REBELIÃO DO BAIXO AMAZONAS - NO FINAL DE 1920 BANDO INSURGENTE INVADE E ATACA A VILA AMAZONENSE DE BARREIRINHA.

Hoje Barreirinha é uma cidade do Amazonas, cujo município tem uma população de 35 mil habitantes. Situada na margem do Paraná do Ramos, o local é também a terra natal do ilustre poeta Thiago de Melo

Porém no início do século XX Barreirinha sofreu um impiedoso ataque realizado por um bando insurgente que colocou em polvorosa os municípios daquela região, sendo que foi preciso entrar em ação forças militares do Estado e do governo federal para pacificar a zona conflagrada.

Era o ano de 1920 e o Estado do Amazonas passava por uma séria crise econômica devido a queda do preço de seu principal produto de exportação, a borracha. Devido a isso a economia local entrou em decadência, afetando toda a população amazonense.

Na região do Baixo Amazonas, na área compreendida entre os municípios de Parintins, Barreirinha e Maués, a crise ali tomou grandes proporções com a carência de gêneros alimentícios e a miséria que se alastrou mais ainda pelo local, atingindo todos os moradores.

Foi então que em dezembro daquele ano se tem as primeiras notícias do surgimento de um grupo armado na região do rio Andirá e Paraná do Ramos que, aos poucos, foi crescendo em importância e número de membros, passando a atacar vilas, seringais e comunidades para saquear as casas comerciais destes locais.

Esse grupo armado causou verdadeiro pânico entre a população da área afetada (pois chegaram a dominar várias partes da zona rural dos três municípios) e autoridades constituídas do Estado, chegando até ao conhecimento das autoridades federais no Rio de Janeiro e da imprensa do Sul e Sudeste do país.

A Rebelião do Baixo Amazonas (1920/1921) durou quase um mês, culminando com a derrota do bando rebelde (que chegou a contar com mais de 800 seguidores) pelas tropas do governo e a prisão de vários deles.


Nas imagens se vê na ilustração da esquerda um membro do grupo bandoleiro do Baixo Amazonas com seu chapéu de palha com a cruz azul do lado. A direita, acima, se tem uma foto atual da igreja da cidade de Barreirinha. E embaixo, à direita, uma notícia do jornal "Correio Paulistano", de São Paulo, do dia 20 de janeiro de 1921, anunciando a invasão de Barreirinha pelos bandoleiros.


O ATAQUE SURPRESA A BARREIRINHA.

Chegava o final do mês de dezembro de 1920.Já bem organizados, os líderes bandoleiros José Vaqueiro, Manoel Araújo e Barrinha, junto com o seringalista Inácio Pessoa Neto e um outro indivíduo conhecido como "Chico Galinha", traçavam as estratégias para a primeira grande ação de seu recém organizado bando: a invasão da Vila de Barreirinha.

Inácio Pessoa, abastado seringalista e comerciante daquela região, aproveitou o momento de insatisfação dos rebeldes e se aliou a eles com a finalidade de arruinar os outros comerciantes, a maioria de origem judaica (que eram seus concorrentes), e ficar com parte das mercadorias saqueadas deles. Sendo assim, Inácio forneceu armas para os insurgentes e ofereceu sua propriedade como ponto de encontro dos rebeldes e para armazenar as mercadorias roubadas.

Naquele ano o município de Barreirinha tinha uma população de 5.300 habitantes, produzia cacau, farinha e borracha e tinha como prefeito o senhor João Soares Dutra.

Era o dia 30 de dezembro de 1920, pela manhã, na pacata Vila de Barreirinha. Tudo corria normal quando, inesperadamente, a tranquilidade do local foi quebrada pela chegada de uma coluna com 200 homens que, saindo do mato, invadiram a Vila. Os moradores, pegos de surpresa e amedrontados, viam a Vila ser inteiramente dominada pelos terríveis visitantes. Não sabiam o que eles desejavam, mas logo perceberam que boa coisa não seria pois todos estavam armados com espingardas, terçados, cacetes e chicotes.

Inicialmente os chamados "Bandoleiros do Baixo Amazonas"(como ficariam conhecidos pela imprensa da época) não atacaram ninguém e se dirigiram para a principal praça da Vila onde ali seus principais líderes e oradores começaram a falar, para todos ouvirem, onde protestavam contra sua situação de miséria e a carestia de vida que assolava aquele lugar além do descaso do governo e da exploração que sofriam dos comerciantes de Parintins, Barreirinha e Maués.

Após lançado o protesto e o fim das falas, foi dada a ordem e os bandoleiros (já no controle da Vila) começaram os saques, tiros e violência, se espalhando por Barreirinha em busca dos estabelecimentos comerciais e destruindo tudo o que encontravam pelo caminho.

