"BARAROÁ", O MAIOR REPRESSOR DOS CABANOS NO AMAZONAS
Uma rara ilustração do Capitão Ambrósio Aires, vulgo "Bararoá". |
A Cabanagem é considerada a maior
revolução popular da história da Amazônia e do Brasil.A rebelião contra as
autoridades constituídas do Grão-Pará estourou em 1835,quando os cabanos
(formados por índios, tapuias, caboclos,negros e brancos pobres),revoltados com
sua situação de extrema miséria, invadiram a capital da província,
Belém.Comandados por Antônio Vinagre, os cabanos assassinaram o governador e
tomaram o poder,passando a ser os novos governantes do Grão-Pará.
A revolução durou exatos 5
anos(terminando em 1840),e durante esse tempo os cabanos dominaram várias
outras cidades e vilas da província o que resultou em enfrentamentos sangrentos
com as tropas do Império Brasileiro,culminando em um verdadeiro banho de sangue
que se espalhou por toda a Amazônia.
No final, o movimento
revolucionário foi sufocado e os cabanos derrotados.
A CABANAGEM CHEGA AO ALTO
AMAZONAS
Quando a rebelião começou a
província do Grão-Pará,com sua capital em Belém,era governada por Bernardo Lobo
de Sousa e possuía outras duas comarcas chamadas de Baixo Amazonas e Alto
Amazonas.
A população estimada na
província,em 1835, era de cerca de 120 mil habitantes.
A antiga comarca do Alto Amazonas
corresponde ao atual Estado do Amazonas e era constituída na época por 4
vilas(Manaus,Mariuá,Tefé e Luséa),além de povoados e freguesias.A maioria da
população era constituída de caboclos,índios e tapuias, seguida de brancos e
negros,e a base econômica da comarca era o extrativismo,assim como em toda a
província.
Mas é somente um ano depois do
início da rebelião que bandos organizados e armados de cabanos chegam à comarca
e conquistam as primeiras vilas e freguesias.
SURGE AMBRÓSIO AIRES
Vivia nesse período,no Alto
Amazonas,um indivíduo que seria um dos principais personagens da história da
Cabanagem na comarca: seu nome era Ambrósio Pedro Aires,mas era conhecido entre todos,de
legalistas a cabanos,pelo apelido de "Bararoá".Ele passou a ser
conhecido assim devido ao nome do lugar onde ele residia,a antiga Vila de Tomar
que agora era chamada de Bararoá e localizava-se na margem do rio Negro.
Se sabe pouca coisa sobre sua
origem.Alguns afirmavam que ele era estrangeiro,ou seja,alemão,peruano ou
português.Já outros diziam que ele era brasileiro oriundo do Sul do país.Ele
era branco,de cabelos loiros,olhos castanhos,de baixa estatura e físico atlético.
Possuía espírito de liderança e tinha o dom da oratória, conquistando os
ouvintes com sua fala carregada de ardor e eloquência.
Fontes dizem que Ambrósio Aires
teria participado da Revolta Pernambucana em 1824,conhecida como Confederação
do Equador,defendendo os ideais republicanos.Após o fim da revolução Ambrósio
fora preso e,como castigo(no entender das autoridades do período),foi deportado
para um lugar bem longe de
Pernambuco,prática que era comum na época.
Foi assim que ele chegou ao Alto
Amazonas, como um degredado e exilado político,se instalando na Vila de Tomar.
Com o tempo,Ambrósio ali se casou
e se tornou uma pessoa abastada,pois era fazendeiro,e passou a ser muito
conhecido por todos daquela região.Segundo se diz,desde o tempo em que teria
participado da Revolução Pernambucana já tinha a fama de violento,o que viria a
se confirmar durante a Cabanagem, passando a ser temido por seus inimigos.
COMEÇA A REVOLUÇÃO CABANA
Em janeiro de 1835 começava
oficialmente a Cabanagem, com a invasão de Belém e a tomada de poder da
província pelos rebeldes.
Ataques e combates se
intensificaram em outros locais próximo à Belém.Porém logo depois os cabanos
foram penetrando cada vez mais pelo interior da província,levando seus ideais e
conquistando vilas,povoados e cidades.
Na comarca do Baixo Amazonas,
próximo à Vila de Santarém,os cabanos instalaram uma fortificação chamada
Icuipiranga,que ficava num ponto estratégico,um pouco acima da foz do rio
Tapajós e na margem direita do rio Amazonas.
