MASSACRE EM RONDÔNIA: EM 1945 EXPEDIÇÃO PUNITIVA DE SERINGALISTA EXTERMINA GRANDE NÚMERO DE INDÍGENAS
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Na imagem se tem uma representação de
João Chaves no momento em que seu rifle travou e logo sendo atacado pelo
tuxaua. |
Durante o período de 1943 a 1945
a Amazônia Brasileira passou por aquilo que ficou conhecido como o segundo
ciclo da borracha. Devido ao sudeste da Ásia(que era a região de maior produção
de borracha do mundo)estar nas mãos dos japoneses durante a guerra, os olhos de
todos se voltaram novamente para o Norte do Brasil onde a borracha extraída dos
seringais da Amazônia eram essenciais para o esforço de guerra dos países
aliados contra a Alemanha. Dessa maneira, assim como aconteceu no primeiro
ciclo da borracha na região(1890-1912),novamente milhares de nordestinos se
dirigiram para a Amazônia para trabalharem na extração do látex, ficando esses
seringueiros conhecidos como "soldados da borracha".
Aliás desde o primeiro ciclo da
borracha que a região compreendida entre o rio Madeira e seus afluentes, nos
Estados do Amazonas e Rondônia, se transformou numa zona de guerra entre as
diversas etnias indígenas que viviam ali contra os seringalistas e seus
trabalhadores que desbravavam aquela área. E foi esta mesma região que foi
palco de um sangrento conflito, já na segunda fase da exportação gomífera,
cujos detalhes serão agora conhecidos.
Nesse período, década de
1940,existia no recém-criado Território do Guaporé (hoje Estado de Rondônia)um
conhecido seringalista chamado João Chaves de Melo, que há anos tinha se
estabelecido na região entre os rios Ji-Paraná e Preto e era proprietário de
dois seringais chamados São Sebastião e Santo Antônio. Ali João Chaves
empregava muitos trabalhadores nordestinos e ele vivia constantemente entre
suas duas propriedades, organizando o trabalho e embarcando a produção de
borracha.
Próximo ao seringais de João
Chaves havia as malocas dos índios "boca negra”, como eram conhecidos os
"uru-eu-Wau-wau”. Os indígenas ficaram conhecidos por este nome devido o
hábito deles pintarem de preto ao redor de sua boca e partes do corpo. Eles
habitavam uma área de Rondônia que ia do vale do rio Madeira (ao norte),rio
Ji-Paraná (a leste),rio Guaporé (ao sul) e que avançava até o rio Mamoré (a
oeste).
Quando chegou naquela região,
desbravando décadas atrás, João Chaves se tornou o primeiro homem branco a ter
contato com os "boca negra".
A ORIGEM DE JOÃO CHAVES
João Chaves nasceu no Ceará e
desde muito cedo, aos 11 anos, emancipou-se de seus pais. Ainda no Ceará ele
trabalhou de fotógrafo e motorista, além de outras ocupações. Atraído pela
oportunidade de ganhar dinheiro, ele veio para a Amazônia onde se estabeleceu
em Manaus vivendo na cidade por um tempo. Mas na capital amazonense acabou se
envolvendo num caso grave quando ele, junto com um amigo, foram para uma festa.
Estando eles na mencionada festa o amigo de João Chaves se meteu numa briga com
um cabo da polícia militar, Chaves foi então intervir a favor de seu amigo e,
na confusão, acabou matando o militar. Ele respondeu a um inquérito e
possivelmente tenha sido preso.
Depois desse episódio João Chaves
resolveu se dirigir para o sul do Amazonas, em terras que hoje fazem parte de Rondônia,
onde trabalhou e prosperou, desbravando aquela região e se tornando um abastado
proprietário.
Em 1945,ano do sangrento ocorrido
envolvendo seu nome, João Chaves tinha a idade de 40 e poucos anos, era de
estatura mediana, magro, de cabelos e olhos castanhos e com pouca barba. Sua
esposa se chamava Raimunda, também natural do Ceará, tendo eles uma filha menor
chamada de “mundinha".
Os índios "boca negra"
eram arredios à presença do homem branco em sua área e já haviam tido conflito
com os trabalhadores de João Chaves, que por sua vez não hesitavam em matar a
tiros os indígenas que lhes aparecessem à frente.
O próprio João Chaves costumava
dizer que até gostava dos "boca negra”, mas alertava para que os nativos
não o perturbasse, pois se eles andassem direitinho com o seringalista só
teriam paz e amizade, mas caso contrário, as coisas tomariam outro rumo.
