OS PRIMÓRDIOS DO FUTEBOL NO AMAZONAS (1903 - 1914)


OS PRIMÓRDIOS DO FUTEBOL NO AMAZONAS (1903 - 1914) - RESUMO HISTÓRICO DA ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DO "FOOT BALL" AMAZONENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX



O time inglês do Manáos Athletic, em 1913. Foi um dos principais clubes do nascente futebol amazonense. 


Durante o período que vai de 1890 a 1912, o Amazonas, em particular a cidade de Manaus, usufruiu de uma grande prosperidade econômica impulsionada através da exportação da borracha (na época o produto mais valioso do Estado) que tinha como principal finalidade atender aos grandes mercados consumidores da Europa e Estados Unidos. Devido a isso, o moderno porto da capital vivia com um intenso movimento de pessoas, mercadorias e navios de várias nacionalidades. Além de Manaus, a cidade de Belém, no Pará, também passou pelo mesmo processo.  Eram, na verdade, as duas capitais mundial da borracha.

Quando a exportação se intensificou, a capital amazonense passou por grandes transformações em seu traçado urbano, principalmente no governo de Eduardo Ribeiro (1892 - 1896) que realizou várias obras, como aterramento de igarapés, construção de largas avenidas, praças, prédios públicos e palacetes. A transformação foi tão radical que o próprio Governador orgulhava-se ao mencionar que conheceu Manaus como uma pobre aldeia e a havia transformado em uma cidade moderna de estilo europeu. A cidade foi a segunda do Brasil a ter energia elétrica e também foi a primeira do país a possuir uma universidade. Lógico, isto só foi possível devido ao capital acumulado pela extração gomífera.

A população da capital Amazonense crescia cada vez mais. Pelo censo de 1900, a cidade tinha cerca de 50.000 habitantes. Já em 1910, eram 65.000. Eram muitos os migrantes e imigrantes que aqui aportavam com a finalidade de enriquecer fácil, devido à grande circulação de capital. Havia muitos Ingleses, Alemães, Franceses, Italianos, Barbadianos, Espanhóis, Árabes, Judeus, Portugueses e Nordestinos, principalmente do Ceará que, fugindo da seca, serviam como mão de obra nos seringais dos rios Juruá, Purus e Madeira, além do recém adquirido território do Acre, extraindo o precioso líquido no meio da floresta. O seringueiro vivia sob um regime de semiescravidão pois estava preso às dívidas, longe da família, vítima de doenças, ataque de índios e animais, além de maus-tratos e assassinatos por parte de capangas a mando do seringalista. O heroico seringueiro foi o maior responsável por gerar riqueza e luxo na Amazônia, principalmente em Manaus e Belém.

É nesse período que um novo esporte (pelo menos no Brasil), começa a se espalhar rapidamente por todo país. Chamava-se "Foot Ball" e era importado da Inglaterra. Oficialmente o futebol chegou primeiro em São Paulo, através do estudante Charles Miller em 1894, que o trouxe da Ilha Britânica e também organizou, em solo nacional, o primeiro jogo de que se tem notícia entre funcionários de uma companhia de gás e da estrada de ferro São Paulo Railway, que terminou com a vitória dos ferroviários por 4x2. Depois, chegou à capital Federal, o Rio de Janeiro, em 1897, através de um outro estudante chamado Oscar Cox, que o trouxera da suíça. Atualmente, pesquisas e relatos apontam que o futebol no Brasil já era praticado anos antes da chegada de Miller, principalmente entre alunos de um colégio Jesuíta da cidade paulista de Itú, na qual o esporte Inglês teria sido introduzido no estabelecimento no ano de 1880 por um padre chamado José Mantero que havia trazido as primeiras bolas após uma excursão que fizera à Europa.

A Amazônia, usufruindo do fausto proporcionado pela borracha, também conheceria cedo os mistérios do esporte que já fazia a cabeça das pessoas no distante Sul. Belém do Pará foi a primeira cidade Amazônica que teve contato com o futebol e, diga-se, uma das primeiras do país. Pesquisas apontam que o   esporte bretão já era praticado na capital Paraense em 1892 quando Jean Louis de La-Roque introduziu o esporte e realizou as primeiras partidas no Largo de Nazaré. Já outras fontes afirmam que o futebol era praticado desde 1896 na praça Batista Campos.  O certo é que já em 1906, os Paraenses realizaram o primeiro campeonato local que, por divergências entre os clubes participantes, não chegou ao seu final. Ele só seria retomado e realizado novamente em 1908.