Já no Alto Amazonas,em 13 de
abril de 1835,a câmara municipal da Vila de Manaus oficiava à câmara de Mariuá
comunicando sobre as ocorrências sangrentas da Cabanagem em Belém e no Baixo
Amazonas,com certeza já prevendo a chegada dos cabanos na comarca.
Logo que chegou a notícia do
início da rebelião na província,Ambrósio Aires,ou melhor,
"Bararoá",assumiu seu compromisso a favor da legalidade contra os
cabanos.
Muito prestigiado na
região,Bararoá largou seus afazeres pessoais e reuniu um grupo de amigos e
voluntários,passando a liderá-los.Eles então saíram de seu povoado e seguiram
rumo à Vila de Mariuá(hoje cidade de Barcelos).Ali chegando Bararoá se
apresentou às autoridades com 77 homens prontos para o combate.Reunidos eles na
câmara da vila,Bararoá é o primeiro a discursar com a seguinte opinião:
"Os povos desse termo não amam as atrocidades dos apoucenos do Pará,nem a
governo intruso algum.O que convém é preparar todos os elementos e fazer-lhes
caça à todos custo".
A câmara de Mariuá,vendo sua
iniciativa e sua disposição em proteger a comarca dos insurgentes,elogiou
sua atitude e passou a chamar o povo
para seguir seu exemplo,ou seja,para pegar em armas contra os cabanos que estavam
cada vez mais próximos.
COMEÇA OS CONFRONTOS DOS
HABITANTES DO ALTO AMAZONAS COM OS CABANOS
Em 22 de abril de 1835,o
comandante militar da freguesia de Serpa (atual cidade de Itacoatiara),de nome
José Antônio da Fonseca, comunicava a Bararoá(já com a patente de capitão da
Guarda Nacional) que um chefe cabano chamado Ditomi Donato estava percorrendo
as imediações da freguesia, provavelmente arquitetando um ataque ao
local.Era,então, uma das primeiras informações
da já presença de cabanos na comarca.
Contudo o primeiro encontro de
Bararoá,e dos amazonenses,com os cabanos deu-se fora da comarca do Alto
Amazonas.O enfrentamento aconteceu na Vila de Santarém,na comarca do Baixo
Amazonas(atual região Oeste do Pará).
Em dezembro de 1835,no dia de
Natal,os cabanos atacaram Santarém,vindo eles da fortificação de
Icuipiranga.Mas Bararoá também estava
ali pois havia,dias antes, chegado com 2 barcos trazendo seus combatentes
voluntários do rio Negro,que eram
conhecidos como "bararuenses".Durante a luta,num conta-ataque
violento liderado por Bararoá e seus 60 homens,os cabanos acabaram
massacrados.Era o batismo triunfal do líder da resistência no Amazonas.
Antes do fim do ano Bararoá e
seus comandados voltavam à sua comarca e no trajeto pararam em Luséa para
recolher víveres e demoraram uns dias em Serpa,onde aproveitaram para
inspecionar a rede intricada de lagos,furos e igarapés daquela área conhecida
como "mundurucânia".Ao aportarem em Mariuá causaram ali alvoroço e surpresa quando da chegada
deles,a ponto dos céticos se arrependerem de não terem confiado na palavra de
Bararoá quando partiu,de que retornaria vitorioso.De lá seguiram para a
localidade onde seu chefe residia,o povoado de Bararoá,sendo recebidos com
triunfo pela população local.
Ambrósio Aires foi então
proclamado comandante em chefe da resistência no Alto Amazonas.
Os cabanos,enfim,navegando de
subida o rio Amazonas penetravam com
seus batalhões no Alto Amazonas,quando Luséa(hoje cidade de Maués) foi o
primeiro local da comarca a ser invadido e dominado, e na sequência Serpa teve
o mesmo destino.Já Tupinambarana(atual cidade de Parintins),Saracá e Borba
resistiram,não permitindo a entrada dos cabanos em suas localidades pois
estavam bem protegidas.