Num determinado dia e mês do ano
de 1945,João Chaves se encontrava em seu seringal São Sebastião, quando soube
que os "boca negra" estavam nos arredores de seu outro seringal, o
Santo Antônio, fazendo eles incursões ao local e ameaçando invadir, expulsar ou
matar os trabalhadores que ali estavam, inclusive ele soube que alguns de seus
empregados já tinham perdido a vida vitimadas pelas flechas dos indígenas.
Ao saber dessa notícia o
seringalista cearense ficou furioso e, no dia seguinte, já estava em Santo Antônio,
preparado para dar uma lição nos boca negra e afastar a ameaça de ter sua
propriedade destruída.
Logo que chegou em Santo Antônio,
localizado na margem do rio Preto(um afluente do rio Ji-Paraná),João Chaves
soube que os indígenas estavam ocultos na floresta na outra margem do rio,
defronte ao seringal, prontos para novos ataques.
Um dos empregados de João,
chamado Raimundo, disparou de um rifle rumo à mata. Mesmo o homem não sabendo
atirar bem, logo se ouviu, do outro lado do rio, o barulho dos índios imitando
o estampido da bala e dando gargalhadas. E como já desconfiavam, o seringalista
e seus trabalhadores tinham agora certeza absoluta que a propriedade estava
cercada por muitos indígenas, alojados na dita beirada do rio, e que eles
podiam atacar a qualquer momento. Então os seringueiros se preparar aram para o
ataque, abastecendo suas espingardas e afiando seus terçados.
OS BOCA NEGRA ATACAM O
SERINGAL SANTO ANTÔNIO - JOÃO CHAVES E SEUS HOMENS SAEM EM PERSEGUIÇÃO AOS
INDÍGENAS
No dia seguinte, em cedo, começou
o ataque dos boca negra a Santo Antônio. Em camuflados na mata, eles disparavam
sem parar suas flechas contra as casas dos trabalhadores.
João Chaves, em rápido apanhou
seu rifle com muita munição e saiu para enfrentá-los. Porém não conseguia
vê-los pois os índios estavam bem escondidos entre as folhagens. Movido pela fúria,
João Chaves atravessou as águas do rio Preto e, chegando na outra margem de
onde vinha o ataque, entrou ele na mata a fim de localizar os índios e dar um
fim neles. Ele estava completamente cego de ódio e mataria quantos deles
encontrasse pelo caminho, mesmo que lhe custasse a vida. Mas os boca negra,
após a investida, acabaram internando-se na floresta e sumiram.
Contudo João Chaves organizou uma
expedição e foi com seus empregados no encalço dos índios, decidido a acabar de
uma vez com seus inimigos e afastá-los de sua zona de trabalho. Caminharam pelo
dia todo guiados por mateiros, cada vez se embrenhando mais pela mata,
continuando eles empenhados em dar cabo em todos eles assim que os
localizassem.
Enfim os seringueiros conseguiram,
ela madrugada, localizar os boca Negra. Os índios estavam acampados e deitados
em suas redes num determinado ponto da mata bruta, dormindo tranquilamente.
Perceberam que os índios que participaram do ataque estavam pintados de preto e
que eles preservavam e cuidavam bem de seus armamentos. E também viram que eles
conduziam grande quantidade de farinha, macaxeira e milho, que serviam para
garantir a alimentação dos guerreiros durante os vários dias que estivessem em
campanha bélica contra o homem branco.
O seringalista e seus homens,
fortemente armados, começaram a cercar o local sem fazer barulho, para assim
surpreender os índios num ataque surpresa, inclusive João Chaves ficou
acompanhado de um de seus homens de confiança, ficando os dois entrincheirados
atrás de troncos de árvore cada um, posicionados estrategicamente.
SERINGUEIROS CERCAM INDÍGENAS
E ATACAM DE SURPRESA - LUTA FEROZ E MATANÇA DOS BOCA NEGRA
Já estando o lugar sitiado e
todos em posição de ataque, João Chaves deu a ordem e o tiroteio começou.
Atacados de surpresa, os índios acordavam e gritavam desesperados e, passados
os primeiros momentos de pânico, eles pegaram seus arco e flechas e deram
início à reação. Os boca negra estavam em número de 200 aproximadamente e,
procurando evitar as balas, os índios desferiam cada vez mais suas flechas que
passavam zunindo nos ouvidos de João Chaves, aliás o próprio João atirava sem
parar e cada tiro que ele dava era certeiro, matando ele vários índios no cano
de seu rifle.
Muitas flechadas cravaram-se na
árvore onde estava o seringalista, e eram tantas que o tronco ficou parecendo
um ouriço. A gritaria dos boca negra era grande, pois os índios procuravam com
seus gritos de guerra aterrorizar os seringueiros, sendo que os gritos mais
altos eram dados pelo tuxaua, que assim incentivava e animava seus guerreiros.
