EM 1916,EM MANAUS,REVANCHE ENTRE LUTADOR JAPONÊS E ARGENTINO TERMINA EM PANCADARIA

Imagem do início do século XX, se tem a rua José Clemente na esquina com a rua Barroso, no local onde foi erguido o American Circus.


Baseado em pesquisa do ex-judoca amazonense Rildo Heros (o maior pesquisador da história das artes marciais no Norte do Brasil), no dia 4 de novembro de 1916 chegava em Manaus a bordo do navio a vapor "São Salvador”, indo de Belém do Pará, a trupe do "The American Circus”, uma companhia circense composta de 22 artistas de diversas nacionalidades e que se dedicavam às artes cênicas e demais ramos do entretenimento, havendo entre eles trapezistas malabaristas, palhaços e um lutador. O "American Circus“ percorreu vários estados do Sul e Sudeste do Brasil e vinha de uma temporada de sucesso que fez em Belém. O circo era de propriedade dos senhores Henrique Melo e Antônio Fortes, e tinha como principal empresário o senhor Gastão Gracie, pai de Hélio e Carlos Gracie (personagens fundamentais na história do jiu-jitsu brasileiro).

Assim que a companhia desembarcou em Manaus, se dizia que o circo seria armado na Praça da Saudade ou na Praça Benjamin Constant. Mas nenhum destes dois logradouros vingou e o circo foi armado na rua José Clemente, esquina com a rua Barroso, ao lado do Teatro Amazonas.

Foi então pedido ao chefe de polícia, Dr. Freitas Bastos, a licença para o pleno funcionamento da companhia de diversões, sendo o pedido aceito e a licença liberada para Gastão Gracie.

Com o circo já erguido e a licença de funcionamento concedida, o "American Circus" teve sua primeira sessão de apresentação para o público manauara no dia 6 de novembro(quinta-feira),com grande número de pessoas presentes e sendo um sucesso.

 

ALFREDO LECONTE DESAFIA LUTADORES LOCAIS

Porém fazia parte do grupo de artistas do American Circus um lutador argentino chamado Alfredo Leconte, praticante de Westling (luta com técnicas de agarramentos, arremessos e chaves)e de luta greco-romana, que era conhecido como "Hércules “devido seu grande tamanho e porte físico musculoso. Ele estava disposto a mostrar sua técnica de arte marcial para qualquer desafiante local que topasse lutar com ele na arena.

Neste período residiam em Manaus dois lutadores japoneses de jiu-jitsu chamados Soishiro Satake e Sadazaku Ueynishi(conhecido como Laku). Ambos haviam chegado à capital amazonense em 1915,junto com Conde Koma e outros dois lutadores, para divulgar o jiu-jitsu no Amazonas pois eles estavam fazendo uma turnê pelo Brasil com esta finalidade.

Conde Koma foi embora em sua missão junto com dois amigos, enquanto Satake e Laku resolveram ficar em Manaus. Satake abriu sua academia na sede do Atlético Rio Negro Clube, passando a ensinar o jiu-jitsu para muitos jovens amazonenses. Já Laku tinha sua academia no prédio do Banco do Brasil, na época situada próximo ao porto da cidade, onde também passava seu conhecimento a outros seguidores interessados.

 

SATAKE DECIDE ENFRENTAR LECONTE,MAS ACABA DESISTINDO E SENDO SUBSTITUÍDO POR LAKU

Enfim Leconte lançou um desafio a Satake para os dois se enfrentarem no circo num encontro que foi marcado e anunciado na imprensa, mas Satake queria que o duelo acontecesse no cine Polytheama. Porém Leconte insistiu que fosse no local que ele pediu, no entanto, o japonês não concordou, fazendo o argentino afirmar que esperava que seu oponente voltasse atrás e aceitasse sua proposta.

A luta entre Leconte e Satake, na arena do "American Circus”, ficou programada para acontecer no dia 29 de novembro de 1916.Mas na noite do dia marcado para o duelo, Satake apareceu na arena e disse ao público que não iria lutar por estar doente (ou então não queria assumir o verdadeiro motivo, por não concordar com o lugar da luta), contudo o colega e conterrâneo dele Ueynishi, o Laku, estava ali disponível a lhe substituir na peleja contra o uruguaio. E foi o que aconteceu, ficando decidido que a luta seria por um período de 15 minutos para dois rounds e caso o duelo terminasse empatado seria declarado campeão aquele que não abandonasse o confronto.

E na ilustração de baixo está uma representação dos lutadores Laku e Alfredo Leconte antes do duelo final.



Durante a luta Laku, sem quimono, conseguiu algumas vezes dominar seu adversário, mas Leconte, tendo grande força, não permitia ficar muito tempo subjugado. Num momento, Leconte foi arrastado por Laku em volta da arena, com a cabeça no solo e os ombros suspensos o que gerou grande entusiasmo entre os espectadores. Mas findado o tempo total, Leconte acabou sendo declarado o vencedor.

Todavia o japonês não estava disposto a entregar o ouro tão fácil e logo os dois adversários marcaram um novo desafio, o que foi confirmado.

 

NO SEGUNDO DUELO ENTRE LAKU E LECONTE,JAPONÊS É DERROTADO O QUE GERA TUMULTO E CONFLITO COM VÁRIOS FERIDOS

A luta foi marcada para a noite do dia 1⁰ de dezembro de 1916 (uma sexta-feira) e o espetáculo do circo daquele dia seria em benefício da Santa Casa de Misericórdia.