Ilustração da Vila de Serpa (atual cidade de Itacoatiara), em 1848. Alguns anos antes a Vila, que pertencia à Comarca do Alto Amazonas, tinha sido invadida e dominada pelos Cabanos. |
CABANOS TOMAM MANAUS E DOMINAM
O ALTO AMAZONAS
Em Manaus(a capital e principal
localidade do Alto Amazonas)o comandante Manoel Freire Taqueirinha recebia um
comunicado de Serpa,em 22 de fevereiro de 1836,dizendo que havia chegado
naquela freguesia o sargento Rodrigues Palmela(um dos oito militares que haviam desertado em Luséa)e que tinha sido o
único sobrevivente do ataque dos cabanos em Paraná da Eva,onde foi ferido por 4
flechadas.
Na verdade essa mensagem já
demonstrava que os revoltosos estavam bem próximos de Manaus e não iria demorar
para eles invadirem o local,o que não tardou a acontecer.
Finalmente os cabanos,liderados
pelo negro Bernardo Sena à frente de 1.200 homens, invadiam e tomavam a Vila de
Manaus em 6 de março de 1836,sem reação da população e das autoridades,além de
soldados que abandonaram seus postos e debandaram.
Já tendo a Vila em suas mãos,que
tinha uma população de 3 mil habitantes,Bernardo fez então um longo discurso
dos motivos da rebelião e pediu apoio da comarca para a causa dos cabanos. Ele
aproveitou a ocasião e fez também grandes acusações contra o juiz Henrique
Cordeiro(que fugiu)e Bararoá (com certeza devido suas ações brutais para com os cabanos).
Ainda em março chegava à Manaus o
famoso Apolinário Maparajuba,líder dos
cabanos no Baixo Amazonas e que havia tomado Santarém.Maparajuba escreveu uma
carta à câmara municipal de Santarém afirmando que Bararoá era o executor de
incêndios,saques e crueldades contra os insurgentes,sendo ele e outro legalista
(o juiz e chefe de polícia do Baixo Amazonas,Joaquim Rodrigues de Souza)"perversos e
causadores de tantos males".
Meses depois,Bararoá se
vangloriava de ter presenciado o próprio Maparajuba ser morto durante um
confronto de seu bando com as forças legais.
De Manaus os cabanos subiram os
rios Negro e Solimões(chegando até o povoado de Tabatinga na fronteira com o
Peru),invadindo e levando seus ideais às demais localidades,convocando novos
membros para suas fileiras e forçando as autoridades das freguesias e vilas a
aderirem à sua causa.
Quando chegaram ao rio
Negro,também em 1836,os cabanos ocuparam a Vila de Mariuá, que caiu em seu
domínio.Consta que Bararoá enfrentou os cabanos em Santa Izabel.Quando percebeu que a maioria de seus soldados
estavam mortos e que ele estava praticamente sozinho,Bararoá só teve uma
saída,ou seja,tratou de salvar sua vida fugindo mata adentro indo ele sair
defronte a Mariuá,onde todos achavam que ele tinha morrido na luta.
Sendo assim os cabanos,sem muito
derramamento de sangue,eram agora os senhores do Alto Amazonas,estando
naquele momento todo o Grão-Pará sob seu
poder. Agora a comarca amazonense estava também sob o governo do líder cabano
Eduardo Angelim,que governava a partir de Belém.
Durante mais de 5 meses os
cabanos dominaram e governaram a comarca com relativa paz e,nesse
período,Bernardo Sena foi assassinado em Manaus, assumindo o comando da comarca
o capitão Freire Taqueirinha(que teve de se submeter às ordens dos
revolucionários).
FORÇAS LEGALISTAS RETOMAM O
ALTO AMAZONAS DO PODER CABANO - BARAROÁ VOLTA A COMBATER NA COMARCA E SE DIRIGE
AO BAIXO AMAZONAS
Porém em agosto de 1836 estourou
a insurreição contra os cabanos no Alto Amazonas,começando pela Vila de Tefé e
depois se estendendo a Mariuá e Manaus e outros pontos nos rios Negro e
Madeira.
Em Manaus a reação legalista foi
liderada pelo juiz Gregório da Costa que ficou à frente de um grupo de
voluntários e de guardas nacionais que,em 31 de agosto de 1836,enfrentaram e expulsaram os 81 cabanos que restavam e que
guarneciam a Vila,fazendo ali cumprir suas leis.
