NO RIO MADEIRA,NA PROVÍNCIA DO AMAZONAS, ESCRAVOS ANIQUILAM SEU PATRÃO PARA CONQUISTAR A LIBERDADE, MAS ACABAM SENDO DESCOBERTOS

Na ilustração, uma representação dos escravos remando numa canoa e sendo comandados por Francisco rumo à um castanhal do rio Madeira.



O fato ocorreu durante a década de 1870 na zona do rio Madeira, na então província do Amazonas.

Haviam chegado ali na região para explorar castanha e borracha dois irmãos chamados Fonseca e Francisco, que logo se estabeleceram em locais distintos.

Fonseca tinha seu seringal no lugar Pupunhas localizado no Médio Madeira, numa ilha do mesmo nome. O local era depósito de embarque da castanha e da borracha vindas dos rios Puruzinho e Ipixuna e que ficava armazenada no paiol aguardando a chegada dos navios a vapor para ser embarcada.

Havia ali, além do barracão central, a residência de seu proprietário Fonseca, que era uma casa com uma larga varanda, coberta de telhas portuguesa e móveis finos que oferecia conforto à família do dono. Também tinha no local o campo onde ficava o gado e uma ponte feita de madeira de Itaúba que ligava o barracão à margem do rio no ponto em que atracavam os navios.

Devido ao comércio e prestígio de seu dono, Pupunhas se tornou parada obrigatória dos navios que subiam e desciam navegando o rio Madeira.

Já Francisco, o outro irmão, chegou ainda moço no rio Madeira e inicialmente foi explorar castanha e borracha no lugar Piraíbas. Depois ele se fixou na localidade de Caranapatuba onde passou ali a trabalhar arduamente.

 

EXPLORADOR EXTRATIVISTA LEVA ESCRAVOS PARA TRABALHAR EM SUA PROPRIEDADE SENDO ASSASSINADO POR ELES

Ilustração de outra representação de Francisco organizando o trabalho e dando ordens a seus escravos na colheita de produtos da mata. 



Mas Francisco levou uma turma de escravos negros, que passaram a ser de sua propriedade, para fazer o trabalho duro em Caranapatuba. Estes escravos dormiam ao lado do patrão nas barracas e tapiris, Sempre sendo vigiados por ele.

Francisco tratava seus escravos com o maior cuidado e não era considerado um patrão sádico com seus trabalhadores. Porém um certo dia ele teve de castigar a cinturadas um dos escravos que estava tramando e instigando os outros a se revoltarem e fugir.

Mas os escravos, cansados daquela vida dura, de maus-tratos que passaram em outros lugares e de sofrimento, queriam aquilo que todo ser humano tem direito: a liberdade. Mas para conquistá-la naquela ocasião, seria necessário primeiro se ver livre de seu proprietário.

Embora os cativos considerassem Francisco um patrão tolerante com eles, chegaram à conclusão que teriam de matá-lo pois se fugissem e o deixassem vivo, com certeza o próprio patrão empreenderia uma expedição armada com seus jagunços para capturá-los e castigá-los, além da fuga ser comunicada à polícia que também sairia no encalço deles.

Os escravos então decidiram que não havia outra saída se queriam a tão sonhada liberdade e combinaram que atacariam e dariam um fim em Francisco quando ele voltasse do seringal, para depois se evadirem do lugar e levando o que fosse necessário para se manter nos dias que tivessem em fuga pelos rios e matas. E foi o que aconteceu.

Num determinado dia, ali em Carapanatuba, no caminho quando voltava do trabalho, Francisco foi atingido na cabeça por uma paulada desferida por um de seus escravos, caindo ele desacordado e não oferecendo nenhuma reação. Na sequência um outro escravo deu-lhe uma terçadada fatal na cabeça, ficando a vítima sem vida, em sangue e silêncio. Estava consumado a primeira parte do plano.

Mais tarde, reunidos, os escravos se mostraram apavorados e arrependidos do crime, afinal mesmo sendo dono daqueles cativos, afirmavam que o falecido era bom com eles. Além do mais, se descoberto e pego, os autores do assassinato com certeza pagariam com torturas e morte assim que fossem localizados e presos.

Eles então resolveram queimar o corpo de Francisco para não deixar nenhum vestígio do assassinato pois se fosse jogado no rio, o corpo poderia boiar ou ficar engatado no meio das canaranas, o que denunciaria o crime e seus autores. Decidiram que o melhor seria mesmo pô-lo numa fogueira e espalhar para as pessoas das imediações que Francisco se perdera na mata.

Os escravos resolveram dizer para os índios Mundurucus (que habitavam aquela zona)que Francisco tinha desaparecido e que eles dessem esse recado para todas pessoas que encontrassem. Mas os indígenas, sabendo do real motivo do assassinato, não atenderam ao pedido dos escravos e se dirigiram em sua canoa ao seringal de Fonseca.

Enquanto isso o mesmo Fonseca esperava a chegada de Francisco que prometera a seu irmão voltar a Pupunhas em seu batelão carregado dos produtos colhidos, e dali levaria mercadorias para Carapanatuba. Mas passaram-se os dias e não apareceu a embarcação e nem se ouvia a buzina dela anunciando a sua chegada e atracação.

 

INDÍGENAS REVELAM O ASSASSINATO PARA O IRMÃO DA VÍTIMA QUE ORGANIZA UMA EXPEDIÇÃO PARA PRENDER OS ESCRAVOS

Enfim a igarité dos Mundurucus, ao fim da tarde, encostou na escadaria da ponte de Pupunhas. O índio Jovino saltou em terra, cumprimentou os carregadores do barracão e logo se dirigiu para a residência do velho Fonseca dizendo para ele o seguinte:

" - Patrão, os negros mataram tio Chico e vão queimar o corpo dele amanhã. Eles se apossaram de tudo em Carapanatuba e estão prontos para fugir ".

Ao ouvir a notícia da morte de seu irmão, Fonseca ficou em estado de choque e logo o ódio tomou conta de si. O seringalista então organizou uma expedição punitiva formada por seus empregados que, armados, naquele mesmo dia à noite embarcaram com seu patrão indignado numa canoa para o local do crime, a fim de surpreender os escravos antes da fuga.

Por volta da meia-noite a canoa com os expedicionários chegou em Carapanatuba, encostando perto do barracão onde naquele momento os escravos ali dentro dormiam.

Fonseca e seus homens cercaram a barraca e logo deram tiros para cima. Quando os negros acordaram com o barulho da detonação das balas é que perceberam a enrascada que agora estavam.

Ao verem Fonseca e seus jagunços armados, os escravos atiraram-se ao chão implorando por suas vidas e denunciavam, aos gritos e choros, os autores do plano para assassinar Francisco.

Fonseca, olhando com ódio, perguntou qual o motivo de eles terem feito aquilo e o escravos responderam assim:

"- Nós queríamos fugir, mas não podíamos com o patrão Chico vivo pois ele dormia com um olho fechado e com o outro nos vigiava. Nós tínhamos medo, apesar do patrão Chico ser broma-as não havia outro jeito".

Fonseca mandou amarrá-los e os entregou às autoridades da Vila de Manicoré. O corpo de Francisco, já em decomposição, não tinha como ser transportado e foi sepultado ali mesmo em Carapanatuba.

Anos depois os ossos foram exumados e transportados para o seringal de Fonseca, em Pupunhas, num baú de couro, onde ficou depositado num quarto fechado da residência do seringalista para ser enterrado, no cemitério do lugar, junto com seu irmão no dia que ele falecesse.

 

FONTE: Livro "Gente dos seringais”, de Álvaro Maia.

 



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