PERSEGUIÇÃO À "PAJELANÇA" NO AMAZONAS NO INÍCIO DO SÉCULO XX


É ainda na época provincial que aparece uma das primeiras notícias da presença de praticantes de religiões afro-brasileiras (com forte influência da pajelança indígena) no Amazonas. Trata-se da promulgação do código de posturas da Vila de Barcelos que foi promulgado em 13 de maio de 1875, na qual certas leis vinham com proibições de vários tipos de conduta. E, entre elas, o artigo 44 do código dizia o seguinte:

" Todo aquele que intitular-se pajé ou que a pretexto de tirar feitiços se introduzir em qualquer casa, ou receber alguém para simular curas por meios supersticiosos e bebidas desconhecidas, ou para fazer adivinhações e outros embustes, incorrerá na multa de vinte mil réis ou seis dias de prisão, assim como o dono da casa".

Essa lei era bem clara e mostrava a punição que seria aplicada a qualquer um que, acusado de praticante de "feitiçaria", desobedecesse e fosse pego dando consultas para as pessoas.

Em 1893 se tem uma outra pioneira notícia de seguidores de religiões afro-brasileiras no Amazonas. Nesse ano havia no estado um pai de santo conhecido como o "pajé de Manaquiri", que habitava a zona rural de Manaus e era famoso em todas as partes da capital onde era procurado por muitas pessoas e cobrava um preço barato em suas consultas, além de pedir delas uma vela, um frasco de cachaça e meio quilo de fumo de corda.

Nos primeiros anos do século XX começam a pipocar nos jornais do Amazonas denúncias contra a prática das religiões de matriz africana, que era chamada no estado, naquela época, de "Pajelança".

Os então pais e mães de santo eram chamados de "pajés", e seu terreiros eram alvos constantes de denúncias e invasão da polícia. A imprensa e a polícia moviam uma perseguição ferrenha aos praticantes da Umbanda e Candomblé em Manaus que, quando pegos nas batucadas pelos policiais, eram presos de imediato (fato que ocorreu em todo o Brasil na época). Além disso eram ridicularizados, nos jornais da cidade, de todas as formas.




A CACHOEIRINHA, PRINCIPAL LOCAL DA PRÁTICA DE RELIGIÕES AFRO BRASILEIRAS EM MANAUS

Era no ainda distante bairro da Cachoeirinha que se encontravam a maior parte dos terreiros e pais e mães de santo da cidade, cujas noites em que o som do bater dos atabaques ecoavam longe.

O número de praticantes da chamada Pajelança na Cachoeirinha era tanta que, em 1912, a população do bairro denunciou à imprensa a prática de tal religião no local e pediu providências. Sendo assim logo a polícia começou suas batidas na área, fechando terreiros e prendendo os donos do local e praticantes.

Mas mesmo com a repressão, os "pajés" e seus seguidores não se entregavam e voltavam a praticar sua crença em algum local mais escondido do bairro.

Em 1919 houve uma outra denúncia contra a Pajelança praticada na Cachoeirinha. Moradores do entorno da Praça General Carneiro revelaram que à noite um Pagé praticava ali o Candomblé, com muita batucada e a presença maciça de prostitutas, que gerava perturbação para aqueles que queriam dormir e pediam a presença da polícia para acabar com aquela situação.

OS PRINCIPAIS "PAGÉS"DA CACHOEIRINHA

Era na Cachoeirinha que se encontravam alguns dos mais famosos pais e mães de santo do Amazonas, o que fazia com que pessoas viessem também do centro da cidade para as consultas e batucadas. Entre os principais "pajés" se tinha Martiniano Carneiro, no igarapé da Cachoeirinha; Desidério, um mulato que se instalou no local em 1906,quando chegou de Belém; Mãe Luiza, que tinha sua casa de consulta próximo à parada Felinto; Eufrásio na Rua Urucará; Luiz Bibiano, na Vila Farias; Mãe Joana, próximo de uma área onde hoje é o Morro da Liberdade; Luzia Maria da Conceição; Pai João, um ex-escravo, na Avenida Ipixuna; Felica, na Avenida Waupés; José Raimundo, na Rua Urucará; e do casal Marcelino Ramos e Izabel Pereira, na avenida Manicoré; nas imediações da Rua Ajuricaba havia um terreiro comandado por uma mulher chamada Simplícia.