Aproveitando a ocasião,Bararoá
reorganizou seu exército de combate aos cabanos, composto de 200 homens.Eles
então atacaram e derrotaram os revoltosos em Moura,no rio Negro e,quando menos
se esperava,Bararoá surge com seus soldados no porto de Manaus. A princípio,com
a escuridão da noite,houve pânico entre os manauaras que pensavam que fossem
novamente os cabanos sedentos por vingança devido sua expulsão da Vila.
Mas não era,pois na verdade
Bararoá se dirigia ao Baixo Amazonas
para se unir mais uma vez às tropas
daquela comarca,visando destruir vários redutos cabanos ali existentes.Ele resolve desembarcar em Manaus para pedir um
auxílio financeiro para sua expedição,com a esperança de que não lhe seja
negado pois afirmava que a vida de todos na comarca ainda corria perigo.
A câmara fica em dúvida pois
dizia que não pretendia direcionar a renda municipal para um exército de
voluntários que não possuía investidura legítima.
Ao saber disso,injuriado e vendo
que teria ele mesmo de gastar com as despesas,Bararoá escreve uma ata dizendo o
seguinte: "Quando o governo não aprova a despesa pedida,obrigo-me com meus
bens".Após essa declaração a câmara voltou atrás e liberou a quantia
pedida por ele.Antes de partir,o famigerado repressor promete no caminho acabar
com os cabanos que estavam em Serpa.
Depois,a expedição repressora
desceu pelo rio Amazonas e chegou novamente em Santarém,onde Bararoá se
encontrou com o padre Sanches de Brito,que ali liderava os legalistas contra os
cabanos.
Santarém havia aderido aos
cabanos por pressão econômica e militar(ameaçaram invadir)cuja câmara de
vereadores da Vila,em 9 de março de 1836,fez um pronunciamento a favor deles
pois se dizia que muitos santarenos eram a favor da causa cabana.Mas em 16 de
junho de 1836 os cabanos são expulsos de Santarém, porém eles retomaram a Vila
no dia seguinte,17 de junho,expulsando os soldados do governo.
Santarém foi retomada
definitivamente pelos legalistas em 4 de outubro de 1836,por uma tropa de 105
soldados vindos de Belém.
Bararoá e o padre fizeram um
pacto na Vila de Óbidos, em 19 de outubro de 1836,para unir suas forças e
acabar com os chamados "inimigos da pátria",no Baixo e Alto
Amazonas.Esse acordo entre os dois líderes da repressão veio a legitimar as
ações violentas de Bararoá contra os cabanos.Ambos atuavam como mercenários,com
seus próprios soldados e agindo de forma independente com relação às tropas do
Império (comandadas pelo general Soares de Andréia).
Tanto é que Bararoá tinha seu
próprio barco,chamado de "Bararuense",e comandava 254 homens na caça
aos cabanos.
Em algumas de suas incursões no
encalço dos revolucionários,o capitão Bararoá contou com o precioso auxílio do
conhecido Manoel Urbano,um cafuzo que foi desbravador e explorador da comarca e
que era um poliglota, ou seja,dominava vários idiomas indígenas e era o maior
conhecedor dos rios do Amazonas.
Ao mencionar sobre a restauração
da legalidade nas vilas de Tefé e Manaus,além do povoado de Olivença(atual
cidade de São Paulo de Olivença),todas em sua comarca,Bararoá escrevia que
apesar das boas intenções de seus habitantes "estes estão entregues a si
mesmos,por falta de quem os dirija com energia", sendo ele favorável para
que o padre Sanches assumisse o comando político do Alto Amazonas,como muitos
queriam,devido suas atitudes enérgicas para com os rebeldes.
CABANOS TENTAM RETOMAR MANAUS -
BARAROÁ RETORNA AO ALTO AMAZONAS
Aproveitando que Bararoá estava
ausente,os cabanos tentam retomar o controle de Manaus e invadem a Vila pela
segunda vez,em 13 de novembro de 1836.Desembarcaram no igarapé da Cachoeirinha
mas acabaram rechaçados e derrotados após intensa troca de tiros.
Bararoá,após a ofensiva na região
de Santarém,voltava à Manaus.Trazia ele consigo três ofícios para a câmara da
Vila,assinados pelo padre
Sanches,pedindo num deles a nomeação de Bararoá para o cargo de comandante militar
do Alto Amazonas sendo ele atendido pelos vereadores.Na prática ele já tinha
essa função,tamanha a influência que exercia sobre os políticos locais,a
diferença é que o cargo era agora oficializado.A câmara também empossava
Bararoá como um dos governantes,dividindo ele o poder da comarca com Freire
Taqueirinha(embora Taqueirinha fosse o governante de fato).