Os primeiros registros e clubes do futebol baré 

O futebol aportou na terra de Ajuricaba um pouco depois que no vizinho Estado do Pará. A primeira notícia de uma possível prática futebolística no Amazonas data de 1898. É nesse ano que existia em Manaus uma associação esportiva chamada Sport Club Amazonense cuja sede social localizava-se na Rua Municipal (atual 7 de Setembro). Durante os encontros do clube era comum seus sócios praticarem animadas partidas de um estranho esporte chamado "jogo da bola". Porém não se tratava do futebol, e sim de um esporte semelhante ao boliche onde se arremessava a bola a um determinado ponto.

É em 1903 que se registra oficialmente a chegada e as primeiras partidas do esporte bretão no Amazonas. É nesse ano que os ingleses costumavam realizar, aos finais da tarde, duelos de "Foot-Ball" na praça Floriano Peixoto, que localizava-se no bairro da Cachoeirinha, em Manaus.

Mas, é somente em 1906 que o futebol começa a ter um pequeno impulso em Manaus, ganhando mais visibilidade. Nesse ano havia um clube na cidade organizado para a prática do "Foot-Ball", era o Racing. Além disso, os ingleses de Manaus costumavam formar times provisórios para jogar. Sendo assim, os amazonenses do Racing passaram a jogar entre seus sócios e contra os times dos britânicos. Infelizmente, não se sabe o resultado final dessas partidas. O importante disto tudo é saber que no ano de 1906 se deu o pontapé inicial para os primeiros confrontos entre equipes de futebol no Amazonas. O Racing foi o primeiro clube de futebol, que se tem notícia, a surgir no Amazonas organizado exclusivamente para este gênero de esporte como também o pioneiro a ser formado só por manauenses, além de ser o primeiro time pebolístico a ser mencionado na imprensa local. O Racing (que tinha o preto e branco como cores) foi fundado no dia 13 de maio desse ano pelo maranhense José Conduru Pacheco que, ao realizar uma viagem à Belém, teve contato e apaixonou-se pelo novo esporte que já era praticado na capital paraense há um certo tempo. Ao chegar em Manaus, José Conduru percebeu que não existia nenhum clube que praticasse o futebol na cidade, pois ainda era aqui uma atividade desconhecida pela maioria da população. Determinado a divulgar e tornar a aquele esporte conhecido pelos manauaras, fundou o referido clube e com muito sacrifício ajudou em seu desenvolvimento.

Também existem informações de que antes do Racing surgir, os ingleses que residiam em Manaus já haviam fundado um time de futebol de nome desconhecido, sendo que só era permitida a entrada de Ingleses na equipe. Se levarmos em conta essa informação, a obscura equipe pode ter sido a primeira a praticar o futebol no Amazonas. Porém não se sabe se era um clube de futebol instituído ou se era um time provisório organizado somente quando havia jogos entre os ingleses.

Acontece que os Ingleses costumavam realizar suas partidas em clubes e locais restritos, onde somente pessoas de sua nacionalidade tinham acesso. Devido a essa imposição, os manauaras desconheciam o futebol, o que acabava se refletindo na imprensa que também não conhecia ainda aquele curioso esporte. Tendo como base essas importantes informações, pode-se concluir que somente os ingleses (e alguns poucos manauaras) praticavam o futebol em Manaus antes de 1906 e que foram eles os verdadeiros introdutores do popular esporte no Amazonas pois "bater uma bolinha" era o passatempo preferido de bancários, comerciantes e engenheiros britânicos que residiam na "Paris dos Trópicos". Além do futebol, eles também introduziram na capital outros esportes como o críquete e o tênis, mas nenhum deles caíram na simpatia dos Amazonenses como o apaixonante jogo com os pés.

O que se pode afirmar de concreto é que José Conduru foi o responsável em divulgar o esporte Inglês para o meio dos jovens manauenses que ainda desconheciam aquele jogo, em que se chutava uma bola de couro, e se mostravam curiosos em praticá-lo. Devido ao seu pioneirismo, Conduru pode ser oficialmente declarado como o impulsionador e divulgador do futebol no Amazonas, entre os legítimos filhos da terra, no longínquo ano de 1906,  pois foi ele quem fundou a primeira equipe e tirou o obscuro esporte bretão do anonimato, popularizando o futebol para toda sociedade amazonense.
     
