EM 1910, UM INCIDENTE NA ARGENTINA GERA PROTESTOS EM VÁRIAS CIDADES DO BRASIL E TEM SEUS REFLEXOS EM MANAUS.

Brasil e Argentina sempre tiveram uma rivalidade no futebol, a ponto das duas nações também disputarem pela hegemonia do esporte bretão no continente Sul-americano.

Porém pesquisadores apontam que já havia uma rivalidade entre brasileiros e argentinos, que surgiu bem antes da chegada do futebol nos dois países. E um dos primeiros fatores foi devido a Guerra da Cisplatina, quando tropas do Brasil combateram o exército argentino, que no final terminou com o surgimento de uma nova nação: o Uruguai.

Outros fatores, de cunho político, estremeceram a relação entre os dois países no século XIX.

Outros estudiosos apontam que durante a Guerra do Paraguai, apesar de serem aliados, generais argentinos e brasileiros não se entendiam entre eles (gerando ódio e desconfianças entre os comandantes), e nos acampamentos soldados brasileiros e argentinos comumente entravam em conflito.

Com a consolidação do futebol, que se tornou paixão nos dois países, a rivalidade saiu do campo político e adentrou as 4 linhas perdurando até aos dias de hoje.

Mas um desconhecido fato, envolvendo os dois países, aconteceu no início do século XX e que fez brotar em vários brasileiros daquele período um sentimento de ódio contra o seu vizinho platino e que inclusive chegou na capital amazonense.



Na foto de cima se tem o Gymnasio Amazonense Dom Pedro II, em Manaus, em 1901. 

Na imagem de baixo, as bandeiras do Brasil e da Argentina.


Naquele período, o ministro das relações exteriores da Argentina chamava-se Estanislau Zeballos que, por questões políticas e de hegemonia regional, pautou sua política com uma forte campanha contra o Brasil, afirmando que o Brasil planejava um ataque militar à Argentina e, portanto, recusava-se a qualquer acordo amigável ou aproximação política com o governo brasileiro, o que despertou a inimizade dele com o Barão do Rio Branco (que era o ministro das relações exteriores do Brasil),que resultou inclusive em uma declaração racista do ministro argentino sobre o Brasil.

Zeballos era visto como um nacionalista radical e por pouco ele não causou uma guerra entre Brasil e Argentina, em 1908, chegando inclusive a propor, secretamente, a ocupação do Rio de Janeiro por 50 mil soldados argentinos. Porém, devido à pressões, ele acabou renunciando ao cargo de ministro ainda em 1908.

O Barão afirmava que Zeballos fazia uma forte campanha contra o Brasil em seus jornais, espalhando falsas notícias e despertando velhos ódios da população argentina contra os brasileiros.

 

EM ROSÁRIO, INCENTIVADOS POR ZEBALLOS, ARGENTINOS RASGAM A BANDEIRA DO BRASIL.

Na noite do dia 22 de maio de 1910, na cidade de Rosário (na Província de Santa Fé), na Argentina, um grupo de homens exaltados arrancou e rasgou uma bandeira do Brasil que estava hasteada no "Café Paulistano", que era um restaurante daquela cidade.

Ao saber disso, a autoridade local ordenou a prisão dos autores, mandando um destacamento da polícia guarnecer o consulado brasileiro naquela cidade.

No dia seguinte,23 de maio, ainda em Rosário, um grupo de estudantes fez uma manifestação de protesto em frente ao consulado do Brasil dando muitas vaias, e ao mesmo tempo aclamavam o nome de Estanislau Zeballos que passou ali em apoio aos manifestantes mas que, desta vez, não tocaram no escudo ou na bandeira brasileira ali hasteada. A polícia acabou dispersando os manifestantes.

 

NOTÍCIA DO OCORRIDO NA ARGENTINA CHEGA AO BRASIL E GERA REVOLTA E PROTESTOS DA POPULAÇÃO DO RIO DE JANEIRO.

No Brasil, no dia 23 de maio, os jornais do Rio de Janeiro comunicavam o incidente ocorrido na cidade argentina de Rosário contra o pavilhão nacional, logo gerando uma indignação na população.

Ainda no Rio de Janeiro, a notícia se espalhou rapidamente e logo depois numerosos grupos populares reuniram-se, na noite do dia 23, na Avenida Central, promovendo eles manifestações contra a Argentina, dizendo palavra de ordem e ódio contra os argentinos.

Ainda no dia 23, um grupo de populares, levando a bandeira do Brasil à frente, foi até a Rua 1⁰ de Março, atacando ali a pedradas o edifício do consulado argentino, cujas vidraças foram partidas. A guarda da repartição dos Correios interviu, assim como diversos guardas-civis, havendo correria e ficando algumas pessoas feridas.

Os populares arrancaram do consulado o escudo de armas argentino (mesmo com o esforço da polícia para que se evitasse tal delito), arrastando-o pelas ruas centrais até a Avenida Central, e que resultou num conflito que teve dois policiais feridos e alguns populares também feridos.