Pouco depois,orgulhoso de seus
triunfos frente aos inimigos,passou a se meter em várias confusões,entrando em conflito e rompendo com
os vereadores.Estes deram poderes ao presidente da câmara,padre João Antônio da
Silva,com a finalidade do religioso ir à Belém levar um ofício e fazer uma
denúncia contra Bararoá junto ao presidente da província,devido às acusações de
arbitrariedades dele contra os cidadãos comuns da comarca(onde se dizia que
agora suas vítimas não era somente os cabanos).
No ofício,assinado pelo padre
João em 4 de abril de 1837,se dizia o seguinte conforme a grafia da época:
" Protesto perante Deus e o
governo legítimo da província contra o dito commandante Ambrozio Pedro Ayres
que tem praticado desatinos com os cidadãos legaes durante suas acções de
coragem contra os rebeldes cabanos,tem maquiado toda a sorte de perseguição
contra minha pessoa.(...)"
Ao saber disso Bararoá ficou
furioso e a acusação foi considerada uma ofensa ao comando militar.O padre
tentou rebelar as tropas contra seu líder,mas não conseguiu pois ele foi preso
enquanto outros vereadores ficaram sob ameaça de ter o mesmo destino.Apesar de
tudo,Bararoá continuou na sua função de comandante militar.
Na verdade Bararoá era protegido
das autoridades da Província em Belém,inclusive do governante do
Grão-Pará(general Soares de Andréia),que não deu ouvidos às denúncias dos
vereadores de Manaus contra o caudilho repressor que,como se mencionou,foi
mantido no seu posto.
Bararoá,em ofícios,afirmava em
sua defesa que o então presidente da câmara,o já mencionado padre João,pregava
a desordem e para isso aliciava moradores e a força voluntária.
Acontece que estourou em Manaus
uma revolta popular contra Bararoá devido aos já mencionados castigos físicos
que ele passou a aplicar nos moradores locais.Com medo da fúria do povo
manauara,ele acabou fugindo para Santarém onde ficou temporariamente até a situação acalmar para seu lado.
O capitão Bararoá passou a
receber mais reforços em seu batalhão.Homens o procuravam vindos de todas as
partes da comarca amazonense com o intuito de ajudar na pacificação e expulsão
dos cabanos da região.
Já reforçado de novos
combatentes,ele então preparou a defesa e ataque contra os insurgentes,ocupando
o lugar Abacaxis (situado à margem do rio de mesmo nome) e instalou uma
guarnição bem armada na antiga Vila de Borba,no rio Madeira,confiando o comando
ao alferes Victor Coutinho e ao tenente Zacarias Peixoto que não permitiram que
o local fosse tomado pelos cabanos.
VOLTA A PAZ TEMPORARIAMENTE NA COMARCA -
CABANOS ENTRAM EM AÇÃO NOVAMENTE
Nos meses iniciais de
1837,precisamente no dia 24 de fevereiro,o próprio Bararoá e seu exército
atacava e derrotava os cabanos em Luséa(local onde era o principal reduto dos
cabanos na comarca).Logo depois,no início de março,o barco "Bararuense"
partia com 100 soldados para o rio Maués e imediações da Vila com a missão de
observar se os rebeldes tinham mesmo abandonado aquela área ou se ainda
pretendiam realizar ações ali.Também
desejavam,quem sabe,localizar cabanos desertores e recrutar eles na
força defensiva de Luséa.
Em 7 de março de 1837
Bararoá,devido a calma que agora se
encontrava sua área territorial, dirige de Manaus um ofício à câmara de
Mariuá comunicando que se achava
restaurada a legalidade na comarca do Alto Amazonas, ficando livre dos
cabanos(porém eles ainda se encontravam refugiados na comarca).
Em 9 de abril de 1837 Bararoá
ordena que fossem levados presos,da Vila de Luséa para Belém,o padre João
Antônio da Silva(seu desafeto) e Francisco Alexandre Leite.O motivo foi devido
Bararoá ter mandado castigar com chibatadas vários amigos dos dois presos,que
tinham dado ao algoz deles a alcunha de tirano.