Porém haviam outros famosos que moravam em outros locais como o baiano Luiz França (no bairro de São Raimundo), Chica Curandeira (no igarapé de Educandos), Maria Pitta (na Av. Ayrão), Juvenal Pontes e Mestre Carlos (Praça 14), a paraense Maria Joaquina de Lima (na rua Cearense) e Feliscíssima Gomes (na rua Emílio Moreira).



Uma humilde residência na Cachoeirinha em 1917. Nesse ano a prática de religiões afro-brasileiras era grande no bairro (foto do jornal "A Capital".


INVASÃO DE TERREIROS DA CACHOEIRINHA E PRISÕES

Houveram várias invasões e prisões da polícia que geralmente só aparecia nos dias de batuque. Os agentes da lei recebiam informações da imprensa e da população de onde era o local do culto e o dia que se reuniam, motivo pelo qual geralmente pegavam a todos no flagrante. Vejam cinco desses fatos que ocorreram no bairro:

* No ano de 1900 residia nas imediações do igarapé da Cachoeirinha um marceneiro chamado Martiniano José Carneiro que era também conhecido por exercer a profissão de curandeiro, sendo ele bem procurado por pessoas que passavam por problemas de saúde.

Um certo dia do mês de abril daquele ano o próprio filho de Martiniano denunciou o pai ao capitão Francisco Bittencourt, afirmando que o dito pajé costumava medicar seus clientes com defumadouros, que ele aplicava nas narinas das pessoas através de um tubo de folha.

Em uma dessas consultas, uma prostituta chamada Antônia confessou na chefatura de polícia que ela tinha perdido os sentidos após receber o defumadouro durante uma sessão de cura com o pajé.

Após essas denúncias a polícia foi até a casa de Martiniano e o prendeu para averiguações.

* Em 1914 o negro Luiz Bibiano fazia suas sessões na Vila Farias, em seu terreiro, quando um certo dia a polícia invadiu o local às dez da noite. Os policiais, comandados pelo inspetor Raimundo Saraiva, o agente Raimundo Goiabeira e tendo 4 guardas civis e 2 praças, chegaram na hora do batuque fazendo com que a debandada dos praticantes fosse geral. Porém Bibiano não conseguiu fugir e foi preso, com mais três seguidores. Os policiais recolheram todos os materiais religiosos do terreiro e colocaram os 4 detidos na cadeia.

* No mês de fevereiro de 1915 o pai de santo José Raimundo da Motta fazia suas sessões na casa de um homem chamado Pedro Nolasco, que ficava na Avenida Urucará. Porém um vizinho da casa, chamado José Barateiro, denunciou as sessões, que aconteciam à noite, alegando barulhos e prática de bruxarias. Sendo assim, numa noite, a polícia invadiu o local se surpresa, prendendo José Raimundo e um auxiliar seu chamado Sebastião Gomes. Ambos ficaram presos na delegacia da rua Marechal Deodoro.

* Em 1926, no batuque da Mãe Joana, por volta de 2 horas da manhã, chegava no terreiro de surpresa o Dr. Cruz Camarão (delegado), Juca Barros (chefe de investigação), Lindolfo Marques (investigador)e mais 4 guardas civis e uma patrulha da polícia, que cercaram o local prendendo a todos: 23 homens,32 mulheres e 7 crianças. Todos foram levados à delegacia, fotografados e presos.

* Em 1928, na casa do "Pagé" Eufrásio, na avenida Urucará, precisamente à meia noite a polícia invadia o local, pegando todos de surpresa e acabando com a batucada. Todos ficaram encarcerados na delegacia auxiliar.

 

NO INTERIOR

Alguns dos "pajés" que também sofreram repressão no interior do Amazonas, foram:

"Inácio Pagé", que morava no Paraná do Careiro, sendo ele denunciado e preso pela Polícia em 1908.Anos depois, em 1913, ele era novamente preso. Solto, voltou a fazer suas sessões e batuques, sendo denunciado mais uma vez, fazendo com que ele evadir-se para o lago Murutinga, no rio Autaz.

Já em 1918 havia no lago do Anvers o pai de santo Manoel Francisco de Lima que fazia sempre, em seu terreiro, batuques. Um lavrador e vizinho dele o denunciou ao agente de polícia da localidade que o prendeu e o remeteu para Manaus.


Fontes: Jornal do Commercio, O Imparcial, A Capital, Gazeta da Tarde, O Tempo, Diário de Manáos, Commercio do Amazonas.

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