CONFLITO NO JURUÁ - TOMADA DE SERINGAIS TERMINA EM CONFRONTO E DERROTA DOS INVASORES
Na foto, do início do Século XX se vê no Amazonas um seringal localizado na margem do Rio Juruá |
Era o mês de dezembro de 1917 e nas margens do Rio Juruá, no
Estado do Amazonas, se encontrava o seringal "Alegria", que era de
propriedade da firma "Nicolau & Cia"., sediada em Belém e
exportadora de borracha.
O seringal havia sido posse, nos tempos do império, de
desbravadores que ali se instalaram, mas que não tinham título definitivo.
Disso resultou mais tarde uma questão suscitada pela firma "Mello &
Cia"., também de Belém do Pará, que saiu vitoriosa na disputa e passou a
ser a legítima proprietária. Com a falência da firma, o seringal Alegria caiu
novamente em jogo passando para as mãos de Nicolau & Cia.
O referido seringal se encontrava na zona rural do município
de São Felipe (hoje chamado de Eirunepé) e contava com muitos empregados e
ficava sob a gerência do senhor José Alves Sobrinho.
Contudo no início do mês de dezembro, altas horas da noite,
o seringal Alegria foi cercado e invadido de surpresa por cerca de 80 homens
armados de rifles, chefiados por Arcelino Bentes de Melo (filho do antigo dono
do seringal).
No momento se encontravam ali o referido gerente José Alves,
sua esposa e um empregado, que não tiveram como reagir.
Em atitude agressiva do bando armado e sendo o gerente
ameaçado de morte, teve ele de se submeter às exigências dos invasores, dizendo
Arcelino que ele era o legítimo proprietário daquele seringal.
Porém os rebeldes pouparam a vida de José Alves e permitiram
que o gerente, sua esposa e o empregado embarcassem para a Vila de São Felipe
(atual cidade de Eirunepé), levando as mercadorias do barracão.
Se julgando agora herdeiro e como dono de direito e tendo
sucesso na tomada do seringal, Arcelino Bentes e seus capangas trataram de
cavar trincheiras ao redor de toda a propriedade e colocar vigilância armada em
todos os pontos daquele local. O recado era simples: Arcelino e seus comandados
estavam decididos a reagir contra qualquer investida de uma possível retomada do
terreno.
Ao chegar na Vila de São Felipe, o gerente José Alves logo
procurou o juiz de Direito, Dr.Alberto Góes Telles, e as autoridades policiais
que logo mandaram um ofício ao governador do Amazonas, Dr. Alcântara Bacelar, dando-lhe
ciência dos graves acontecimentos.
Enquanto isso na região do conflito, não satisfeitos, os
rebeldes agora invadem um outro seringal do Rio Juruá, chamado
"Canutama", expulsando os trabalhadores que ali estavam. Liderando
essa invasão estavam novamente Arcelino Bentes e Luiz Francisco Pereira, vulgo
"Jarana".
Descobriu-se que o subdelegado daquela área,Antônio Araújo,
havia ajudado os invasores, fornecendo 27 homens armados e que o Tenente Júlio
Enéas Cavalcante, delegado de Polícia de São Felipe,havia se recusado a
intervir contra os invasores com seu destacamento, talvez pelo pequeno número
de soldados que possuía frente aos capangas de Arcelino (que eram muitos).
Enfim o juiz de São Felipe pedia providências urgentes ao
governo, em Manaus, a fim de conservar a soberania do Estado naquele local e
reconduzir o sr. José Alves à posse do seringal tomado e sitiado pelos
revoltosos, além de evitar a propagação da atitude armada em outros locais
vizinhos.
Chegando a notícia ao conhecimento do governador do Estado, o
subdelegado da zona sitiada (que ajudou os rebeldes) foi demitido de seu cargo
e o governo preparou então a repressão aos revoltosos do Juruá.
Voltando à região interiorana, o vapor "Lobão", quando
voltava de sua viagem do Juruá rumo à Manaus, ao passar pela área do conflito
foi inesperadamente cercado e intimado pelos rebeldes a parar, querendo eles
que o comandante lhes fornecesse munições. Como não tinham foram liberados.
A PARTIDA DO CONTIGENTE POLICIAL À ÁREA DO CONFLITO
Sob o comando do tenente da Polícia Militar Antônio Salustiano Pereira, o navio de guerra "Cidade de Manáos" partiu do porto de Manaus às 9 horas da manhã do dia 20 de dezembro de 1917, com a missão de restabelecer a ordem nos locais dos acontecimentos violentos.
Um grupo de oficiais da Polícia Militar do Amazonas, na mesma época que ocorreu o conflito no Juruá. |
O porto estava cheio de populares para ver o embarque dos militares
rumo à zona conflagrada. O navio "Cidade de Manáos" estava equipado
de canhões e uma possante metralhadora, além de contar com 22 soldados da
Polícia, bem armados, que foram convocados para a diligência, ou seja, estavam
dispostos a responder a qualquer resistência por parte dos rebeldes.
Se fizeram presentes à bordo, além do tenente Salustiano e
seus soldados, o Dr. Manoel de Almeida Garcia, delegado na capital, e o gerente
do seringal Alegria, sr.João Alves Sobrinho.
O embarque da força policial foi também assistido por várias
autoridades civis e militares, entre eles o Dr. Ayres de Almeida, prefeito de
Manaus, o Dr. Alcides Bahia, representando o governador, e o Coronel Luiz
Marinho, comandante da Polícia Militar.
