O ATAQUE DOS CABANOS NA LOCALIDADE DE MANAQUIRÍ, NO AMAZONAS.

Considerada a maior revolução popular que houve na história do Pará, de toda a Amazônia e do Brasil, a Cabanagem durou exatos 5 anos, se iniciando oficialmente com a invasão de Belém, em janeiro de 1835, e finalizando com a rendição dos cabanos na Vila de Luséa em 1840.

Revoltados com a miséria e opressão em que viviam, os cabanos (formados pelas classes mais pobres da Província) entraram em conflito com as autoridades constituídas da Província do Grão-Pará, resultando em muitas mortes sendo que a maioria foi de revolucionários.

Na época que estourou a rebelião, a área onde hoje é o Estado do Amazonas era uma comarca chamada de Alto Amazonas e que fazia parte da Província do Grão-Pará (cuja capital era em Belém).

Com o início da revolução cabana em Belém e adjacências, somente um ano depois, em 1836, é que os cabanos penetraram na comarca do Alto Amazonas, navegando de subida os rios Madeira, Negro e Solimões, conquistando vilas e freguesias, inclusive a capital Manaus, e recrutando mais membros para sua causa. Eles então conseguiram dominar a comarca, impondo suas leis e governando com tranquilidade e justiça, como bem afirmaram as antigas fontes.

Cinco meses depois é que as autoridades do Alto Amazonas se levantaram contra o domínio cabano, ocasionando combates, prisões e mortes entre rebelados e legalistas.

Entre os repressores, o que mais se destacou foi o célebre capitão Ambrósio Pedro Aires, conhecido como "Bararoá", que perseguiu, torturou e assassinou centenas de cabanos.

As ações dos cabanos no local em que hoje é o Estado do Amazonas, ainda é um tema de pouca pesquisa. A maioria dos acontecimentos da Cabanagem no território amazonense, que se conhece, vem da pioneira pesquisa de Arthur César Ferreira Reis que as publicou em seu livro "História do Amazonas", que foi lançado em 1931.

Entre alguns dos fatos envolvendo os cabanos na comarca, um deles ocorreu num local próximo à Vila de Manaus.



Uma ilustração mostrando um cabano, em sua humilde comunidade, se dirigindo para um combate.


O PORTUGUÊS JOSÉ ANTÔNIO BRANDÃO CHEGA À AMAZÔNIA E SE TORNA UM ABASTADO FAZENDEIRO.

Em fins de 1795 chegava ao Brasil o jovem português José Antônio Brandão. Nascido na cidade de Guimarães, José Antônio era sobrinho do Frei Caetano Brandão, bispo de Belém. Ele então se estabeleceu na Amazônia portuguesa que na época  era uma colônia de Portugal chamada de Estado do Grão-Pará e Rio Negro.

Já residindo na área do rio Negro, o português casou-se com Lina Ferreira, filha de um português com uma indígena, e que também era neta do índio Comandri, antigo cacique dos Manaus que morava em Mariuá (atual município de Barcelos). Com sua esposa, José Antônio teve um total de 12 filhos.

O português Brandão adquiriu então uma propriedade na zona rural de Manaus, no outro lado do rio, num local chamado Manaquirí (que hoje é um município do Amazonas).A propriedade ficava na beira de um lago chamado também de Manaquirí, próximo ao rio Solimões. Na época, a distância de viagem de Manaus para o lago do Manaquirí era de dois ou três dias de remo.

Ali Brandão tornou-se um senhor de engenho e uma pessoa abastada. Ele mandou construir sua casa-grande, para servir de residência a ele e sua família. Porém ele precisava de empregados para trabalhar em seu sítio, indo ele buscar trabalhadores numa aldeia indígena bem distante, onde recrutou e trouxe índios para o serviço em sua fazenda.

Em seu grande sítio o português, com ajuda dos índios, derrubou a mata, plantou laranjeiras, tamarindos, mangueiras e diversas outras árvores. Abriram caminhos na mata que depois seriam transformados em alamedas

Ele também mandou plantar jardins, produzia frutas tropicais e regionais, cultivava fumo, cana de açúcar e algodão, além de criar bois, carneiros, porcos e aves. Brandão passava agora a se dedicar totalmente à vida rural e sua fazenda era a maior e mais importante daquela área.

Mas nesse período começava na província a revolução cabana e, aos poucos, ela foi se estendendo pelo Grão-Pará até chegar ao Alto Amazonas, sendo que os portugueses que residiam na província eram um dos principais alvos dos insurgentes.

Não se sabe ao certo a data em que aconteceu o ocorrido dos cabanos contra a propriedade de José Antônio Brandão, mas com certeza foi entre os anos de 1837 e 1838, pois quando o naturalista Alfred Wallace esteve na fazenda de Brandão, em 1850, mencionou que a invasão tinha acontecido há 12 anos.