No mesmo dia o Barão do Rio Branco se dirigiu ao consulado da Argentina e depois foi ao Palácio do Catete, onde ficou em conferência com o presidente Nilo Peçanha. Logo depois, à tarde, grande número de manifestantes se aglomerou em frente ao prédio do Itamaraty, onde fizeram discursos inflamados. Mas em seguida aparecia na janela do Itamaraty o Barão do Rio Branco, que procurou apaziguar os ânimos.

No dia 24 de maio, alunos do D.Pedro II, tradicional estabelecimento de ensino da elite carioca, percorreram as ruas centrais com palavras de ordem contra a Argentina, indo eles até o Palácio do Catete(a sede do governo do Brasil),onde um orador se dirigiu até ao presidente Nilo Peçanha pedindo à autoridade a revogação do decreto que declarava feriado no Brasil, no dia 25,devido ao centenário da independência da Argentina.



Estanislau Zeballos, Ministro das Relações Exteriores da Argentina, que foi o pivô da onda de protestos que houve no Brasil contra os argentinos em 1910.


 

PROTESTOS E CONFLITOS SE ESPALHAM POR OUTRAS CIDADES DO BRASIL.

Já em São Paulo, no mesmo dia 25 de maio, ao chegar a notícia na cidade da atitude de um grupo de argentinos que rasgaram a bandeira do Brasil, uma massa de pessoas furiosas se dirigiu a uma casa comercial onde pretenderam comprar um caixão para fazer um enterro simbólico da Argentina, porém a polícia teve de intervir para evitar a invasão da população no estabelecimento.

Para evitar que houvessem mais tumultos (pois os ânimos de todos estavam muito exaltados), a polícia reforçou a guarda nas principais repartições.

Em Santos, o povo enfurecido atacou no dia 23 o consulado argentino, arrancando o escudo do país que foi arrastado até uma praça e, depois, os populares o levaram até uma rua onde o escudo foi amarrado embaixo de um bonde, com as pessoas dando "vivas "ao Brasil e "morras" à Argentina.

Em outro ponto da cidade, um grupo de pessoas embrulhou um cacho de bananas com a bandeira da Argentina.

Houve protestos, conflitos e prisões também em outras cidades do Brasil como em Vitória (Espírito Santo), Salvador (Bahia), Porto Alegre, Rio Grande e Bagé (Rio Grande do Sul), Piracaia e Bragança (São Paulo), etc.

Vindo para o Norte do país, houve também protestos em Belém do Pará, no dia 25 de maio, com passeatas pela cidade e com conflitos com a polícia, que interveio para proteger o consulado da Argentina e realizou diversas prisões.

 

A NOTÍCIA DO OCORRIDO NA ARGENTINA CHEGA À MANAUS.

Em Manaus, na capital do Amazonas, a notícia do incidente chegou via telégrafo aos jornais da cidade, sendo publicado no dia 25 de maio, gerando também uma revolta e indignação geral contra aquilo que a população considerou uma afronta dos argentinos contra a bandeira do Brasil.

A animosidade do povo amazonense contra a Argentina foi também grande, principalmente da classe estudantil.

Mas foram os estudantes do Gymnasio Amazonense D.Pedro II (o mais importante estabelecimento escolar do Amazonas naquela época),conhecidos como ginasianos, que organizaram e encabeçaram os protestos contra aquilo que consideraram um vandalismo e uma atitude hostil contra a honra do povo brasileiro. Eles marcaram uma grande concentração para aquele mesmo dia.

Os acadêmicos da Universidade Livre de Manáos, ao tomarem conhecimento do fato, reuniram-se às 4 da tarde do dia 25 a fim de firmarem seu apoio aos acadêmicos da capital do Brasil, no Rio de Janeiro, mandando para eles um telegrama de solidariedade aos atos contra a atitude hostil no país vizinho, sendo o telegrama assinado pelos acadêmicos João Henrique dos Santos, Hermínio Carneiro e Aristides Ferreira. Eles também resolveram não participar da concentração organizada pelos ginasianos, apesar do convite que receberam, se limitando a mandar um representante para o local.

 

ESTUDANTES AMAZONENSES, REUNIDOS EM PRAÇA PÚBLICA, FAZEM DISCURSOS INFLAMADOS E DE PROTESTO.

Então, no mesmo dia 25 de maio, os estudantes ginasianos se concentraram em peso no logradouro defronte a seu colégio, na Praça da Constituição (hoje conhecida como Praça da Polícia), em sinal de protesto.

Em primeiro lugar falou no coreto da Praça o acadêmico da Universidade Livre de Manáos Aristides Ferreira, que após seu discurso de cunho patriota, foi muito aplaudido.

Discursou em seguida o estudante do D.Pedro II Abelardo Araújo que, em nome de sua classe estudantil e da revista "Aura" (feita pelos ginasianos), convidou os seus colegas a vaiarem e apedrejarem o consulado argentino de Manaus.