Estava programado que na primeira parte de apresentações do circo, estrearia o número cômico-musical "zig-zag”. E na segunda parte teria a aguardada revanche entre Laku e Leconte, sendo que a luta duraria o tempo necessário até um dos lutadores sair vencedor.

Finalmente, após a apresentação do número humorístico, pisavam no tablado os dois lutadores, um do Ocidente e outro do Oriente, para a esperada luta. O público era calculado em 2 mil pessoas que aguardavam ansiosos pelo resultado final. Muitos partidários de Laku, entre eles seus alunos, estavam ali torcendo pelo nipônico. Mas também havia torcida para o atleta da Argentina.

Entre os espectadores estavam distintas famílias da alta sociedade de Manaus e também muitos populares, ou seja, pessoas de todas as classes sociais estavam ali representadas.

Começava o combate entre o jiu-jitsu do japonês e as lutas de westling e greco-romana do argentino, estando Laku de quimono e Leconte sem camisa e de short. Partidários de Laku e de Leconte erguiam vivas, vibravam e davam palmas a seus atletas prediletos.

Tinha início a peleja. Decorridos trinta minutos, prazo final para a luta, Leconte deu um salto gigante, acertando e derrubando no solo o lutador japonês que assim foi derrotado. Logo as manifestações do povo se fizeram ouvir com muitas palmas, vivas e gritos de euforia para o vencedor, pois mais uma vez Leconte vencia seu oponente.

Porém alguns alunos de Laku ergueram vivas a seu professor, mesmo sendo ele derrotado, como também davam gritos de animação em honra a ele. Faziam parte deste grupo os indivíduos Antônio José de Castro, Raul Reis, João Reis, Aquiles Cabral, Edgard Sá e Paulo Nascimento.

Naquele espaço se encontravam cerca de 50 mantenedores da ordem formada por policiais civis, agentes de polícia e praças da Polícia Militar. O delegado do segundo distrito entrou no tablado e passou a agir como um general de um exército de elite exigindo que parassem as vibrações dos alunos do japonês. Um policial, avançando sobre um dos rapazes daquele grupo o repreendeu e disse para não gritar e calar a boca. O intimado era Raul Reis que logo rebateu o policial lhe dizendo que sua atitude era arbitrária pois era do regulamento policial de todas as cidades civilizadas o cidadão ter direito de aplaudir ou protestar. Essa contestação foi o suficiente para que o policial agredisse Raul Reis.

Devido a agressão sofrida pelo jovem, estourou a confusão que saiu fora de controle, tomando proporções e rumo alarmante saindo da arena e se estendendo à via pública. Os soldados da polícia, com seus sabres(arma branca cortante) nas mãos, batiam sem parar em todos que viam pela frente na multidão, sem respeitar mulheres, crianças e famílias distintas. O agente de polícia Antônio Vieira, puxou sua arma e deu um tiro contra o grupo dos jovens alunos de Laku, que estavam sendo agredidos pelos sabres dos policiais.

A confusão era total: muita discussão e sopapos, choros, crianças gritando horrorizadas e senhoras desmaiando perante o espetáculo violento. Pessoas corriam para todas as direções no momento das cenas degradantes.

Um policial civil, chamado João Francisco Fausto, esbofeteou com toda sua força uma criança de apenas seis anos, e o delegado do segundo distrito, de pose ameaçadora, gesticulava e ordenava para que seus comandados continuassem os espancamentos.

O povo, vendo o perigo e agressões que sofriam, resolveu revidar e foi para cima enfrentando os policiais que recuaram. Sendo assim, após muito corre-corre, socos, rasteiras, empurrões e até tiro, terminava o alvoroço.

 

RESULTADO FINAL E ACUSAÇÕES DE TRAPAÇA NA LUTA

No final entre alguns dos feridos se tinha os seguintes: Raul Reis(atingido nas costas e mão) Antônio José de Castro (ferido no rosto), Aquiles Cabral(ferido nas costas), Edgard Sá, Paulo Nascimento e João Reis Filho (com hematomas em diversas partes do corpo).

Segundo um noticiário, o principal motivo que fez os alunos de Laku a se revoltarem e apoiar seu professor, foi terem descoberto que Alfredo Leconte, como estava sem camisa, passou banha de tartaruga no corpo para dificultar que o lutador japonês o agarrasse durante o duelo, pois o argentino ficou com o corpo liso. Os jovens partidários de Laku entenderam isto como uma trapaça e ficaram indignados, logo gerando protestos por parte deles e aclamando Laku como o verdadeiro vencedor.

 

CONCLUSÃO

Mesmo após este incidente o American Circus continuou suas apresentações sendo que no dia seguinte ao conflito, em 2 de dezembro, se dava a luta entre Satake e Leconte. A última apresentação da companhia foi dia 3 de dezembro. E no dia 6 de dezembro, a trupe do circo se despedia de Manaus embarcando no vapor 'Antony”, rumo à Belém.

Quanto à Laku ele ainda ficou em Manaus até 1917, quando fechou seu dono e foi embora para a Europa. Talvez um dos motivos que tenha levado ele a abandonar a capital amazonense foi as derrotas que sofreu de Leconte, o que teria achado desmoralizante.

 

FONTES : Jornal do Commercio, Gazeta da Tarde; pesquisa de Rildo Heros.

 



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