CALAMA, O "ELDORADO" DO ESPANHOL QUE FOI O REI DA BORRACHA NO AMAZONAS
Durante o início do século XX o
seringal Calama foi considerado o local de maior produção de borracha no
Amazonas, e seu proprietário, o seringalista Carlos Miguel Asensi, foi
intitulado o rei da borracha no Amazonas e um dos maiores comerciantes da
região nesse período, que enriqueceu com a exportação do produto.
Na foto de cima se tem uma rara imagem de Carlos Miguel Asensi. Já na foto de baixo se vê o seringal Calama em 1916. |
Carlos Miguel Asensi y Jordan
nasceu em Madrid, capital da Espanha, em 5 de julho de 1867. Era de uma família
tradicional, filho de Dom Mariano Ricardo Asensi e de Carmen Jordan Asensi. Iniciou
seus estudos na Inglaterra (onde seu pai trabalhava para o governo espanhol) e
depois se separou dos pais, saindo em busca de novos horizontes e movido pelo
seu espírito aventureiro e de empreendedor. Seguiu para a Argentina, se
tornando ali um conhecido membro da colônia espanhola de Buenos Aires e onde se
casou com Isabel Corina, moça que tinha parentesco com o presidente do país.
Atraído pela grande circulação de
capital na Amazônia brasileira devido a exportação gomífera, o determinado
espanhol chegou ao Brasil no ano de
1893 onde trabalhou primeiro no rio Madeira, na localidade de Santo Antônio, quando
foi encarregado pelas autoridades para conferir os impostos criados sobre a
borracha. Depois foi gerente da casa comercial "Mercado y Ballivian"
situada no rio Abunã, no Estado de Mato Grosso. Após a falência da empresa que
trabalhava ele passou a ser um dos sócios de outra firma chamada "Ramón
Roca & Cia", se dirigindo para o interior do Amazonas e logo se
embrenhando na mata onde trabalhou no comércio extrativista de produtos.
Com seu trabalho, Carlos Asensi
acabou prosperando dando ele origem, em 1897, ao seringal Calama. O seringal do
súdito espanhol ficava localizado na margem direita do rio Madeira, bem na foz
do rio Ji-Paraná, numa área que pertencia ao município amazonense de Humaitá, próximo
ao limite do Amazonas com o Mato Grosso. Nessa época essa área ainda pertencia
ao Estado do Amazonas, mas com a criação de Rondônia, em 1943, o local foi
incorporado ao território rondoniense, sendo que a partir daí Calama passou a
fazer parte da zona rural da capital Porto Velho. Aliás hoje Calama é
considerado o segundo local mais antigo de Rondônia, inclusive é mais antigo do
quê Porto Velho.
O CRESCIMENTO DE CALAMA E DE SUA PRODUÇÃO
O nome "Calama"
escolhido por Carlos Asensi para seu seringal veio de um importante fato da
história espanhola. Aos poucos a produção em Calama aumentou e o local virou um
importante e grande centro produtor de borracha do Amazonas e do Brasil. Centenas
de trabalhadores chegavam ao lugar para trabalhar no seringal e em outros da
empresa, a maioria vindos do Nordeste. Além de Calama, no rio Madeira, Carlos
Asensi tinha outros seringais espalhados pelas imediações, no rio Machado (também
chamado de Ji-Paraná), onde ali deixava no comando pessoas de sua confiança, contratados
por sua firma.
Aliás, já estabilizado na sua
principal propriedade, a firma de Asensi agora chamava-se "Corbacho, Asensi
& Cia", que foi dissolvida em 1905 quando Carlos Asensi se retirou da
sociedade. Depois sua nova firma passou a se chamar "Asensi &
Siqueira" e, finalmente, "Asensi & Cia"
No entorno do seringal se formou
um lugarejo contendo as casas dos trabalhadores e dos administradores, além de
contar com estaleiros para construção de barcos para o transporte de
mercadorias e borracha. Havia também grandes construções de madeira, como o
barracão central que era a sede da firma "Asensi & Cia", uma
escola, a farmácia e um hospital com enfermeiros e médicos para socorrer os
trabalhadores doentes, com tudo sendo mantido pelo próprio Carlos Asensi.