Pediu então a palavra o estudante e diretor do periódico estudantil "O Gymnasiano" (também feito pelos alunos do colégio) Mílton de Oliveira, que aprovou a ideia de Abelardo Araújo e também fez a todos o convite de se dirigirem ao consulado. Nesse momento os ânimos se exaltaram com fervor, com os estudantes entoando "vivas" ao Barão do Rio Branco, e "morras" à Argentina e ao ex-ministro Zeballos.

Porém Aristides Ferreira tornava a pedir a palavra e procurou acalmar a todos, pedindo que seus colegas não fossem ao consulado argentino e evitassem conflitos, e fossem sim às redações dos jornais. O jovem estudante foi então atendido depois de muitos protestos.

Mas antes os ginasianos se dirigiram ao prédio de seu colégio e pediram ao senhor Benjamin Valle que lhes cedesse a bandeira do Brasil que estava hasteada na fachada.

Sendo então cedida a bandeira, ela foi empunhada pelo estudante Antônio Krichanã da Silva, que ficou à frente de todos os alunos na passeata desfraldando o pavilhão nacional.

A passeata contou com todos os alunos do Gymnasio Amazonense D.Pedro II e de populares que aderiram ao protesto, dirigindo -se eles às redações dos jornais "A Notícia", "Diário do Amazonas", "Correio do Norte", e "Jornal do Commercio", onde foram ali recebidos e dizendo o motivo de sua causa que foi explicada pelos estudantes Silva Cardoso, Abelardo Araújo, Aristides Ferreira e Manoel Nunes.

Depois, a passeata resolveu voltar rumo ao Gymnasio onde ao chegarem ali, falou o jovem Silva Cardoso, pedindo para que finalizasse o protesto e que todos se dispersassem.

Mas na sequência novamente Mílton Oliveira tomava a palavra e lembrou à plateia o pedido que ele e Abelardo Araújo fizeram antes, ou seja, de se dirigirem e protestar em frente ao consulado argentino, sendo dessa vez ele aplaudido em peso e atendido tendo, logo depois, todos seguido em marcha ao local definido.

 

PASSEATA SEGUE RUMO AO CONSULADO DA ARGENTINA.

O grande contingente de estudantes e populares passaram pelas ruas Dr.Moreira, Mundurucus e dos Remédios. No trajeto, entusiasmados e carregados de sentimento patriótico, os estudantes davam vivas ao Brasil, ao presidente Nilo Peçanha, ao Barão do Rio Branco, a Ruy Barbosa, ao Exército e ao Marechal Hermes. E também gritavam palavras de ódio à Argentina e à Zeballos.

Mas as autoridades foram avisadas a tempo que um grande número de pessoas de dirigiam ao consulado da Argentina e, rapidamente, mandaram uma força da Polícia proteger o prédio do consulado, visando evitar algo pior.

Enfim, ao chegar a passeata em frente ao consulado, ele já estava protegido pela Polícia Militar. Pediu a palavra Mílton Oliveira, que num discurso carregado de ardor, falou palavras de protesto e ódio contra o governo argentino e a população daquele país.

Os estudantes então vaiaram o consulado, sendo arremessada por eles diversas pedras na bandeira da Argentina que estava no mastro, tendo uma delas rasgado a imagem central do sol na bandeira. Contudo, eles acabaram repelidos pelos policiais.

A passeata então voltou pelo mesmo caminho, se concentrando novamente na Praça da Constituição onde, por último, falou Manoel Nunes que pediu para seus colegas de colégio e populares que se dissolvessem em ordem e sem turbulência, sendo ele atendido. No final foram levantados diversos "vivas" ao jornal "O Gymnasiano".

Curiosamente o cônsul da Argentina em Manaus era um brasileiro, o Coronel Antônio de Miranda Araújo que, após a repercussão negativa do caso, telegrafou ao ministro da Argentina pedindo sua demissão do cargo.

 

CONCLUSÃO

Depois chegaram telegramas à Manaus, vindos do Rio de Janeiro, dizendo que o acontecido na Argentina teria sido um caso isolado, praticado por uma minoria de argentinos que estavam bêbados e tendo à frente o famigerado ex-ministro Zeballos, inimigo declarado do Brasil.

Mas o jornal estudantil "O Gymnasiano" dizia que, embora fosse esta a satisfação dada pelo governo argentino, não era a primeira vez que a bandeira do Brasil era ultrajada pelos argentinos em seu país, que aproveitavam a ocasião para insultar os brasileiros.

O certo é que depois tudo voltou ao normal, com o governo brasileiro e a imprensa inclusive dando felicitações pela data do centenário da independência da Argentina, ocorrida naquele ano de 1910, e participando de comemorações na sede do consulado argentino no Rio de Janeiro.


Fontes: Jornal do Commercio, Correio do Norte, O Gymnasiano, Correio Paulistano.

 

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