EM 1947 JORNALISTAS DESCOBREM E ENTREVISTAM O HOMEM MAIS VELHO DE MANAUS DAQUELE ANO, E OUVEM MUITAS HISTÓRIAS DO PASSADO
Em uma determinada tarde do ano de 1947, na cidade de Manaus, dois jornalistas do conceituado Jornal do Commercio tomavam um café no bar e restaurante "Leão de Ouro" quando perceberam que na mesa ao lado, um simpático idoso conversava animadamente com seus companheiros sobre o passado do Amazonas.
Curiosos, os repórteres
resolveram se aproximar dele, sentaram na mesa onde estava o idoso que não se
fez de rogado e os atendeu com sorriso no rosto. Foi aí que os jornalistas
descobriram que o homem tinha a idade de 100 anos, descobrindo também que
naqueles anos ele era o homem mais velho de Manaus e com certeza tinha muita
história para contar.
É preciso saber que naquela
época, década de 1940, era bem mais raro no Amazonas uma pessoa chegar a
atingir a idade centenária e por isso os jornalistas não podiam perder a
oportunidade de ter um testemunho vivo do passado.
O seu nome era José Pires da
Fonseca e ele nasceu em 30 de agosto de 1846, na cidade de Olinda, em
Pernambuco, no bairro de Santo Antônio, à rua São Francisco. Foi batizado na
igreja de Nossa Senhora da Penha. Era
filho do Dr. João Pires da Fonseca, português naturalizado brasileiro que era
formado pela Universidade de Coimbra. O seu pai foi professor em São Luís do
Maranhão, onde conheceu e casou, em 1846, com Maria Rosa da Conceição Pires, sendo
José o primeiro filho do casal.
Em Pernambuco José Pires aprendeu
o ofício de alfaiate, trabalhando ele na cidade de Goiana como auxiliar na
alfaiataria do sr. Francisco Pedro de Araújo, avô do desembargador André Araújo
(professor e político do Amazonas nascido em Goiana).
O senhor José Pires, quando era entrevistado no restaurante Leão de Ouro.
A VINDA PARA A PROVÍNCIA DO
AMAZONAS
José Pires chegou à Manaus ainda
jovem, com 17 anos, em 1863.Fazia pouco mais de 15 anos que a capital da então
província do Amazonas tinha sido elevada à categoria de cidade.
Ele lembrava com lucidez das
primeiras formas da capital amazonense, que naquela época era uma cidade
pequena e pacata. Dizia que as águas do rio Negro subiam até ao terreno onde
fica hoje a Rua Saldanha Marinho. No lugar onde se encontrava o Cine Odeon, na
avenida Eduardo Ribeiro, ali havia um igarapé onde atracavam e se amarravam
canoas cheias de peixes e frutas.
As águas do rio Negro represavam,
desde o local onde se tinha o Cine Polytheama, na avenida 7 de Setembro, até o
Alto de Nazaré, na região conhecida antigamente como Mocó. E da Avenida Treze
de Maio (hoje Av. Getúlio Vargas), iam as águas do rio também até o Mocó. Do
igarapé de São Vicente, atravessava-se de canoa para a Rua Itamaracá.
José Pires conheceu os primeiros
médicos que vieram para Manaus, e que foram os doutores Carneiro e Figueiredo, além
do médico do Batalhão Militar, de nome Mozart Canavarro, que era primo do
imperador Dom Pedro II.
Lembrava-se do terrível surto de
Bixiga que dizimou muita gente em Manaus.
O idoso também afirmava que tinha
muita saudade daquela época e completava para o repórter:
"- Ah moço! era um tempo
bom, tudo era barato. Um tambaqui, grande e gordo, custava apenas 12 réis. Uma
tartaruga grande, poucas patacas. Tenho muita saudade do meu passado".
José Pires, de terno preto, na companhia de um repórter na frente de sua casa no bairro dos Tocos (Aparecida).
VOLUNTÁRIO NA GUERRA DO PARAGUAI
Com 22 anos, em 1868, José Pires
tomou parte na sangrenta Guerra do Paraguai, como voluntário da pátria, embarcando
em Manaus num navio a vapor rumo ao cenário do conflito em território
paraguaio. Chegou ao posto de cabo e afirmou o seguinte ao repórter:
"- Uma coisa quero informar ao senhor, foi o major Barbosa, de quem
eu era ordenança, quem tomou a bandeira brasileira de um batalhão paraguaio, numa
grande batalha. Ele era pai de dona Barbosinha, mãe do Dr. Menandro Tapajós, e
que foi diretora do colégio São Francisco de Assis, localizado na Avenida 7 de
Setembro ".
Terminada a guerra, em que o
Brasil saiu vitorioso, ele regressa para Manaus no dia 28 de outubro de 1871.Em
1⁰ de fevereiro de 1884 recebeu baixa do exército. Porém lamentava que, apesar
de haver tomado parte por dois anos na Guerra do Paraguai, não teve a justa
recompensa que devia merecer.
INGRESSANDO NA VIDA MARÍTIMA
Após sair do exército, José Pires
ingressou na vida fluvial, sendo prático de embarcações que navegavam pelo rio
Solimões e seus afluentes. Passou a ser um dos maiores conhecedores dos rios do
Amazonas e ganhava, nesta profissão, pouco mais de 800 mil réis.
José casou-se duas vezes no
Amazonas. A primeira mulher chamava-se Joana Garcia da Fonseca e a segunda era
Francelina Pires de Menezes. Do casamento com Joana teve 25 filhos e com
Francelina apenas dois. Teve ainda 56 netos,39 bisnetos e 2 tetranetos.
José Pires residia em uma casa
simples, localizada no bairro dos Tocos (atual bairro de Aparecida).E contou
aos jornalistas muitas outras histórias
da Manaus antiga. Já aposentado da
profissão de prático, ele revelava profunda amargura quando se referia ao pouco
dinheiro que recebia, dizendo que lhe fizeram, naquele tempo de árduo trabalho,
uma grande injustiça.
Porém o centenário idoso ainda tinha o desejo de um dia visitar sua terra natal, Pernambuco, se conseguisse juntar dinheiro suficiente para isto.
Fonte: Jornal do Commercio.
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