Nos primeiros meses de 1837 houve tranquilidade no Alto Amazonas, mas logo depois os cabanos estavam novamente em plena ação na comarca com confrontos em vários locais e com Bararoá e seus comandados voluntários saindo à caça dos rebelados, assim como demais tropas do governo.

Como exemplo um pedido que veio do dia 1⁰ de outubro de 1837, quando autoridades solicitavam o envio de uma força militar para guarnecer a Vila de Silves com o intuito de repelir a entrada dos cabanos na localidade, visto que eles invadiram Luséa (hoje cidade de Maués) e estavam nas imediações.

Próximo à fazenda de José Antônio Brandão existia uma aldeia de índios Muras que, até então, não tinham nenhum problema com o próspero fazendeiro, tendo ambos um bom relacionamento.

 

CABANOS ARREGIMENTAM UMA ALDEIA MURA PARA SUA CAUSA.

Porém os cabanos (já estando pelas redondezas) sabiam que José Antônio era um português e senhor de engenho e, consequentemente, fazia parte da elite local, além de ser bem relacionado com as autoridades do império e ter inclusive um cargo público em Manaus.

Juntando todos esses elementos os cabanos tinham agora o influente português como um inimigo, a serviço dos exploradores e dono de escravos.

Os cabanos então foram até a aldeia dos Muras que, como já foi citada, ficava próximo ao engenho do português. Ali os insurgentes pregaram aos indígenas seus ideais e os  motivos de sua luta contra os exploradores, portugueses, governantes, súditos do império e escravagistas onde eles diziam que há séculos eram vítimas de violência, exploração e discriminação, mantendo os governantes seus privilégios e sem nenhum interesse em olhar pela situação dos menos favorecidos .

Os Muras, daquela aldeia, acabaram então sendo convencidos e se converteram aos ideais dos cabanos, sendo os indígenas inseridos nas fileiras dos revolucionários.

E agora, contado com seus aliados, os cabanos preparavam-se para uma investida contra a propriedade de seu inimigo mais próximo: a fazenda de José Antônio Brandão.

Talvez José Antônio, como súdito do império e tendo cargo de magistrado em Manaus, tenha apoiado perseguições e expedições contra os cabanos na comarca, resultando em mortes dos rebelados, o que teria gerado mais ódio nos cabanos.



Naturalista inglês Alfred Russel Wallace, em foto de 1849. Viajou pela Amazônia e esteve hospedado na propriedade de José Brandão, de onde soube do acontecido e que, posteriormente, publicou em seu livro.


O ATAQUE À FAZENDA DE BRANDÃO

Conforme as fontes da época os índios Muras, liderados pelos cabanos, fizeram um ataque surpresa e fulminante à fazenda, arrasando com os pomares e queimando as plantações. Mataram todos os animais e vários empregados e também  incendiaram a casa-grande, reduzindo-a à cinzas. A mulher de Brandão, Lina Ferreira, junto com seus filhos, conseguiram escapar milagrosamente das flechadas e da morte, quando ela com os filhos fugiram para a floresta, ficando eles lá escondidos durante três dias e se alimentando de milho e frutas silvestres.

Para sorte de Brandão, durante o ataque ele se encontrava em Manaus o que lhe salvou da morte certa. Dias depois, sua família saía do mato e pegava uma embarcação rumo à Vila de  Manaus onde chegou ali sã e salva, para alívio do português que soube de todos os detalhes da chacina.

Enquanto durou a revolução cabana, Brandão nem pensou em reconstruir sua casa da fazenda, ficando ele impossibilitado de cuidar de sua propriedade pois nesse período ele foi magistrado e delegado de polícia em Manaus. 

Anos depois do fim da Cabanagem José Antônio Brandão voltou à sua propriedade e reconstruiu sua fazenda, mas não refez sua casa-grande por desgosto e passou a residir ali novamente, em companhia de sua filha solteira, pois a maioria de seus filhos haviam casados e sua esposa tinha falecido.

Em janeiro de 1850 o cientista e naturalista inglês Alfred Russel Wallace visitou a propriedade de José Antônio Brandão, no lago do Manaqurí, ficando ali hospedado por dias e realizando pesquisas pelas imediações que resultou em um livro que ele lançou na Europa assim que retornou.

 

CONCLUSÃO

Esse é alguns dos fatos conhecidos das ações dos cabanos no Amazonas, podendo ainda ter outros acontecimentos da Cabanagem em solo amazonense ainda desconhecidos.

Fontes: livro" Viagens pelos rios Amazonas e Negro", de Alfred Russel Wallace; texto "Cientistas brasileiros no século XIX na Amazônia", de Antônio Loureiro.






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