Mas contrariando a mensagem de
Bararoá(de que a legalidade e a ordem estava restaurada na comarca)os rebelados
não estavam dispostos a dar trégua e logo entram em ação.
Em certa ocasião,no dia 31 de
julho de 1837,os cabanos assaltaram,no rio Andirá,várias canoas que
transportavam mandioca matando eles na ocasião 10 guardas policiais.
Poucos dias depois,em agosto de
1837,nova notícia das ações dos revolucionários na comarca,quando um grupo de
mais de 100 cabanos atacam e dominam Tupinambarana(que dessa vez não resistiu)e
que foi defendida valentemente por um determinado tempo por 9 soldados.Porém
após as munições dos militares acabarem eles jogaram suas armas no rio e
tentaram fugir,mas foram apanhados pelos rebeldes e trucidados.Os cabanos então
conduziram as famílias de Tupinambarana para um outro local.
ATAQUE FINAL A ICUIPIRANGA -
BARAROÁ PARTICIPA DA AÇÃO
O acampamento cabano de
Icuipiranga no Baixo Amazonas próximo à Santarém, ainda resistia e era bem
protegido,inclusive com canhões. A fortificação contava com mil combatentes,
mas habitavam ali 3 mil pessoas(contando os familiares dos cabanos).
Os legalistas se organizaram e
marcaram um ataque final a Icuipiranga,marcado para o dia 20 de junho de
1837.Estava previsto a participação de 500 soldados,sob comando de 8 oficiais e
3 mercenários.Bararoá foi chamado e chegaria ao local a bordo de seu barco,com
150 homens vindos do Alto Amazonas.
Mas o planejamento deu errado e o
ataque foi mal sucedido,não tendo os legalistas completado a ação totalmente no
assalto à fortificação.Isso se deu pela
inexperiência de vários soldados e pelo fato do padre Sanches e Bararoá não
terem chegado a tempo com seus homens, o que fez diminuir o poder de fogo e
número de soldados legalistas e mercenários. Na verdade,Bararoá só chegou no
dia 9 de julho.Porém agora reforçados,os legalistas organizaram o ataque
definitivo a Icuipiranga, que aconteceu no dia 12 de julho de 1837.
Logo que começou o combate
Bararoá e seus soldados desembarcaram de seu barco e de canoas e se lançaram à
frente da linha de defesa de Icuipiranga,tendo então considerável troca de
tiros,que resultou em vários mortos e feridos.Sem recuar,os "bararuenses"
e seu capitão conseguiram alcançar e dominar a primeira trincheira dos
cabanos,abrindo caminho para as demais tropas.
Enfim,as forças do império,junto
com mercenários,derrotaram os cabanos fazendo mais de 500 prisioneiros.Para
Bararoá,era mais uma vitória sua contra
seus principais inimigos.
EXIGÊNCIAS DE PAGAMENTO E
AMEAÇA
Na Vila de Óbidos,Bararoá
apresentou aos representantes do governo da Província a conta das despesas de
suas ações com sua milícia.Mas ele não obteve o reembolso que esperava e
retirou-se com sua tropa para Manaus,onde ali requereu da provedoria o cumprimento
da ordem do governo,exigindo da mesma que fosse pago em gados das fazendas do
rio Branco.
Pouco depois,em agosto de
1837,achando-se Bararoá de volta ao Baixo Amazonas,ele passou em Santarém em um
barco e algumas canoas carregadas de carne-seca da matança de bois que lhe
atendeu a provedoria de Manaus,que atenderam sua reclamação pois se sentiram
coagidos devido às ameaças que as autoridades amazonenses receberam de
Bararoá,caso seu pedido não fosse atendido.
Na ilustração há um grupo de Cabanos na fortificação de Icuipiranga, próximo à Santarém, no Pará. |
A VOLTA DO CAPITÃO AO ALTO
AMAZONAS - INCONFORMISMO COM O DESCASO DO GOVERNO
Após mais um triunfo seu na
região do Tapajós,o capitão Ambrósio Aires voltava à sua comarca,regressando à
Manaus após ajudar a acabar com Icuipiranga.
Mas em agosto de 1837,Bararoá
enviava,do povoado de Saracá(hoje cidade de Silves),um ofício ao seu
aliado,Sanches de Brito,que estava na Vila de Óbidos.
