CONFLITO E MORTES NUMA CAÇADA HUMANA DE SERINGUEIROS CONTRA INDÍGENAS

A área compreendida entre o rio Madeira e seus afluentes, situada nos Estados do Amazonas e Rondônia, transformou-se, nas primeiras décadas do século XX, numa verdadeira zona de guerra envolvendo seringueiros e seus patrões contra os indígenas que habitavam aquela região, cujos principais oponentes à presença dos exploradores extrativistas eram os Parintintins, Nhambiquaras e Araras onde ambos protagonizaram vários confrontos sangrentos contra aqueles que definiam como invasores e que eram noticiados quase todos os meses pelos jornais locais.

Esses conflitos, entre os personagens oponentes na mencionada região e período, ainda é um tema pouco pesquisado a fundo pela historiografia regional.

No Estado do Amazonas existia no ano de 1919 um importante seringal situado na margem do rio Castanho, que é um afluente do rio Aripuanã. O proprietário do lugar era o seringalista Agesislau de Carvalho Guilhon que ali empregava vários trabalhadores na exploração do látex, a maioria vindos do Nordeste.

Porém, um pouco próximo do seringal existia a aldeia dos índios Surumí, que há tempos travavam conflitos com os trabalhadores de Guilhon, inclusive eles já haviam invadido a propriedade do seringalista, assim como os empregados do comerciante também já tinham atacado os nativos.

Furioso pela atitude dos indígenas e decidido a dar um basta naquela questão, Agesislau Guilhon resolveu tomar uma atitude radical: exterminar de vez os Surumí daquela aldeia.

 

É ORGANIZADA UMA EXPEDIÇÃO DE EXTERMÍNIO: DESTRUIÇÃO DE UMA MALOCA

Nas imagens ilustrativas estão representações do seringalista Agesislau de Carvalho Guilhon, dos Índio Surumis e de sua maloca incendiada pela expedição punitiva.


No dia 30 de janeiro de 1919 o seringalista reuniu então um grande número de trabalhadores seus para a sinistra empreitada, com todos devidamente armados de rifles. Já com seu exército particular organizado e antes de partirem naquele dia para dar uma lição definitiva nos Surumis, o dono do local e agora chefe do agrupamento armado falou a todos, com ódio, o seguinte: -"A finalidade dessa expedição é acabar com essa raça que empesta e devasta as matas, para não mais cometerem depredações contra a propriedade alheia".

E assim, depois do discurso, Guilhon e seus seringueiros partiram em marcha para a caçada humana, saindo eles do barracão central do seringal e seguindo rumo à maloca dos Surumis.

No caminho, um dos seringueiros lembrou ao seu patrão que os índios só eram rebeldes e atacavam quando atingidos por qualquer provocação. Guilhon ao ouvir isso, ficou furioso, sendo que ele e seus trabalhadores resolveram dar um castigo ao homem que teve a audácia de defender os índios: ele então foi obrigado a ir na frente, como um sentinela avançado, se tornando assim um alvo fácil caso os indígenas o avistassem e atacassem.

Mais alguns minutos de caminhada pela mata bruta e a expedição punitiva enfim aproximava-se do local de moradia dos nativos, onde reinava ali a mais completa paz. Localizada a grande maloca, Guilhon mandou seus homens cercarem a habitação e apontarem seus rifles com a bala na agulha, onde ficaram esperando a ordem do patrão para começar o fogo. Vários deles haviam ingerido bebidas alcoólicas visando, sob o efeito do álcool, ficarem mais afoitos na realização de sua missão.

Mas antes os seringueiros resolveram atrair os Surumis para fora da maloca, para assim se tornarem alvo certeiro das balas. Eles passaram a vociferar em voz alta frases como "Vamos acabar com essa raça “, ou "Mãos à obra companheiros".

Surpreendidos pela presença dos seus inimigos seringueiros, percebendo as ameaças e o perigo iminente que suas vidas corriam, os indígenas tiveram de abandonar a maloca na maior correria o que gerou confusão e desordem, saindo uns pela frente e outros pelos fundos à procura de fugir para dentro da mata.

Nessa ocasião o grupo sitiante recebeu a ordem de Guilhon e fez cerrado fogo, cujas balas mataram alguns índios e feriram uma mulher e seu filho de menor idade que lhe acompanhava na debandada.

Após a fuga total dos Surumis, Guilhon mandou cessar os tiros e na sequência ele e seus seguidores trataram de saquear a habitação dos indígenas, na qual se apossaram de grande quantidade de milho e de algodão. Após o saque, os membros da expedição tocaram fogo na maloca e seguiram rumo ao seu local de partida, no barracão central do seringal de Agesislau Guilhon.

 

INDÍGENAS ARMAM UMA EMBOSCADA E REVIDAM O ATAQUE SOFRIDO

Porém os indígenas que fugiram para a mata, não estavam dispostos a deixar a agressão que foram vítimas passar em branco. Ali mesmo eles se reuniram e decidiram revidar contra a expedição armada e se vingar deles. Eles então, empunhando seus arcos e flechas, se dirigiram para as proximidades de uma estrada na mata por onde sabiam que ia passar o bando no seu regresso do ataque, se posicionando os Surumis escondidos entre as folhagens e prontos para surpreender seus algozes numa emboscada.

E o que os indígenas previam aconteceu. Quando dobraram uma curva da dita estrada, Guilhon e seus comandados foram pegos de surpresa e atacados por uma saraivada de flechas, restando aos seringueiros revidarem com tiros de seus rifles, gerando ali um sangrento combate. Uma das flechas acertou e feriu gravemente o negociante Pedro Firmino de Almeidão colocando fora de ação. Nesse momento os homens da expedição, com maior poder de fogo, avançaram pela selva rumo à posição em que se encontravam os Surumis, atirando e matando 4 indígenas, sendo que os demais acabaram escapando fugindo mata adentro.

Após o fim do espetáculo violento, a expedição retomou o caminho da estrada, levando seu companheiro ferido e deixando os cadáveres dos indígenas mortos como pasto para os urubus.

Já com relação à Agesislau Guilhon, o principal mentor do episódio, o que se sabe depois sobre sua pessoa é que em junho de 1922 ele foi nomeado subdelegado de polícia do Alto Rio Aripuanã, zona que pertencia à comarca de Manicoré.

 

FONTE: Jornal do Commercio.

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