ABANDONO E MORTICÍNIO NO INTERIOR DO AMAZONAS
Em 1916 chegava à Manaus um grupo de cerca de 50 pessoas, entre homens, mulheres e crianças, que haviam chegado dos sertões do Nordeste, então expulsos pelo terrível flagelo das secas que castigava aquela região. Embarcados eles em um navio a vapor, desembarcaram na capital amazonense com a finalidade de arranjar emprego nos seringais do interior do Amazonas e melhorar sua situação para que um dia retornassem à sua terra de origem com uma situação financeira tranquila.
Enfim, em abril de 1916, a firma
comercial "Moura Brasil & Cia", que era proprietária de seringais
no rio Aripuanã, acabou contratando em Manaus todos os 50 recém-chegados
nordestinos, que seriam alocados para trabalhar nos seringais de propriedade da
firma.
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Na ilustração, de Lúcio Izel, aparece
o sócio da firma espantado ao encontrar vários corpos na mata. |
A CHEGADA AO IGARAPÉ PAXIÚBA
Embarcados todos num navio, navegaram
pelo rio Madeira e dali penetraram em um de seus afluentes, o rio Aripuanã. Chegaram
no lugar "Periquitos", e dali os novos trabalhadores de Moura Brasil
& Cia. foram enviados em pequenas embarcações para mais distante, no
Igarapé Paxiúba, com pouco rancho para mantê-los por alguns dias. Ao serem ali
desembarcados em um ponto na margem do Igarapé, os nordestinos construíram suas
barracas e organizaram seu trabalho, dando eles início à extração e produção de
borracha. Após isso, as embarcações da firma que os havia trazido, zarparam
prometendo que em breve viriam pegar a produção e trazer mais mantimentos e
ranchos para eles.
Porém aquele local onde ficaram
os trabalhadores e seus familiares era longe, isolado e de difícil acesso, fazendo
com que os novos seringueiros ficassem ali ilhados e longe dos centros de
abastecimento que ficavam muitos dias de viagem descendo o encachoeirado
igarapé, aliás por ser um trecho encachoeirado, era até perigoso alguém navegar
ali de canoa, o que contribuía para os trabalhadores ficaram mais isolados. E, pra
piorar, não foi deixada com eles nenhuma canoa, que os poderia auxiliar caso
eles decidissem sair do local.
Bom, estavam eles ali sozinhos e
tinham agora que se importar em fazer o trabalho por qual foram contratados. E
assim começaram no fabrico da borracha. Os dias foram passando e nenhuma
notícia de algum representante da empresa extrativista.
ESQUECIDOS PELOS EMPREGADORES:
FOME, DOENÇAS E MORTES
Passou-se o primeiro mês sem que
ninguém da firma contratante viesse pegar a produção e lhes trazer os ranchos
pois já estava começando a faltar a alimentação de que necessitavam. Entrou o
segundo mês e nada de ninguém para socorrê-los, pois o rancho já tinha acabado.
Foi aí que começou o desespero com a fome atacando muitos pois apesar de
conseguirem algum bicho de caça na mata e recolher frutas, não eram suficientes
para matar a fome de todos. O resultado da pescaria também não ajudava pois os
peixes apanhados eram poucos e também não atendiam à necessidade de satisfazer
a vontade alimentar da maioria.
O que fazer? esperariam mais um
mês? Fugiriam pelo igarapé, mas com que canoa? Como passariam pelo trecho
encachoeirado? Além do mais não conheciam o caminho a seguir pelo igarapé ou
pela terra pois poderiam se perder, o que seria uma sentença de morte
antecipada para eles.
Pra piorar, além da fome várias
das pessoas começaram a adoecer de várias enfermidades, contra o qual não
podiam combater pois a firma não deixou nenhum medicamento com eles.
Foi então que o desespero tomou
conta de todos, tendo eles a certeza que morreriam naquele lugar isolado e
distante, no total abandono onde sucumbiriam por inanição.
Outros, revoltados, vociferavam
em voz alta contra aqueles que de maneira desumana, os haviam atirado àquele
labirinto verde, que lhes ia servir de túmulo. O que teria acontecido para seu
patrão esquecer deles?
Sendo assim, um a um foram
sucumbido à morte aqueles infelizes, uns morrendo de fome e outros de doenças.
Estirados seus corpos na mata e
próximo às barracas, foram servindo de pasto aos urubus, enquanto os de outros
eram enterrados em valas abertas na mata.
Mais de vinte pessoas pereceram
dessa maneira, inclusive crianças.
UM DOS SÓCIOS LEMBRA DOS
TRABALHADORES E VAI VER COMO ESTÃO: O HORROR COM AS CENAS QUE PRESENCIOU
Finalmente, no terceiro mês, um
dos sócios da firma Moura Brasil & Cia., lembrou-se daqueles retirantes
trabalhadores e resolveu ir até o Igarapé Paxiúba ver como eles estavam. Ele
então pegou sua lancha a vapor e para lá se dirigiu.
Chegando ele no dito igarapé e
desembarcado no local onde estavam os trabalhadores, constatou logo o resultado
negativo de sua imprudência e dos outros sócios da firma comercial, encontrando
as pessoas famintas, doentes e desesperadas. Penetrando nas matas das
imediações, o sócio encontrou ali, onde vagava há dias perdida, a viúva de um
dos seringueiros que morreram pela fome.
O sócio também viu, horrorizado, os
corpos já em decomposição de várias pessoas cujos urubus já tinham se saciado
de vários deles.
Em virtude daquele desastre
humano, o sócio da firma resolveu trazer os sobreviventes, esqueléticos e
abatidos, porém acabou deixando dois infelizes na mata cuja enfermidade já os
comsumia e não tinham mais condições de andar e pediam que os deixasse pois já
tinham se conformado com seu destino final.
Os trabalhadores sobreviventes
foram desembarcados no ponto que tinha partido meses atrás, no rio Aripuanã, onde
ali receberam tratamento adequado dos empregados e demais administradores da
firma.
ACUSAÇÕES DE NEGLIGÊNCIA
CONTRA OS PROPRIETÁRIOS
A imprensa mencionou que o
desastre e grande morticínio que houve no igarapé Paxiúba foi devido a falta de
responsabilidade do proprietário da firma, Sr. Brasil, que mostrou sua
negligência para com os seus trabalhadores. A firma Moura Brasil tinha naquele
momento várias mercadorias nos portos do rio Aripuanã e que seus sócios e
administradores não se deram ao trabalho de abastecer com elas aos seus
trabalhadores do igarapé Paxiúba, que ali foram esquecidos.
CONCLUSÃO
A empresa, seu proprietário e
sócios pagaram na justiça por esse triste fato? Infelizmente não se sabe pois
os noticiários não mencionaram mais nada.
Fonte: Jornal do Commercio.
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