Enquanto isso, os seringais Alegria e Canutama estavam
transformados em praça de guerra, cercados de trincheiras e com mais de 100
homens armados. Parte dos invasores ficava montando guarda enquanto a outra
parte se ocupava na extração da borracha. No porto do seringal Alegria estava
colocado, em letras bastante grandes para serem vistas de longe, uma tabuleta
com os seguintes dizeres: "É expressamente proibida a atracação neste
porto aos navios de Nicolau & Cia."
CONFRONTO E RETOMADA DOS SERINGAIS ALEGRIA E CANUTAMA
No caminho de sua viagem, o "Cidade de Manáos"
parou em São Felipe, onde embarcou o delegado de Polícia do município. Enfim, após
12 dias de sua partida de Manaus, o navio de guerra chegava defronte ao
seringal Alegria, no rio Juruá, no dia 2 de janeiro de 1918, às 15 horas.
O navio resolveu parar em frente ao seringal (um pouco
próximo da margem do rio)e tudo estava no mais completo silêncio, mesmo assim
os soldados estavam com armas em punho preparados para revidar ao primeiro
sinal de agressão. Mas avistaram na parte de cima do barranco várias trincheiras,
porém parecia que não havia ninguém entrincheirado.
Em seguida o Dr. Almeida Garcia mandou à terra, numa canoa, dois
oficiais de justiça acompanhados do Cabo Pita que seguiram ao seringal junto
com dois remadores.
Chegando em terra os oficiais de justiça se dirigiram ao
barracão onde encontraram Arcelino Bentes de Mello, procedendo então a leitura
do mandado do juiz Municipal de São Felipe, a fim de ser desocupado os
seringais.
Arcelino não mostrou resistência e concordou em se dirigir
com eles para o navio onde ali declarou ao Dr. Almeida que não iria se opor ao
mandado e iria entregar o seringal à firma proprietária e que o Alegria podia
ser ocupado pelos policiais.
Sendo assim o Dr. Almeida ordenou que o segundo-tenente
Marques Galvão, delegado de polícia de São Felipe, fosse ao seringal
acompanhado de 8 soldados com a finalidade de o ocupar e garantir sua posse
legal, tendo então o navio "Cidade de Manáos" encostado no porto do
seringal.
Mas os capangas pensavam diferente de seu chefe, e não
estavam dispostos a entregar a propriedade.
Quando os policiais subiam o enorme barranco foram
surpreendidos com uma forte descarga de tiros de rifles, que partiam das
trincheiras.
Vendo o tiroteio, Arcelino gritava do barco para seus
comandados cessar fogo, pois que tudo já estava resolvido, mas o tiroteio
continuava sem parar e mais forte ainda.
Com a tripulação sob fogo cerrado, encurralada e em alvo
aberto, o comandante do navio então desatracou a embarcação que foi e se
manteve ao largo do rio e de lá os militares entraram em ação, disparando tiros
de canhão, da metralhadora e dos seus fuzis. Já os policiais que tinham ficado
em terra, graças a sua coragem, conseguiram avançar no terreno inimigo trocando
tiros com os mesmos.
O combate durou duas horas e no final (mesmo sendo os
rebeldes maioria), vendo o maior aparato bélico da força policial, os invasores
acabaram fugindo e se internando mata adentro.
O saldo final da batalha foi de um capanga morto e do
policial Idelfonso Matos gravemente ferido.
Dominado o seringal Alegria pelos policiais o delegado
mandou incendiar todas as trincheiras, passando eles a noite toda fazendo isso.
Foram encontrados nas trincheiras 11 rifles, um mosquetão e mais de 500 balas
de rifles.
No dia seguinte o "Cidade de Manáos" prosseguiu
sua diligência conseguindo chegar no lugar "Montreal" pegando de
surpresa o subdelegado Antônio Araújo (fornecedor de armas) e José Pereira, o
"Jarana", um outro líder dos rebeldes. Ambos foram presos.
Prosseguindo a viagem, o navio chegava agora no
"Canutama" o outro seringal ocupado pelos revoltosos. Porém não houve
ali resistência pois vários dos capangas fugiram e outros se entregaram, sendo
presos.
Feito isto, o "Cidade de Manáos" rumou até São
Felipe, onde passaram dois dias tendo sido aberto o inquérito e ficando ali os
presos e mais 4 soldados para dar suporte.
MISSÃO CUMPRIDA E O REAL MOTIVO DA INVASÃO
Finda a sua missão vitoriosa a diligência partiu de São
Felipe no dia 7 de janeiro, chegando o navio à Manaus, oriundo da área
conflagrada, na manhã do dia 13 e sendo recebidos pelas autoridades.
No final se conseguiu descobrir o real motivo e como os líderes da invasão arquitetaram o plano. Arcelino Bentes devia a "Jarana" uma certa quantia em dinheiro. Como Arcelino não tinha condições de efetuar o pagamento ele combinou com "Jarana" para ambos vir à Manaus se acertarem. Chegando os dois à capital, "Jarana" combinou de ambos invadirem os seringais para que assim Arcelino pagasse sua dívida com a borracha produzida nos locais. Incentivado também pelo antigo desejo de reaver para si a posse do local que havia pertencido à firma de seu pai, Arcelino então aceitou a proposta e partiu de Manaus no vapor "Francisco Salles", onde chegou no Juruá e teve os armamentos fornecidos por Jarana.
Fontes: A Capital, Jornal do Commercio.
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