No documento,Bararoá se mostrava
insatisfeito com o governo legal da Província,na luta contra os
cabanos.Afirmava que o Alto Amazonas estava abandonado pelos governantes e
entregue à própria sorte.Mencionava que nem munições o governo mandava para ele
poder manter a ordem em toda a comarca frente aos cabanos.
Desejava que o governo do
Grão-Pará ficasse sabendo do esforço custoso que ele e seus combatentes do Rio
Negro faziam para pacificar todas as povoações e vilas do Alto Amazonas.
Também dizia que muitos dos
habitantes de sua comarca tinham o sangue derramado,com suas roças e casas
destruídas pelos cabanos,com ferimentos e sem um remédio para os
curativos.Lembrava que muitos de seus soldados estavam aleijados e sem ter eles
nenhum auxílio do governo que tanto defendiam,enquanto outros haviam morrido
deixando esposas viúvas e filhos órfãos.
Finalizava afirmando que havia
cumprido sua palavra de restaurar a comarca,mas que pedia sua exoneração do
comando da força legal pretendendo entregar o posto a quem se interessasse.
Essa sua decisão radical,como se
percebe,foi motivada por sua decepção devido ao abandono que declarava estar
passando.
OS CABANOS DA REGIÃO, ENFIM, EXECUTAM SEU
MAIOR INIMIGO
Nos meses iniciais de 1838 as
operações militares se intensificaram na região de Luséa,visando desalojar os
cabanos que ainda persistiam em ficar naquela zona,inclusive a barca
"Independência",estacionada em Tupinambarana,auxiliava nessas incursões
legalistas que estavam dando resultados positivos pois tinham tomado 21 canoas
dos rebeldes,além de prenderem alguns deles,assassinar outros e deixarem muitos
feridos.
Devido a repressão os cabanos
fugiram das cercanias de Luséa e se dirigiram ao rio Madeira,onde atacaram a
Vila de Borba no dia 6 de março de 1838.Nesse combate o tenente Zacarias
Peixoto foi morto,além de 2 soldados e 10 civis.No final os cabanos foram derrotados,perdendo
eles vários homens.
Quanto a Ambrósio Aires parece
que ele havia mudado de ideia em
abandonar seu cargo,pois nos meses seguintes continuou na sua função de
comandante da defesa.Em 26 de maio de 1838,alegando que a paz tinha voltado à comarca
do Alto Amazonas,Bararoá entregou o governo ao juiz de Direito João Inácio do
Carmo.O famoso caçador de cabanos resolveu seguir em seu objetivo,comandando
uma expedição com destino aos rios Urubu e Autaz, onde se sabia que havia ali
grupos de rebeldes refugiados e em ação.
Em 1⁰ de agosto de 1838 Bararoá
chegou ao lago de Autazes com 9 canoas e 130 homens.Passaram a penetrar,no
encalço aos cabanos,em igarapés,lagos e rios de difícil acesso.
Fizeram então um ataque a um
local inimigo, no lago Soares,no rio
Madeira,mas só encontraram ali mulheres e crianças que lhes disseram que os
homens tinham se dirigido para o lago
Sampaio.Ao chegarem no local indicado,se depararam com um pequeno grupo que
abriu fogo contra os soldados e logo fugiram para a mata.
Bararoá foi com um grupo de 12
homens vasculhar os lagos próximos,mas nada encontrou.Acabou varando no rio
Madeira e no dia 6 de agosto resolveu voltar para Manaus.
Mas o terror dos cabanos acabaria
caindo numa cilada. Descia ele com seus
comandados pelo rio Madeira quando,às 4 da tarde,ao passar entre duas
ilhas,foi abordado de surpresa por 7 canoas repletas de cabanos,sendo que havia
entre eles muitos índios Muras(que haviam aderido aos anseios dos
revolucionários).
Acossado,Bararoá defendeu-se de
seus inimigos até ao anoitecer quando em um determinado momento tentou
salvar-se por terra,mas foi agarrado pelos cabanos.Agora sim os insurgentes
tinham em suas mãos aquele que,como sabiam,tinha feito tantas atrocidades aos
seus companheiros.Chegava a hora da vingança e o resultado não poderia ser
outro: após ser torturado de todas as formas os cabanos o mataram e jogaram o
seu corpo ao rio.
