UM EX-MARINHEIRO DA REVOLTA DA CHIBATA EM SEU DEGREDO NA AMAZÔNIA.

A Revolta da Chibata aconteceu em 1910 no Rio de Janeiro, então capital do Brasil, quando marinheiros se apoderaram dos principais navios da Marinha e ameaçaram bombardear a cidade caso o governo do país não acabasse com os castigos físicos que os marujos recebiam na instituição militar. Liderados por João Cândido, o líder dos marujos na ocasião da revolta, que recebeu a promessa do presidente Hermes da Fonseca de que os castigos seriam abolidos e de que os participantes da insurreição seriam anistiados.

Considerados vitoriosos, os marinheiros então comemoraram e entregaram os navios.

Mas menos de um mês depois, o governo expulsou da Marinha vários participantes da rebelião e mandou prender centenas deles.

Eles então foram confinados nos porões quentes e escuros do navio Satellite, como degredados e com destino à Amazônia, ou seja, para bem longe das terras cariocas com a finalidade de nunca mais eles voltarem à cidade maravilhosa. No total,441 pessoas estavam naquele navio para serem expulsos do Rio de Janeiro, sendo que 106 eram ex-marujos que participaram da revolta estando no meio deles o de nome Edgar Macedo de Oliveira.

Além dos marinheiros, faziam parte do contingente de prisioneiros pessoas consideradas indesejáveis pelas autoridades e sociedade como prostitutas, vadios, operários anarquistas e mendigos. No comando da guarnição do navio estava o tenente Francisco de Mello e mais 50 praças do exército.

O Satellite então partiu do porto do Rio de Janeiro em 25 de dezembro de 1910, com destino ao Acre. No caminho o navio parou em Recife para abastecimento. Mas na viagem 7 dos prisioneiros foram fuzilados a bordo com seus corpos sendo jogados ao mar e outros 2 foram amarrados e jogados vivos ao mar.

 

A CHEGADA DO SATELLITE AO NORTE DO BRASIL.

O Satellite chegou a Belém do Pará em 7 de janeiro de 1911.Continuando sua viagem na Amazônia, chegou ao porto de Manaus em 13 de janeiro. Em Manaus o navio ficou parado durante 10 dias aguardando instruções.

Foi então que o comandante recebeu ordens de mudar o cronograma, ou seja, o Satellite não iria mais deixar os prisioneiros na capital do Amazonas para eles embarcarem em outro navio a vapor com destino ao Acre, e sim se destinaria agora para o rio Madeira, precisamente até a localidade de Santo Antônio do Madeira (próxima à Vila de Porto Velho).


Nas imagens se tem primeiro um seringueiro fazendo a defumação do látex, no início do século XX (ocupação que foi reservada para vários marujos da rebelião que foram deportados para a Amazônia), e na foto de baixo se vê um grupo de marinheiros, em 1910, durante a revolta da Chibata a bordo do navio "São Paulo", controlado por eles.



O Satellite então saiu de Manaus no dia 23 de janeiro, penetrando e navegando de subida o rio Madeira. Antes de seu destino final, o Satellite deu uma parada na cidade amazonense de Humaitá, onde ficaram 18 desterrados (que não faziam parte dos marinheiros rebeldes).

Enfim o navio, com sua carga humana de famintos e esfarrapados, aportava em Santo Antônio no dia 3 de fevereiro. Ali 200 prisioneiros foram entregues à Comissão de Linhas Telegráficas para trabalhar, enquanto outros eram entregues a comerciantes da Vila onde passaram a ser empregados nos  estabelecimentos comerciais.

Quanto aos demais seguiram viagem no navio   onde eram deixados, na margem do rio, aos seringalistas para trabalhar em seus seringais num regime de semi-escravidão, e entre eles estava o jovem ex-marinheiro Edgar Macedo de Oliveira, de 18 anos.

 

TRABALHANDO AGORA COMO SERINGUEIRO, EDGAR É ATACADO POR UMA ONÇA E ESCAPA DA MORTE.

Edgar passou a trabalhar num seringal do rio Guaporé, num local chamado Calcário Grande (região que hoje faz parte do Estado de Rondônia).

Ali o jovem ex-marujo passou a fazer um trabalho estafante. Porém era forte fisicamente, o que lhe ajudou a aguentar tão penoso serviço.

Era o ano de 1917 e já faziam 6 anos que Edgar (agora com 25 anos) trabalhava nos seringais e não encontrava um meio de sair dali, mas não desanimava pois havia de um dia conseguir, pensava ele. Sempre que fazia sua caminhada solitária rumo ao centro da mata para extrair o leite das seringueiras lembrava dos amigos, familiares e dos lampiões que iluminavam a noite de uma rua tranquila do bairro do subúrbio do Rio de Janeiro onde morou, nunca mais ele tinha tido notícias de ninguém da sua distante terra natal e capital do Brasil.

Porém numa noite de maio de 1917, o seringueiro carioca seguia sozinho pela mata voltando do trabalho rumo à sua barraca quando ouviu um ruído à sua direita e assim que olhou para o local de onde vinha o barulho, inesperadamente, se deparou com uma enorme onça faminta que rapidamente pulou em sua direção, sem dar tempo do homem fugir ou desviar o seu corpo.

Os dois então se atracaram, o felino logo cravou suas patas e dentes na pele de Edgar num doloroso abraço. Mesmo sendo Edgar forte, e vendo o seu sangue jorrar da pele, decidiu que não ia se entregar. Tentou ele empurrar o animal para tentar fugir mas foi impossível pois a onça não lhe desgrudava, enfiando mais ainda suas garras no corpo do homem, rasgando-lhe os músculos.

A luta continuava tremenda, Edgar lutando por sua vida e o animal querendo garantir seu banquete (ou então defendendo seus filhotes). Em determinado momento Edgar empurrou o felino, se soltando, mas os dois ficaram se olhando um ao outro e novamente o felino pulava e se atracava nele.

Para sua sorte, Edgar conseguiu alcançar a faca que trazia à cintura e a puxou, cravando-a diversas vezes no corpo da onça que mesmo ferida não o largava, até que uma das facadas lhe acertou o coração, caindo assim o animal morto para o lado.

O ex-marujo carioca conseguiu sair com vida, mas estava agora caído ao solo exausto e ensanguentado pela luta que tivera, e com o peito e os braços rasgados profundamente pelas garras da onça.

Coube ao senhor Manoel Pimenta, dono de um dos seringais do Guaporé, na área do Calcário Grande, dar a notícia do ataque que o trabalhador sofreu.

 

CONCLUSÃO

São poucas as notícias do que aconteceu depois aos marujos da Revolta da Chibata que foram desterrados para a Amazônia, mas sabe-se que a maioria ficou pra sempre na região, sendo poucos os que conseguiram voltar a seus lugares de origem.

E o que também se sabe é que vários morreram vítimas de doenças, assassinatos ou ataques de indígenas.


Fonte: jornal "O Tempo"(AM), livro "A Revolta da Chibata", de Edmar Morel.

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