Já em abril de 1907 um outro fã de futebol, chamado Luiz Paulino, também fundava um novo clube: Sport Football Manáos. Essa também pioneira equipe adotou as cores vermelho e branco e costumava realizar seus treinos na praça da Saudade.

Nessa época o futebol ainda era desconhecido para muitos manauenses, pois ele vivia no ostracismo e à sombra do ciclismo e das corridas de cavalos (turfe), que eram os esportes preferidos até então e que tinham espaço garantido nas sessões esportivas dos principais jornais. Somente a partir de 1907 é que o futebol começa a aparecer com mais frequência nas páginas esportivas.

Estudantes Amazonenses que viajavam para a Inglaterra, e os já mencionados ingleses que residiam em Manaus, também ajudaram a desenvolver e popularizar o futebol em terras barés. O Amazonas vivia o período áureo da borracha e toda novidade que havia no velho mundo chegava rapidamente em sua orgulhosa "Paris da Selva", a cosmopolita Manaus.

Dessa forma, a elite manauara assimilava os hábitos e costumes Europeus e, como era de se esperar, o futebol foi rapidamente assimilado por essas elites. Jovens estudantes e outros profissionais de famílias tradicionais foram os precursores da organização dos primeiros "Teams" e " Matchs".



Ilustração, de Romahs, mostrando uma partida entre Brasil e Racing, que foi uma das primeiras rivalidades do esporte bretão no Amazonas.



É no período de 1906 a 1909 que começam a surgir os primeiros clubes dedicados à prática do novo esporte. Foram eles os seguintes: Racing, Infantil Club, Sport Club de Manáos, Brasil Club, Grêmio Literário, Foot-Ball Club, Reserve, Amazonas, Internacional Foot-Ball Club, Guarany, Ideal, Petiz Foot-Ball Club, Independência, República, União Sportiva Amazonense, João de Deus Sport Club, Manáos Football Club, Solimões, Amerika, Estrella, União Club, Waldemar Foot-ball Club, Pátria Football Club, Manáos Athletic Club, Aprendizes Marinheiros Team,  Resbem e Sport Foot-ball Manáos.

Já no período de 1910 a 1914, o futebol cai no gosto da sociedade local e mais "Teams" eram fundados: Fluminense, Juvenil Club, Sport Club Amazonense, Combination, Manáos Recreativo, Badajoz, Association Team, Colégio Universitário, Mercúrio, União Sport, Riachuelo, Brazilian Team, Amazon, Onze Português, Brasileiro, Team Amazonense, Gymnasiano, Manáos Team, Vasco da Gama, Onze Nacional, Naval,  Luso, Acadêmico, Internacional Team, Macaco Football Club, 5 de Setembro, Satellite,América Football Club, Rio Negro, Tiradentes ,Manáos Sporting, Gymnasio Club, Aquibadã, Iracema,  Monte Christo, Aduaneiro, Ypiranga, Luzitano Operário, Flamengo, Rio Branco Foot-Ball Club, 15 de Novembro, Racing Nacional, Sportivo Português, Uruguay Foot-ball Club,White Club, Liberal e Universidade Foot-Ball Club.

Muitas colônias de imigrantes fundavam em Manaus suas próprias equipes. Os Ingleses deram origem a um time desconhecido (antes de 1906) e ao Manáos Athletic (1908). Os portugueses deram origem ao Luso Foot-Ball Club (1912), Onze Português (1913), Vasco da Gama (1913) e Luzitano Operário (1914). É bom lembrar que o Cruz Maltino Baré foi o primeiro Vasco do Brasil a praticar futebol, pois o Vasco carioca somente criou seu departamento futebolístico em 1915 e outros como o Vasco Sergipano, Acreano e de outros lugares do País, só surgiram muito tempo depois.