Era o fim do principal repressor
do movimento cabano no Amazonas.
Ao saber em Belém de sua morte,o
presidente legalista do Grão-Pará,general Soares de Andréia(que havia sido
mandado para expulsar os cabanos da capital e reprimir o movimento na
província),lamentou profundamente e escreveu: "Foi essa uma perda de muita
consequência porque há de custar encontrar-se homem de valor,habilidade e
inteligência desta vítima".
Mesmo com o fim de Bararoá a
repressão e o conflito entre legalistas e rebelados continuou na comarca.Como
exemplo um que aconteceu no final de agosto de 1838,quando três Cabanos foram
presos no sítio Tabocal e enviados à Serpa onde a autoridade militar do local
(o sargento Antônio José Serudo Martins)comunicou o fato ao juiz de paz e
comandante militar da comarca,João Inácio
Rodrigues do Carmo,que ordenou que os prisioneiros fossem trazidos à
Manaus,o que foi feito.
Já outro fato ocorreu em abril de
1839 quando líderes cabanos,comandando índios do rio Içana,atacaram várias
povoações do Alto Rio Negro,chegando eles na localidade de São Gabriel que era
protegida por um Forte militar.Porém na investida contra São Gabriel os cabanos
acabaram derrotados sendo os chefes presos pelo comandante do Forte.
Contudo no ano seguinte,em
1840,tinha fim a Cabanagem em toda a província do Grão-Pará,quando o último
grupo de resistência cabana(com 900
membros),liderados por Gonçalo de Magalhães,depôs as armas e se renderam perante
o exército do Império do Brasil,fato acontecido na praça da Vila de Luséa.
CONCLUSÃO
Além de Santarém e adjacências
(no Pará),Bararoá combateu os cabanos em várias localidades do Amazonas como em
Airão, Moura,Carvoeiro,Mariuá,Borba, Moreira,Lomalonga,Santa Izabel,Saracá e
Luséa.
Ao longo de sua trajetória
tornou-se um personagem controvertido e polêmico,amado e odiado.É considerado
por uns como um herói patriota e libertador,corajoso e inteligente, dotado de
bravura e competência que arriscava a vida e
cumpria seu dever à risca com a legalidade, para combater aqueles que
pertubavam e ameaçavam a paz e a vida da população das áreas afetadas.
Porém para outros ele não passava
de um assassino sem escrúpulos a serviço dos governos exploradores,sádico e
bárbaro que não media compaixão para
praticar os piores castigos e crimes contra inimigos da ordem ou desafetos.
Além da maneira brutal de como
tratava os cabanos que lhe caíam às mãos,Bararoá foi acusado de outros crimes
como o de ter mandado fuzilar,em Mariuá,um juiz Municipal que dele discordava ;
de que havia assassinado prisioneiros feridos e até famílias inteiras que
apoiavam os cabanos; que por despeito teria mandado matar o alferes Miguel
Benfica,ao seguir em marcha forçada contra os cabanos acampados em Moura; que
pretendia massacrar a população de Manaus quando se sentiu injustiçado.
Ele também exigia pesadas
quantias em dinheiro das câmaras municipais das vilas para livrar a região
delas dos cabanos,como também chegou a tirar de seu próprio bolso as quantias
para manter seu batalhão e as expedições.
Com seu batalhão composto de
voluntários e de soldados da Guarda Nacional,foi à procura dos cabanos nas
áreas mais remotas da comarca.Perseguia os insurgentes pelos rios mais estreitos, distantes e de
difícil acesso,diferentemente dos batalhões do Império, que eram menos
experientes e temerosos em ir a locais remotos, além de não conhecer a
geografia do local.
Mas,para o bem ou para o mal,Ambrósio Aires entrou para a história como um dos maiores combatentes contra os cabanos e,talvez,o personagem mais conhecido da Cabanagem no Amazonas.
Fontes: Jornal do
Commercio(AM),Diário do Rio de Janeiro(RJ),Aurora Fluminense (RJ),Diario de
Pernambuco(PE), Livros "História do Amazonas" de Arthur Reis;"O
Amazonas, sua História",de Anísio Jobim; "Rebelião na
Amazônia",de Mark Harris;"Cabanagem,a revolução popular da
Amazônia",de Pasquale Di Paolo; "A cidade de Manaus-Sua história e
motins políticos",de Bertino Miranda.
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