O chão já estava cheio de corpos de índios mortos, e outros iam se juntando a
eles.
João Chaves, atirando por detrás
do tronco, temia ser cercado e morto a qualquer momento, o que o reanimava
ainda mais, continuando a atirar por um bom tempo e afastando uma possível
aproximação e cerco dos nativos.
O seringalista esperava uma
retirada dos índios a qualquer instante em virtude das grandes baixas que eles
estavam tendo, entretanto os boca negra não recuavam e continuavam atacando sem
parar e com uma ferocidade cada vez mais crescente.
Em dada ocasião, no calor do combate,
o rifle de João Chaves enguiçou e travou, mas o seu empregado que o acompanhava
continuou atirando, estando ele a regular distância de seu patrão.
O tuxaua dos boca negra percebeu
que a arma do seringalista estava com problemas e que ele não podia mais fazer
uso dela. Ciente da impotência do líder da expedição dos seringueiros, o tuxaua
largou seu arco e flechas para um lado e veio com todo ódio pra cima de João
Chaves que também largou o rifle e puxou uma faca que trazia. Os dois então se
atracaram numa luta corpo a corpo, a luta foi feroz e titânica, o tuxaua
empregava todos os esforços para capturar o seringalista vivo, pois logo João
Chaves lembrou que se dizia que os boca negra costumavam levar seus inimigos
vivos para a aldeia como troféu e ali eram executados em meio a festanças, e
também sabia que era costume dos boca negra levar cordas em suas expedições
guerreiras para amarrar os inimigos prisioneiros e os levarem assim às suas
malocas.
A luta entre João Chaves e o
chefe indígena seguia sem vantagem de um para o outro, mas em dado momento o
seringalista teve seu braço direito livre e foi a ocasião em que ele aproveitou
e enfiou sua faca no tuxaua que caiu para trás, dando um grito que ecoou na
mata e tombando sem vida. Os demais índios guerreiros, ao notarem que seu chefe
havia morrido, aos gritos penetraram em grande debandada pela floresta,
desaparecendo.
RESULTADO FINAL DO COMBATE:
GRANDE NÚMERO DE BOCA NEGRA MORTOS E SERINGALISTA É PROCESSADO POR ÓRGÃO DE
PROTEÇÃO AOS INDÍGENAS
Terminado o feroz combate, os
seringueiros apanharam numerosa quantidade de farinha, centenas de flechas e
muitos quilos de cordas. Feito isso, os homens passaram a contar o número de
indígenas mortos, chegando ao resultado de 117 boca negra estendidos sem vida,
e mais adiante na trilha, pouco depois encontraram mais um corpo, totalizando
um número final de 118 indígenas mortos, calculando eles que vários outros
teriam ficado feridos quando sumiram pela mata.
Já do lado dos seringueiros não
se sabe o número exato de vítimas fatais, mas calcula-se que foram poucos
devido estarem com melhor aparato bélico e bem posicionados no ataque.
A notícia do massacre feito por
João Chaves e seus empregados se espalhou por todo o Território do Guaporé,
chegando a notícia na capital Porto Velho.
João Chaves foi intimado pelo
S.P.I.(serviço de proteção ao índio)e respondeu processo instituído pelo mesmo
órgão federal sobre as acusações da matança que ele e seus trabalhadores
fizeram aos boca negra, sendo ele visto pelos agentes do S.P.I. como um
assassino covarde.
CONCLUSÃO
Essa foi a terceira maior chacina
de indígenas que aconteceu na Amazônia Brasileira no século XX, a primeira
ocorreu em 1963 quando donos de uma empresa extrativista e pistoleiros
contratados por eles exterminaram cerca de 3.500 indígenas da etnia Cinta-Larga
no norte de Mato Grosso. E a segunda aconteceu em 1905 quando 283 indígenas
Jauaperi foram mortos, no Amazonas, por uma força militar a mando do governador
do estado.
Quanto ao episódio dos boca negra,
não se sabe se o seringalista foi condenado pela justiça devido o massacre que cometeu,
o que se sabe é que três anos depois, em 1948,ele liderou uma expedição
organizada pelas autoridades para localizar e resgatar o oficial do exército
Fernando Gomes de Oliveira, um paranaense que desapareceu misteriosamente nas
matas do Guaporé e se dizia que ele estava vivendo entre os boca negra ou era
prisioneiro deles.
FONTE: jornal "Diário da
Tarde"(AM),edição de 4 de outubro de 1948.
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