UMA PARTEIRA DO RIO MADEIRA QUE DEU A VIDA PARA SALVAR SEUS FILHOS
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Maria Parintintin com as crianças na canoa.
Quando a exploração da borracha e da castanha se intensificou na Amazônia, centenas de desbravadores e aventureiros penetraram nas áreas mais distantes e inóspitas da região, em busca do ouro negro e de uma estabilidade econômica.
Na zona do rio Madeira, no Estado
do Amazonas, os exploradores extrativistas e seus empregados tiveram que lidar
com a resistência feroz de vários grupos indígenas que não os queriam ali,
gerando conflitos e mortes entre exploradores e nativos.
Desses indígenas os mais famosos
e resistentes eram os "Parintintins”, etnia valente e guerreira que sempre
combateu a presença do homem branco em sua área, ainda mais quando os
seringalistas armavam expedições de jagunços para invadir suas aldeias e
aprisionar os indígenas para trabalharem nos seringais. Os Parintintins, em
resposta, invadiam os seringais matando a todos que ali moravam, incendiando os
barracos dos trabalhadores e levando suas cabeças decepadas como troféus.
Sendo assim, desde o século XIX (quando
começou a corrida da exploração do látex) os Parintintins eram banidos à bala
de suas aldeias nos rios Marmelos e Maici e também nas imediações do seringal
"Três Casas”, no rio Madeira, indo eles se refugiarem no sudoeste daquela região.
Porém houveram casos em que Parintintins abandonaram suas aldeias e foram morar
com os ditos civilizados em seus seringais. Para os demais Parintintins esta
atitude de deserção e traição desses indígenas de sua etnia não tinha perdão e
quando eles atacavam os seringais e encontravam os Parintintins desertores o
resultado era só um : a execução.
UMA INDÍGENA QUE FUGIU DE SUA
ALDEIA
Naquela época, início do século XX,
existia no Amazonas(e ainda existe)o Lago dos Reis, encravado nos sertões do
seringal Paraíso, onde o dito lago liga-se ao rio Madeira por um braço de um
igarapé estreito.
Uma indígena dos Parintintins,
não se sabe o motivo, por várias vezes tentou abandonar sua aldeia e seu povo,
até que um certo dia conseguiu seu intento passando ela a conviver com os
seringueiros nordestinos e caboclos que moravam em seringais e comunidades da
região do Lago dos Reis. Quando ali chegou e foi aceita, a indígena abandonou
os costumes de seu povo, passando a se vestir como os brancos, aprendendo o
idioma português, se tornando católica e sendo batizada com um novo nome:
Maria. Contudo, devido a sua origem, passou a ser conhecida por todos como
"Maria Parintintim".
Com o tempo Maria Parintintim se
tornou a melhor parteira do Lago dos Reis e adjacências, não havia ali pessoa
melhor para aquele ofício. Ela recebia chamados para partos o ano inteiro.
Todavia se durante o serviço de parto a criança resistisse em sair, Maria
rezava e assobiava para as entidades do fundo do rio(prática herdada da pajelança
indígena),amaciando a barriga da mulher com banha de jiboia e maguari. Ela, então,
encostava a cabeça na barriga da grávida e dizia: "- Sai bichinho teimoso,
deixa tua mãe, sai logou morre afogado eu vou te arpoar-te morre fedendo eu vou
te enterrar...".E então se ouvia os berros do recém-nascido vindo ao
mundo.
Maria Parintintin tinha três
filhos menores sendo a mais velha chamada Ritinha que já ajudava a mãe no
trabalho cortando talos de tabaco e outros serviços típicos das comunidades
ribeirinhas.