A aceitação e ascensão do jogo inglês em Manaus

Durante esses primeiros anos de desenvolvimento do futebol Amazonense, começaram a surgir as primeiras rivalidades. As principais foram entre Racing e o Sport Manáos (1907 a 1908), Brasil e Racing (1909), Manáos Athletic e Racing (1910), Brasil e Manáos Athletic (1912 a 1913) e Nacional e Manáos Athletic (1913 a 1915). Os embates entres os clubes eram realizados nas praças da cidade que eram cedidas pela prefeitura. Alguns clubes tinham mando de campo sobre uma. O Racing Club Amazonense, fundado em 1906, tinha mando na praça Floriano Peixoto; O Brasil FootBall Club, fundado em 1909, tinha como casa a praça Antônio Bittencourt (Atual Praça do Congresso); O Amerika Sport Club, também fundado em 1909, tinha como campo a praça General Carneiro; já o Manáos Athletic mandava seus jogos no campo do Bosque Municipal. Além desses locais, as Praças da Saudade e da República também eram palco de partidas de “foot-ball”, como também o campo dos Aprendizes Marinheiros no bairro de Constantinópolis (atual Educandos).

Os duelos realizados em campo eram também um evento social. Via-se nas arquibancadas do Bosque Municipal ou ao redor das praças, elegantes senhoras da alta sociedade com seus maridos de cartola e finos ternos. Em jogos comemorativos era comum a presença de autoridades e a distribuição de “bouquet” de flores, aplausos, vivas e discursos aos valentes “players”. Outro exemplo eram os encontros sociais comemorativos na sede dos clubes, com presença de políticos, comerciantes e autoridades militares. Como exemplo, temos a comemoração de primeiro ano de governo de Antônio Bittencourt, celebrado em 1909 na sede do Amazonas Football Club, na rua José Paranaguá. Ou então, o convite que o proprietário do cinema Odeon, Maximino Correa, ofereceu aos jogadores e diretoria do Manáos Sporting, em 1914, para celebrarem um ano de existência do clube com a presença de autoridades, poemas e exibição de um filme.

No ano de 1913, o jogo inglês já estava consolidado na preferência do público manauense. Aproveitando isso, o Manáos Athletic, que orgulhava-se de ter em seu quadro somente jogadores de origem inglesa, lança uma série de amistosos contra os melhores jogadores manauaras. Formou-se então, um selecionado local para enfrentá-los, composto principalmente por atletas do Nacional e Manáos Sporting, que ficou conhecido como "Scratch Nacional" ou "Scratch Brasileiro". Esse selecionado seria um embrião da futura seleção do Amazonas de futebol.

Numa disputa em que se procurava avaliar qual era o melhor futebol, se o inglês ou brasileiro, o combinado local acabou se igualando com seu adversário numa disputa bem equilibrada. Foram cinco jogos, com duas vitórias dos britânicos, um empate e duas vitórias dos amazonenses. Numa dessas partidas, o elenco amazonense, após estar perdendo por 3 x 0, esboçou uma incrível reação virando o placar para 4 x 3, o que causou grande euforia no público presente e decepção nos britânicos.

Ainda nesse mesmo ano, um outro fato agitou a imprensa, clubes e a população de Manaus. Novamente se tentou organizar um time local, composto pelos melhores jogadores dos clubes Manauaras na ativa para, pela primeira vez, viajar ao estado do Pará e realizar partidas contra as principais equipes de Belém. Se prepararam muito para isto, mas devido a falta de verba e apoio, a tão esperada jornada ao vizinho estado acabou não acontecendo.

A fundação da Liga e a primeira edição do Campeonato Amazonense

Em 1909, percebendo o crescimento do número de clubes e o crescente interesse da população local, representantes dos principais clubes tentam fundar uma liga e organizar o primeiro campeonato Amazonense de futebol. Chegaram a realizar reuniões, mas devido a divergências entre eles a ideia não foi adiante.


Partida válida pelo Campeonato Amazonense de 1914. Jogadores do Vasco da Gama (camisa branca) disputam a bola com os atletas do Rio Negro (uniforme preto) no campo do Bosque Municipal.

Somente anos depois, em 1914, a Liga Amazonense de Foot-Ball é finalmente fundada, organizando e realizando oficialmente nesse ano o primeiro campeonato amazonense com a participação de 5 equipes na primeira divisão: Nacional, Manáos Athletic, Vasco da Gama, Rio Negro e Manáos Sporting. Já a segunda divisão teve a participação de 7 equipes. Os jogos da primeira divisão seriam todos no Bosque Municipal, sempre aos domingos à tarde, já os jogos da segunda divisão seriam no campo da praça Floriano Peixoto, na Cachoeirinha.