O movimento no porto do seringal
era grande com navios a vapor, vindos de Manaus e Belém, embarcando muitas
pélas de borracha para o porto de Manaus e de lá para os portos dos Estados
Unidos e Europa.
CIENTISTAS E AVENTUREIROS VISITAM
CALAMA
Calama também atraiu cientistas
do Brasil e do mundo pois representava um ponto avançado do progresso naquele (considerado
na época) distante rincão do Amazonas
Um naturalista alemão, enviado do
Museu Setting, ali apareceu e se hospedou por 5 anos, em busca de encontrar um
raro pássaro cujo único exemplar havia sido encontrado entre os rios Aripuanã e
Ji-Paraná. Porém, apesar dos esforços, não conseguiu encontrar a ave.
Depois apareceu em Calama uma
taxidermista estadunidense chamada Harriet Bell, do Museu comercial da
Filadélfia. Ela ali passou 3 anos, colecionando tudo que encontrava na selva
que ela, depois de voltar a seu país, exibiu em uma exposição na Filadélfia, que
também foram expostas num museu de Nova York.
Carlos Asensi também prestou
auxílio ao marechal Cândido Rondon durante as instalações da linha telegráfica
naquela região e auxiliou a expedição científica, em 1914, de Rondon com o
ex-presidente estadunidense Theodoro Roosevelt, acompanhando naturalistas
brasileiros e estadunidenses.
Asensi concorreu para a primeira
exposição de borracha na capital do país, o Rio de Janeiro, sendo ele premiado
com uma medalha de ouro mesmo sem estar presente ao evento. O seringalista
espanhol dizia que nunca a tal medalha que ganhou chegou às suas mãos.
Mas o seringalista também
destinou várias quantias de sua fortuna para ajudar instituições de caridade, se
tornando ele um conhecido filantropo.
ASENSI PRODUZ UM DOS PRIMEIROS FILMES
REALIZADOS NA AMAZÔNIA
Em 1919 Asensi e sua firma organizaram
a produção de um filme que foi intitulado de "Ouro Branco". O filme
mostrava paisagens de seus seringais, o processo de fabricação da borracha e a
colheita da castanha, além de mostrar os costumes da população local. O filme
foi exibido pela primeira vez em Manaus, no dia 5 de agosto de 1919 no Cine
Polytheama, com a presença de autoridades e sociedade em geral.
Porém nem tudo eram mil
maravilhas pois Calama sofreu vários ataques dos índios Parintintins e vieram à
tona algumas denúncias contra os administradores dos seringais de Asensi.
OS PARINTINTINS, INDÍGENAS
GUERREIROS, TENTAM VÁRIAS VEZES INVADIR CALAMA, QUE RESISTE
Os Parintintins, habitantes da
região do rio Madeira e seus afluentes, travavam contra os seringueiros e seus
patrões uma implacável guerra desde o século XIX, quando os primeiros
seringalistas desbravadores ali chegaram. E Calama, como maior e principal
seringal daquela zona habitada pelos indígenas, era o alvo preferido dos
Parintintins que por diversas vezes tentaram destruir o seringal. Vejamos quais
foram algumas dessas tentativas:
Em 14 de maio de 1909 os
Parintintins atacaram a barraca São Pedro, localizada no fundo do seringal
Calama. Mas os indígenas não encontraram os trabalhadores pois eles tinham ido
ao barracão central. Os indígenas, então, incendiaram a barraca e levaram os
utensílios dos seringueiros. Os Parintintins seguiram então para os seringais
do rio Maicí e, ao tomar conhecimento do fato, Carlos Asensi mandou aviso por
carta aos administradores dos seringais dali, alertando do perigo que os
trabalhadores poderiam sofrer a qualquer momento.
Já em março de 1911, os
Parintintins cercam Calama e atacam de surpresa com flechadas, mas os
trabalhadores locais repelem o ataque com tiros de espingarda, fazendo os
índios desistirem da invasão e debandarem mata adentro. Não houve mortes entre
os seringueiros defensores do lugar.
