais líderes foram presos e os bandos situados em Maués e Barreirinha foram desarticulados pela força policial. Um fato curioso é que Manoel Araújo, chefe de uma das partes do bando sublevado, foi capturado por policiais quando se escondia em uma aldeia indígena.
Em Parintins o exército chegava na noite do dia 16 de janeiro e tomava conta da cidade, afugentando os rebelados que se encontravam pelas cercanias.
Muitos dos rebeldes foram detidos e mandados para as cadeias de Maués e Barreirinha, entre eles o já mencionado seringalista Inácio Pessoa Neto (que após investigações foi considerado o principal mentor dos revoltosos). Mas a maioria conseguiu fugir em direção à área do rio Tapajós, no Pará, enquanto outros se refugiaram nas áreas mais longínquas do Rio Andirá.
Por volta do dia 19 de janeiro, devido à ação repressiva dos contingentes do governo, o movimento rebelde estava totalmente derrotado.
A zona do conflito estava agora, enfim, controlada e pacificada. Aos poucos os moradores voltavam às suas casas e retomavam suas atividades. Todavia os prejuízos foram intensos, tanto de perdas materiais como de vidas humanas. Vários comerciantes jamais voltariam a seus antigos estabelecimentos, com medo de uma possível volta dos insurgentes, o que agravou ainda mais a precária economia daqueles locais.
O comerciante que mais teve prejuízos foi o judeu Simão Benjó que chegou à área das desordens, vindo de Belém do Pará, para averiguar as perdas materiais, humanas e financeiras que teve.
Já o navio de guerra "Cidade de Manáos" e o vapor Paes de Carvalho traziam de volta para Manaus os soldados da polícia e do exército (que desembarcaram na capital nos dias 27 de janeiro e 2 de fevereiro), vitoriosos, e com a missão cumprida.

CONCLUSÃO

Assim como a Cabanagem (a maior e mais importante revolta da região), a Revolução Acreana e a rebelião em São Miguel do Guamá e adjacências (ocorrida no Pará em 1921), a rebelião do Baixo Amazonas foi também um importante conflito que existiu na Amazônia brasileira (embora tenha durado pouco tempo e tido menor repercussão em relação aos outros dois confrontos anteriores mencionados).
Como se sabe, o estopim principal que ocasionou a revolta foi a miséria que atingia a população que vivia ali sem nenhuma perspectiva ou assistência, que se agravou com a crise gerada pela queda do preço da borracha, logo gerando uma insurreição dos habitantes locais contra sua situação e contra aqueles que eles consideravam seus exploradores. 
Infelizmente, esse importante fato da história do Amazonas foi esquecido ao longo do tempo. Porém, brevemente será lançado em livro para que o tema venha ao conhecimento da sociedade com todos os seus detalhes.

Fontes: Jornal do Commercio (AM), Gazeta da Tarde (AM), Folha do Acre (AC), Alto Madeira (RO), Correio da Manhã (RJ), Folha do Norte (PA), O Estado do Pará (PA), Jornal do Brasil (RJ), O Imparcial (RJ), A Noite (RJ), O Paiz (RJ), A Rua (RJ), Correio Paulistano (SP), O Combate (SP).

Autor: Gaspar Vieira Neto


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