É bom lembrar que o campeonato amazonense é um dos mais antigos do país, só perde para o Paulista (1902), Baiano (1905), Carioca (1906) e Paraense (1908). É também mais antigo do que o campeonato de estados que hoje são grandes centros do futebol nacional como Ceará, Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Goiás.

Havia uma forte rivalidade entre os dois clubes mais competitivos, o Nacional e o Manáos Athletic, rivalidade essa que havia começado em 1913. O encontro entre ambos era classificado pela imprensa como “Match entre Teams de Brazileiros e Inglezes”.

E foram os dois rivais que fizeram o jogo de abertura(numa tarde de chuva), realizado no dia 1° de fevereiro de 1914, o primeiro da história do campeonato local, com a vitória do Nacional por 2x1, sendo os dois gols Nacionalinos marcados pelo atacante Paulo Mello, enquanto Barton anotou para o time Inglês. Mas a vingança do Manáos Athletic só viria meses depois, na decisão do título.

E, como os organizadores e a população previam, a decisão final entre as duas equipes ocorreu no Bosque Municipal, no dia 14 de junho, com a vitória dos ingleses por 3x2 sobre os nacionalinos, perante 3 mil torcedores, o maior público presente em uma partida de futebol no Estado até aquele momento. Os gols foram marcados por Ernesto (contra), Burns e Barton para o Manáos Athletic e Bevilaqua e Cícero para o Nacional. O árbitro do duelo foi o senhor Eurico Borges. Cícero Costa, atacante nacionalino, foi o artilheiro do torneio,marcando 16 gols. O Manáos Athletic era assim o detentor da Taça Gordon, nome que recebeu o prêmio do título e se tornava o primeiro campeão futebolístico do Amazonas, feito que ele repetiria em 1915. Na segunda divisão o campeão foi a equipe reserva do Manáos Sporting.

Um fato interessante aconteceu nesse campeonato. Pela primeira vez se enfrentavam aqueles que se tornariam os maiores rivais da história do futebol Amazonense: Nacional e Rio Negro. Numa das partidas entre as duas equipes, se registrou a maior goleada daquele torneio e uma das maiores da história do futebol local. Em uma tarde inspirada, os nacionalinos aplicaram uma massacrante vitória de 12x0 sobre os rionegrinos na qual a goleada foi mais facilitada pelo fato do time derrotado não ter contado com a presença do jovem atacante Pudico, que era seu principal jogador. O tradicional "Rio-Nal" é considerado o clássico de futebol mais antigo do norte do Brasil.

Por essa época o futebol começava a se popularizar e atrair a atenção das classes mais pobres. O futebol Baré, assim como ocorreu em todo o Brasil, foi introduzido pelas classes ricas que tinham acesso às regras, encomendavam equipamentos e tinham autorização para treinar e jogar nos melhores campos e praças. Além de famílias da alta sociedade, os “matchs’ e treinos eram assistidos pelas classes mais pobres ao redor das praças com curiosidade e simpatia, caindo no gosto popular. Essa população (formada em sua maioria por caboclos, índios e negros) que habitava os cortiços e os bairros mais distantes da zona urbana central, como Constantinópolis (Educandos),Mocó, São Raimundo, Colônia Oliveira Machado, Praça 14, Cachoeirinha, etc., começou a organizar também seus jogos em campos improvisados em seus próprios bairros, muitas vezes jogando com bolas de seringa ou de meia.

É bom lembrar que todos os clubes aqui mencionados possuíam suas sedes (geralmente alugadas) no centro da cidade. Como exemplo o Racing que tinha sua sede na rua Saldanha Marinho, o Mercúrio Foot-Ball Club na avenida Joaquim Nabuco, o Brasil Foot-Ball Club na rua Monsenhor Coutinho e o Resbem Club na rua 24 de Maio.