A pequena guarnição policial e alguns moradores tentaram inutilizar os invasores, procurando rechaçá-los, mas foram infrutíferas todas as tentativas pois os revoltosos estavam bem armados e eram maioria, resultando desse confronto e resistência dos moradores em mortes, pois os invasores já se reconheciam como senhores do lugar e ficaram mais furiosos ainda devido a audaciosa reação de combate dos habitantes de Barreirinha.


UM RENOMADO DENTISTA DA VILA ESCAPA DA MORTE.

Numa das primeiras incursões dos Bandoleiros durante o ataque, o cirurgião dentista Maximiliano Trindade Filho escapou de ser assassinado. Estava ele conversando com dois conhecidos, numa casa comercial, quando subitamente ali apareceu um pequeno grupo de bandoleiros, armados de terçados e chicotes. 

Vendo os rebeldes na porta do comércio tentando invadir o local (porém não haviam ainda conseguido devido a ação da esposa do proprietário que corajosamente se postou à frente deles) o dentista Maximiliano pegou um rifle e deu um tiro para o alto com o fim de espantar os insurgentes que, vendo a detonação da bala, fugiram e desapareceram na mata próxima.

Pouco depois Maximiliano foi avisado por um dos moradores de que um outro grupo maior de bandoleiros, que foram informados da audácia do dentista pelos fugitivos, estava a caminho para assaltar a casa comercial e tirar sua vida.

Avisado a tempo, o referido dentista fugiu com as demais pessoas que se encontravam no estabelecimento, sendo que logo depois que o comércio foi abandonado chegaram ali os rebeldes que depredaram e saquearam todo o local. O proprietário do comércio estava no momento ausente, o que o salvou da morte certa.

 

RESULTADO FINAL DA INVASÃO.

Em outros pontos da Vila de Barreirinha os rebeldes espancaram e atiravam nas pessoas, invadindo e depredando outras casas comerciais, estando o terror estabelecido em Barreirinha cuja população, em desespero, corria para a mata ou se trancavam em suas casas, visando escapar da fúria dos revoltosos.

As casas comerciais dos judeus David Benzaquen e Mário Assayag foram também invadidas e saqueadas, sendo levadas todas as mercadorias e tocado fogo nos livros que continham as anotações dos produtos, saldos e cobranças.

Na verdade, todos os comércios da Vila tiveram o mesmo fim perante os invasores, só restando a seus proprietários fugirem pela mata para salvar suas vidas.

Entre as autoridades presentes na Vila de Barreirinha no momento da invasão estavam o prefeito João Soares Dutra e o Delegado de Polícia Abílio da Costa e Silva, que nada puderam fazer para evitar que os rebeldes levassem a efeito o seu intento.

O saldo final da incursão violenta dos Bandoleiros do Baixo Amazonas, à indefesa Vila, foi de 9 pessoas mortas e vários feridos à bala, terçadadas ou espancamento. Todos os comércios estavam destruídos, casas invadidas e pertences ardendo em fogo. Além do mais os habitantes de Barreirinha, traumatizados e com medo, começaram a abandonar a Vila.

Do lado dos bandoleiros tiveram eles dois membros feridos na troca de tiros com os policiais (que apesar de estarem em minoria não fugiram de seus postos e os enfrentaram). Outro conhecido morador do local a ficar gravemente ferido foi o jovem David Assayag, filho de um importante negociante local, que acabava de regressar de Manaus onde havia prestado o serviço militar no exército, no quartel do 27⁰ Batalhão de Caçadores.

Após o ataque à Vila de Barreirinha as mercadorias pilhadas foram conduzidas de canoas pelos rebeldes e depositadas em barracas nos lugares "Boca do Sapateiro" e "Lago Grande", onde ali os bandoleiros fizeram a distribuição dos produtos entre eles e os moradores daqueles locais.

 

OUTROS PRIMEIROS ATAQUES PRÓXIMOS À BARREIRINHA.

Ainda no dia 30 de dezembro (mesmo dia do ataque à Barreirinha) os bandoleiros invadiram um outro local, às 14 horas, que foi a casa comercial "Nova União", localizada no Paraná do Ramos. O proprietário Salomão Mendes foi pego no momento em que ele fugia por uma janela de seu comércio, sendo ele espancado pelos revoltosos que lhe deram muitas chicotadas. Salomão foi salvo pelo comerciante Francisco Nepomuceno que o levou a Parintins onde ficou em tratamento médico.

No mesmo dia 30 os bandoleiros também atacavam a "Casa São João", no Paraná do Ramos, pertencente à firma "Saragat & Mendes", que foi destruída e pilhada. Porém os revoltosos pouparam somente  as joias e roupas da esposa do proprietário que pediu, por misericórdia, que não levassem, sendo ela atendida pelo líder do bando.