No dia 23 de agosto de 1918, quando
o navio a vapor "Madeira-Mamoré" se encontrava atracado no porto de
Calama, saiu da mata um grupo de 15 índios Parintintins. A população de Calama,
que almoçava, se assustou com a inesperada visita e logo se armou de
espingardas. Mas, minutos depois, os índios percorreram por Calama e lançaram
flechas ao ar, dando gritos. Depois desapareceram sem molestar ninguém, entrando
na selva.
Em 23 de outubro de 1919
novamente os Parintintins fazem uma investida contra Calama, flechando eles o
barracão central, porém os trabalhadores mais uma vez fizeram forte resistência
atirando neles e os colocando em fuga. Não houve vítimas entre os seringueiros
e não se sabe se houve entre os atacantes.
GERENTE DE SERINGAL DE ASENSI
ANIQUILA UMA MALOCA
O seringal Riachuelo, no rio
Machado, era de propriedade de Carlos Asensi. Ali trabalhavam alguns índios de
uma aldeia próxima. Mas um certo dia o seringueiro João, com outros dois
colegas, localizaram um índio na mata com sua esposa. Dispostos a sequestrar a
indígena tentaram tomá-la à força, mas o seu marido reagiu e matou um dos
seringueiros.
Ao tomar conhecimento do fato o
gerente do seringal, Belarmino Bello, armou um grupo de seringueiros e como
vingança invadiram a maloca dos índios, em 30 de agosto de 1917, tocando fogo
no local onde dois índios morreram queimados.
Ao saber do ocorrido, a firma Asensi & Cia. demitiu o gerente que foi denunciado às autoridades.
TRABALHADORES DENUNCIAM
ADMINISTRADORES DOS SERINGAIS DA FIRMA DE ASENSI
Em 1913 o seringueiro piauiense
José Moraes trabalhava no seringal São Gonçalo, no rio Machado, de propriedade
da firma Asensi & Cia. Ali um certo dia o seringueiro teve uma discussão
com o gerente do seringal.
Porém ao chegar em sua barraca, o
trabalhador foi surpreendido pelo gerente com 25 homens armados, atirando nele
e o ferindo, mas que teve tempo de fugir pela mata. Os homens armados
depredaram por completo a casa de José, dispensando somente a mulher dele e
mais três filhos menores que ali estavam.
Quanto à José Moraes, ferido, foi
para a casa de um outro seringueiro que o socorreu. Depois os dois homens
seguiram rumo à Calama para denunciar tudo ao seu patrão Carlos Asensi (que
nada sabia do que ali acontecia).
Porém no caminho os dois foram
pegos quando passavam pelo seringal Santo Antônio e amarrados. Foram então
mandados para outro seringal, onde aguardavam a chegada de um dos sócios da
firma, o Sr. Antônio Reis Cavalcante.
Mas o sócio não apareceu e, num
momento de descuido de seus captores, José conseguiu se soltar das algemas e
fugir, embarcando num navio e chegando à Manaus onde denunciou o ocorrido à
imprensa.
Em 1916 Pedro Gouveia denunciou
violência, exploração e ameaças contra sua pessoa por empregados da firma
Asensi, quando trabalhava num seringal no rio Machado. Devido a isso foi ao
seringal Tabajara e à Calama onde disse
ter sofrido também ameaças. Ele embarcou para Manaus onde afirmou ter recebido
metade de seu saldo, que foi cortado pela firma. Já o gerente do seringal
alegava que ele estava com dívidas pendentes, daí o motivo do não pagamento.
FALÊNCIA E VINDA PARA MANAUS
Embora tenha sido o fundador e
sendo de sua posse desde o final do século XIX, Carlos Asensi só teve o título
definitivo de Calama em 1917.