Jogos com equipes estrangeiras e de outro Estado

Além dos confrontos entre as equipes locais, eram comuns os embates entre os times de Manaus com combinados estrangeiros ou com algum clube de outro estado. Quando navios de outros países atracavam no porto de Manaus costumavam desafiar os clubes da cidade para uma partida amistosa. O selecionado estrangeiro era formado entre os melhores “players” da tripulação, nesse caso, marinheiros. Como exemplo temos o cruzador inglês "Pelorus" que aqui atracou em março de 1909, logo lançando um desafio entre sua tripulação e os melhores “foot-ballers” de Manaus. O Manáos Athletic foi o clube escolhido para enfrentá-los e formou um time misto (com oito jogadores Ingleses e três Amazonenses) para o duelo. O jogo, que ocorreu na praça Antônio Bittencourt, foi de grande destaque na imprensa local da época e terminou com a vitória dos tripulantes britânicos que golearam os anglo-manauaras por 7 x 0.

Ainda em 1909 um outro navio inglês, o "Viking", desafiou o Racing Club para uma disputa. O jogo se realizou na praça Floriano Peixoto e foi muito disputado terminando empatado  em 1x1. No final, como era de costume na época, todos foram para a sede do Racing para uma confraternização, onde foram servidos comidas e bebidas para os ilustres visitantes.

Em agosto de 1909, mais de um mês depois, o "Viking" novamente aportava em Manaus e, como de costume, lançava um novo desafio à outra grande equipe existente na capital naquele ano: O Brasil. O confronto entre os "Brasilplayers" e os oficiais da embarcação britânica ocorreu na casa do time local (a praça Antonio Bittencourt) e também teve grande presença de público. Infelizmente, não se sabe hoje o resultado final desse duelo.

É também em 1909 que acontece o primeiro jogo interestadual e início de uma rivalidade histórica entre equipes de futebol do Amazonas e Pará, que se estendeu por muito tempo e que hoje, infelizmente, quase não existe. De passagem por Manaus, os jogadores do Sport Club Pará, de Belém, convidaram o Brasil Club para uma partida. A diretoria do “team” Amazonense aceitou o convite e o confronto ocorreu na Praça Antonio Bittencourt. Na disputa, os paraenses acabaram levando a melhor, ganhando do Brasil por 2x0, com grande presença de torcedores.

Já em 1914 uma outra embarcação Inglesa chegava ao porto de Manaus e também sua tripulação lançava um desafio aos times da cidade. O Navio chamava-se "Denis" e a equipe escolhida para enfrentá-los foram seus conterrâneos do Manáos Athletic. O time do "Denis" havia feito uma bela exibição num jogo no estado do Pará. Mas em Manaus foi diferente, pois o Athletic goleou os visitantes por 8x2. Um fato curioso que ocorreu durante essa partida (realizada no Bosque) foi que os ingleses do Manáos Athletic resolveram convidar o atacante Paulo Mello, que pertencia ao Nacional, para integrar o seu time. Dessa maneira Paulo se tornou o único atleta brasileiro presente ao encontro dos dois adversários britânicos. E ele não fez feio, pois foi o melhor jogador em campo, marcando metade dos gols da vitória do Athletic.

O primeiro ídolo dos gramados manauara

Entre os primeiros craques surgidos no início do futebol Baré, um merece destaque: Cícero Costa. É em 1909 que o nome de Cícero aparece pela primeira vez na escalação de uma equipe na qual era atacante do Reserve Club. Além de defender com maestria outros tantos times, foi no Nacional, onde passou a jogar a partir de 1913, é que o artilheiro se consagrou, a ponto de se tornar campeão estadual pela equipe da estrela azul, como também acabou sendo contratado pelo Clube do Remo de Belém onde também sagrou-se campeão.

Com suas velozes escapadas, dribles e chutes fortes e certeiros (sua principal característica), o hábil atleta sempre balançava as redes adversárias na posição em que reinava absoluto: A linha de ataque. Com talento de sobra, agilidade em campo e muita intimidade com a bola, Cicero Costa pode ser considerado a primeira grande estrela do esporte bretão caboclo.

Após se formar em Direito pela Universidade Livre de Manáos, Cícero mudava-se definitivamente para Belém onde viria a falecer em 1927.

A chegada do futebol no interior do Amazonas

Já no interior do estado, a cidade que mais cedo absorveu o “foot-ball” foi Itacoatiara. No alvorecer do século XX o município tinha uma população de cerca de 12 mil habitantes e era, depois de Manaus, a cidade mais importante de todo o Amazonas.  Pesquisas feitas em jornais itacoatiarenses mostram que já em 1908 o futebol era conhecido e, possivelmente, praticado no município. Clubes que incentivavam a prática de diversos esportes entre a juventude, já incluíam o futebol em sua grade curricular. Um bom exemplo é que nesse mesmo ano foi fundada uma agremiação esportiva chamada “Club Athletico” que ensinava a prática futebolística aos interessados, junto com outras modalidades.