No dia seguinte, 31 de dezembro de 1920, o bando armado invadia um outro estabelecimento no lugar chamado "Boca do Paulo", que era uma casa comercial de Fortunato Assayag. Os bandoleiros atacaram o local às 6 horas da manhã onde travou-se um intenso tiroteio entre eles e os empregados de Fortunato, que acabaram se rendendo. Logo depois os rebeldes tocaram fogo em todos os papéis da firma e conduziram as mercadorias para a beira, no porto, onde banquetearam fazendo grande algazarra e comemoração. 

Após esses primeiros ataques o número de membros dos bandoleiros cresceu para mais de 300.

Todos eles tinham uma marca de identificação:  usavam um chapéu de palha que continha uma cruz azul pregada do lado.

Essa principal coluna de ataque do grupo, que operava no rio Andirá e Paraná do Ramos, era comandada por José Vaqueiro, um piauiense que antes de entrar para o bando residia com a família no Andirá-Mirim.

Depois foram eles baixando pelo Paraná do Ramos fazendo mais incursões violentas, além disso haviam outros subgrupos rebeldes em ação nas zonas rurais de Maués e Parintins.

 

A CHEGADA DE UMA AUTORIDADE DE BARREIRINHA E AS PROVIDÊNCIAS TOMADAS.

No dia 1⁰ de janeiro de 1921, dois dias após o ato de invasão, chegava à Barreirinha o Dr. Pedro da Silva Mendes, juiz Municipal do município que estava em Manaus. Em sua viagem de volta, ao desembarcar em Parintins, o juiz soube do acontecimento macabro em sua Vila e rapidamente embarcou em uma lancha rumo à Barreirinha.

Chegando na Vila o Dr. Pedro viu os estragos que os bandoleiros fizeram e foi logo agindo como autoridade. Mandou fechar e lacrar as casas comerciais saqueadas e tomou outras providências assegurando aos moradores (que estavam aterrorizados) paz, segurança e tranquilidade pois iria pedir auxílio às autoridades do Estado para que tal ato não se repetisse.

 

RUMORES DE UM NOVO ATAQUE À BARREIRINHA E A FUGA DOS COMERCIANTES.

Dias depois rumores diziam que os bandoleiros planejavam um segundo ataque à Vila de Barreirinha. Assustadas com essas notícias várias famílias embarcaram em canoas e batelões conduzindo mercadorias, com destino à outras localidades do Baixo Amazonas. No dia 9 de janeiro de 1921, ao passarem os refugiados de Barreirinha pela Vila de Urucurituba, os moradores do local souberam que os bandoleiros também pretendiam invadir Urucurituba. Devido a isso, comerciantes italianos do lugar enviaram  um emissário à  Parintins com o fim de telegrafar ao cônsul da Itália em Manaus, pedindo garantias para as suas  propriedades.

Autoridades de Barreirinha, visando a defesa da Vila de um novo ataque, organizaram uma guarda armada de moradores locais. Mas o que não se sabia é que alguns desses guardas eram simpáticos à causa dos rebeldes e, secretamente, mandavam munições aos bandoleiros. A guarda foi então dissolvida assim que isso foi descoberto.

 

CONCLUSÃO.

Após vários outros ataques dos bandoleiros e a ameaça deles de invadir Parintins, o governo do Amazonas (através do governador César do Rêgo Monteiro) mandou uma força policial no navio de guerra "Cidade de Manáos", que derrotou a principal coluna de ataque do grupo na boca do lago Meruxinga. Outra força legalista foi mandada pelo governo federal, composta por soldados do Exército que saíram de Manaus rumo ao local do conflito.

Após a derrota dos bandoleiros em Meruxinga e em outros pontos, muitos deles foram vistos em frente à Barreirinha, quase nus, fugindo a nado e atravessando aningais e lagos, para não serem apanhados pelos policiais e pelos soldados do Exército.

Tinha fim o famoso grupo dos chamados "Bandoleiros do Baixo Amazonas" que, como afirmam as fontes da época, tanto terror trouxe aos municípios de Parintins, Barreirinha e Maués e foi o maior bando em ação no Amazonas durante o século XX.

Na cadeia de Barreirinha ficaram presos 40 membros do grupo rebelde, inclusive os principais líderes.


Fontes: Jornal do Commercio (AM), Gazeta da Tarde (AM), Folha do Norte (PA), Correio da Manhã (RJ), A Noite (RJ), Correio Paulistano (SP), livro "Sinopse histórica do município de Barreirinha", de Aurélio Carneiro. 

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