Mas, devido à crise da queda do
preço da borracha que se abateu sobre o Amazonas a partir de 1913, Calama
começou a sentir os efeitos da crise. Mas mesmo assim a localidade continuou
produzindo muito, a ponto de em 1919 alcançar uma cifra fabulosa de produção de
borracha. Todavia, em 1920 os negócios do lugar davam seus primeiros sinais de
dificuldades. Neste instante o escritório da firma "Asensi & Cia"
ficava em Manaus na Rua Guilherme Moreira, n⁰15.
Enfim, a firma de Carlos Miguel
Asensi não consegue superar os problemas e acaba falindo em 1922. Nesse ano a
firma era formada pelos sócios Carlos Asensi e Antônio dos Reis Cavalcante
(residente no povoado Tabajara).
Quanto ao seringal Calama foi
posto à venda sendo comprado pela firma "M. Corbacho & Cia", que
pertencia a um outro espanhol residente em Manaus. Foram também vendidos os
outros seringais de Asensi no rio Machado. Chegava ao fim o império do famoso e
conceituado seringalista espanhol.
Forçado a deixar para sempre o
lugar onde ganhou tanto dinheiro, Carlos Miguel Asensi se estabelece definitivamente
em Manaus onde, em 1922, se torna vice-cônsul da Espanha no Estado do Amazonas,
sendo ele um dos mais conhecidos membros da colônia espanhola do Amazonas.
Disposto a se dedicar agora a
outro tipo de ocupação, Asensi abriu em Manaus uma casa comercial para a venda
de material musical. Mas em 1925 a casa mudou de ramo e virou uma livraria
chamada "Livraria Manaus Musical", que ficava na Avenida 7 de
Setembro. Poliglota que era, pois dominava os idiomas francês, inglês, italiano
e alemão, além do português (como era de se esperar) e o tupi-guarani dos
indígenas, o idoso espanhol indicava a todos seus fregueses as melhores
leituras a autores da atualidade.
ASENSI É REDESCOBERTO PELA
IMPRENSA AMAZONENSE
Em uma tarde do ano de 1947 dois
jornalistas, do Jornal do Commercio, resolvem visitar o estabelecimento de
venda de livros para entrevistar aquele agora quase anônimo personagem que, no
passado, tinha sido o magnata da borracha e maior seringalista que houve no
Amazonas.
Já com seus 80 anos o "velho
Asensi" (como ficou conhecido) durante a entrevista recordava
profundamente daquele período de sua vida mostrando fotos antigas e com os
olhos vidrados no espaço, num misto de saudosismo, orgulho e tristeza, na época
em que ele e seu seringal imperavam no Norte do Brasil.
Nos áureos tempos da borracha
Asensi e Calama muito contribuíram para a economia do Brasil e do Amazonas, como
ele mesmo disse:
"-Calama foi meu seringal, onde empreguei todo o meu esforço, toda
minha possível capacidade de organização e trabalho, a fim de produzir, como
produzi, a maior soma de elementos econômicos para o Amazonas".
Mas, com muito saudosismo, ele
completava: "-Hoje nada existe
daquilo tudo. Tenho bastante saudade do passado, de Calama, no seu
esplendor".
Carlos Miguel Asensi faleceu em
Manaus, aos 81 anos, em 17 de junho de 1949.Já era viúvo e pai de cinco filhos,
sendo enterrado no cemitério de São João Batista.
CONCLUSÃO
E assim se sabe um pouco da
trajetória de um dos personagens famosos deste período da história do Amazonas
e de Rondônia. Quanto à Calama, hoje o local pertence ao Estado de Rondônia
sendo uma vila e Distrito do município de Porto Velho, no limite de Rondônia
com o Amazonas, possuindo uma população de 3 mil habitantes.
Fontes: Jornal do Commercio (AM), Alto Madeira (RO).
Meu nome é José Maria Leite Botelho, professor aposentado. Estou tentando escrever uma história para Calama - RO, ex-Humaítá. No seu Blog encontrei duas dos matérias que relatam conflitos ou tentativas de ataques do povo Parintintin ao seringal Calama.
ResponderExcluirParabéns pelas postagens que me foram muito úteis.
Obrigado pelo elogio.
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