Começam a surgir clubes para a prática do nobre esporte bretão, como o Amazonas Foot-Ball Club (1910), 13 de Maio (1912), Atheneu (1912), Sport Club (1913), Luzo Brasileiro (1913), Aliança (1915), Grêmio Português (1916) e Ypiranga (1917).

O Sport Club e o Luzo Brasileiro deram origem à primeira grande rivalidade do futebol da Velha Serpa, a partir de 1914. É nesse ano que a imprensa começa a divulgar o embate entre as duas equipes na praça 13 de Maio, sendo que o primeiro confronto entre ambos terminou com uma vitoria do Sport Club por 3x0. Sem sombra de dúvida, este foi o primeiro clássico da história futebolística de Itacoatiara pois ambas as equipes possuíam os melhores “foot-ballers” da cidade. Além da referida praça que servia como palco oficial dos principais jogos de futebol da cidade, também se realizavam  partidas na praça Marechal  Deodoro.

É também em 1914 que clubes de Manaus começam a excursionar pela cidade para duelar com os times da localidade. Como exemplo, um combinado de Manaus, reunindo jogadores do Rio Negro, Luzo e Manáos Sporting que enfrentou, no dia 7 de setembro, um combinado Itacoatiarense formado pelos melhores “players” do Sport Club e do Luzo Brasileiro que venceu o “scratch” visitante por 3x0 para alegria da elite serpense, presente ao espetáculo.

Já outro encontro aconteceu em novembro do mesmo ano, quando novamente uma equipe manauara, o Manáos Sporting, que chegou à cidade a bordo do vapor “Rio Jamary”, enfrentou o selecionado local, novamente composto pelos atletas do Sport Club e Luzo Brasileiro. Dessa vez os Manauaras levaram a melhor, ganhando dos Itacoatiarenses por 2 x 0. Após o fim do jogo, também ocorrido na praça 13 de maio, todos confraternizaram-se, a ponto de os anfitriões acompanharem os visitantes até o porto, onde embarcaram no vapor que os trouxe de volta à capital.
  
Já em outra localidade do interior, a Vila de Manacapuru (situada às margens do Rio Solimões), jovens estudantes fundavam em julho de 1914 o Riachuelo Football Club,o primeiro clube Manacapuruense dedicado ao futebol. O Riachuelo acabou abrindo caminho para o surgimento, poucos anos depois, de outros times pioneiros da vila: O Internacional, Tiradentes, União Sportiva, São Sebastião, Solimões e Rio Branco. Riachuelo e Internacional deram origem, em 1916, a uma das primeiras rivalidades do município.

E foi assim, durante esse período, quando ainda engatinhava e lutava para conquistar seu espaço, que o futebol timidamente caia no gosto popular e conquistava toda a sociedade local. Em pouco tempo, o atraente esporte inglês já estava presente nos quatro cantos do imenso território Amazonense.
Mas, se voltarmos mais ainda no tempo, vamos descobrir que o costume de se chutar uma bola em uma disputa, já era praticado no Amazonas há cerca de 300 anos atrás, pois os índios Cambebas (que habitam a região do alto e médio Rio Solimões) já praticavam, por volta de 1743, um esporte considerado precursor do futebol.
Quando estavam livres de seus afazeres, os Cambebas se reuniam em um vasto terreiro para realizar um de seus passatempos preferidos. Fincavam duas varas nas extremidades do terreno a uma certa distância uma da outra. Depois organizavam dois grupos que, aos chutes, corriam animadamente atrás de uma bola feita de borracha. A finalidade era passar a bola entre as duas varas para assim conquistar a vitória. Nota-se aí a incrível semelhança, em suas regras, com o futebol moderno.
Então, pode-se dizer que o Amazonas foi o primeiro local do Brasil, onde se praticou aquilo que seria o futebol como nós conhecemos hoje.

Fontes: Correio do Norte, O Amazonas, O Tempo, Jornal do Commercio, Diário do Amazonas, O Luzitano, Correio Sportivo, Folha do Amazonas, Jornal Sportivo, O Sport.

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Pesquisa: Prof. Gaspar Neto


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