O APARECIMENTO DE UM FEROZ
JACARÉ
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A fera que atacou as vítimas na canoa. |
Mas naquele período os pescadores
do lago passaram a alertar os moradores sobre a aparição de um grande
jacaré-açu de 5 metros que por ali andava chocando seus ovos. Temendo o perigo
que passavam, os caboclos tentaram por várias vezes pegar e matar o bicho dando
tiros de espingarda para acertá-lo, mas as balas nunca o atingiam, além dele
conseguir escapar de anzóis e de arpoadas. O jacaré costumava colocar a cabeça
para fora d'água quando via alguma canoa cortando o lago com pessoas a bordo,
fazendo seus olhos faiscarem pois o instinto do animal dizia que ali havia
alimento pra saciar sua fome.
Um certo dia, à tardinha, Maria Parintintim
aceitou o convite de uma moradora do braço de cima do lago chamada Teodora,
para ela se fazer presente com seus filhos para a comemoração do
"mijo" de um curumim que estava pra nascer.
Maria então embarcou com seus
três filhos em sua canoa, ficando ela na popa e abrindo as águas lodosas do lago,
sem correnteza, em fortes remadas.
O ATAQUE INESPERADO DO JACARÉ-
HEROÍSMO FATAL DE UMA MÃE
Tudo estava calmo. Mas de repente
boiava nas águas o já temido e descomunal jacaré que logo investiu um ataque
contra a frágil canoa, sendo que o ataque foi tão feroz que o réptil arrancou,
com uma possante dentada, um pedaço da canoa. O pânico tomou conta dos quatro ocupantes,
a casa mais próxima da margem do lago estava fechada pois os donos, que podiam
dali dar tiros para afugentar o animal, haviam saído, além do mais Maria Parintintim
não havia trazido nenhuma arma como um terçado ou espingarda para se defender.
Arrebentada a canoa com a dentada
do réptil, a pequena embarcação começava a alagar e o jacaré se preparava para
sua segunda investida contra a debilitada igarité o que, com certeza,
garantiria saciar sua fome.
Maria, vendo que com um novo
ataque do animal a canoa seria destruída e seus ocupantes cairiam n'água se
tornando eles presa fácil para a fera, tomou uma atitude desesperadora e
suicida.
Naquele momento Maria resolveu
enfrentar o grande animal, pois chegou à conclusão que distraindo ele daria
tempo para seus filhos remarem e chegarem à margem são e salvos. Ela sabia que
suas chances de sobreviver seriam mínimas, mas prevaleceu seu amor de mãe para
proteger e salvar seus filhos como também sua ascendência Parintintin ferveu em
seu sangue, de índios guerreiros que não temiam nenhum inimigo ou ameaça nas
batalhas e os enfrentavam com valentia e sem medo.
Quando o jacaré se preparava para
dar o bote final e garantir seu alimento, Maria falou para sua filha o
seguinte:
"-Ritinha tu é a mais velha,
quando o bicho avançar de novo, vou me atracar com ele. Tu aproveita e rema
ligeiro e não olha para trás, quando chegar na beira sobe o barranco com teus
irmãos, eu vou depois ".
Vindo o jacaré com força total
para destroçar em definitivo a canoa, Maria atirou-se sobre a cabeça do animal
tentando forçar para que sua boca não abrisse, mas tudo em vão pois o réptil
era bem maior e tinha uma força monstruosa. O jacaré a pegou em cheio, dando
sobre Maria o "giro da morte" enquanto seus filhos, remando aflitos,
ainda ouviram o barulho dos gemidos da mãe e dos ossos da mulher sendo
quebrados e triturados pela força da mandíbula da fera. Depois, o bicho
desapareceu nas águas do lago levando com ele o corpo de Maria Parintintim que
nunca mais foi encontrado.
Quanto às crianças, conseguiram
chegar na margem salvas, mas lamentando com tristeza o brutal fim de sua
querida genitora.
CONCLUSÃO
A triste história de Maria Parintintin
correu o beiradão de todo o rio Madeira, sendo sua atitude encarada pelos
moradores locais como um dever natural de uma verdadeira mãe, que se imolou à
fera para salvar três crianças do seu sangue.
FONTE: Livro "Gente dos seringais”,
de Álvaro Maia.
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