EM 1869, NA REGIÃO DO RIO PURUS, NA PROVÍNCIA DO AMAZONAS, ATAQUE DE INDÍGENAS A UM SERINGAL DESENCADEIA UMA EXPEDIÇÃO MILITAR ARMADA PARA EXTERMINÁ -LOS

 


Ilustração da moradia de um seringueiro, em 1868, na margem de um rio da Província do Amazonas.


No século XIX, ainda no período monárquico e com o começo do aumento da produção de borracha na região amazônica, se teve a necessidade de desbravar e explorar locais onde haviam grande concentração de seringueiras, e um desses locais era a área do rio Purus, na então Província do Amazonas.

Sendo assim comerciantes, aventureiros e trabalhadores para lá se dirigiram, instalando ali seus seringais e começando a exploração do látex.

Entre os pioneiros desbravadores do Purus estavam o comendador cearense João Gabriel de Carvalho Mello (explorador e colonizador do Acre), o coronel maranhense Antônio Pereira Labre (fundador da cidade de Lábrea) e o cafuzo Manoel Urbano (fundador da cidade de Canutama).

Mas também viviam ali diversas etnias indígenas que muitas vezes eram contrárias à presença dos exploradores e seringueiros em sua zona, o que acabou gerando muitos conflitos e mortes de indígenas e seringueiros( pois na época houveram vários  casos de índios invadirem os seringais, matando a todos os trabalhadores, como também os seringueiros invadiam aldeias, tocando fogo ali e assassinando os índios).Algumas das etnias do Purus hostis à presença dos exploradores extrativistas estavam os Jamamadis e os Apurinãs.

E entre alguns desse exploradores estava o comerciante português Cesário José de Mesquita que acompanhado de sua mulher, chamada Emiliana de Freitas, moravam em uma casa no seringal Teuiá, que era de sua propriedade, localizado na margem do rio Purus. Ali ele comandava seus trabalhadores e organizava o processo da extração da borracha. 

 

O ATAQUE DOS JUMAS À PROPRIEDADE DE CESÁRIO MESQUITA

Tudo ocorria na maior tranquilidade quando, no dia 2 de outubro de 1869, algo inesperado aconteceu. Às 8 horas da manhã o negociante português e sua esposa foram surpreendidos por vários índios Jumas(que vinham tendo conflitos com os seringueiros),que invadiram e atacaram o seringal.

O português Cesário resistia ao ataque estando   ele armado e repelindo os Jumas, mas acabou recebendo diversas flechadas, caindo ele ao solo ferido sendo na sequência assassinado por diversos golpes. Já sua esposa Emiliana também foi cercada e assassinada pelos indígenas. Quanto aos trabalhadores do seringal, só lhes restou fugirem de suas barracas para salvar suas vidas.

Após o fim do ataque, os Jumas degolaram Cesário, sua esposa e um seringueiro, levando suas cabeças como troféus e embrenharam -se na mata seguindo rumo à sua aldeia.

Todas as cenas de morte foram presenciadas pelo caixeiro de Cesário Mesquita, de nome José Agostinho, que conseguiu escapar com vida devido ter ficado escondido atrás dos mosqueteiros da barraca, logo depois sendo ele localizado pelos vizinhos das redondezas que chegaram ali após o fim da chacina.

Porém a notícia do ataque dos Jumas ao seringal e a morte de seu proprietário e de sua esposa chegou ao conhecimento do subdelegado daquela região, chamado Manoel Francisco da Rocha Thury.


AUTORIDADE DA ZONA DO PURUS ORGANIZA UM GRUPO ARMADO E ENTRA EM CONFRONTO COM OS INDÍGENAS

O subdelegado então organizou um contingente de 44 homens armados e seguiu com eles para o local do ocorrido, no dia 14 de outubro.

Ao chegar no seringal Teuiá, Manoel Thury e seus homens viram e confirmaram aquilo que tinham escutado e, já tendo as provas do ataque, o subdelegado e seus comandados saíram do local às 11 da manhã do dia 15 de outubro com a finalidade de encontrar os índios e prendê-los(se possível matá-los).

Entrando pela floresta foram eles caminhando até que, no dia 17 de outubro,encontraram os Jumas nas cabeceiras do igarapé Mapixé, que foram surpreendidos em uma de suas aldeias. Começou então a troca de tiros e flechadas. Mesmo cercados e resistindo aos tiros,os indígenas em sua maioria conseguiram fugir,abandonando suas malocas,sendo que alguns caíram mortos.O subdelegado Manoel Thury penetrou na aldeia,agora deserta,onde encontrou flechas ainda com o sangue das vítimas e os crânios,já em decomposição,do português,de sua esposa e de seu trabalhador.

Já agora com a prova material do crime,o subdelegado resolveu então vir para Manaus,a capital da Província do Amazonas,e comunicar o fato ao governador.


A NOTÍCIA DA MORTE DO COMERCIANTE CHEGA  NA CAPITAL DA PROVÍNCIA

No dia 10 de outubro de 1869,Manoel Thury chegava à Manaus em um navio a vapor.Ele então se apresentou às autoridades onde trouxe e mostrou ao presidente da Província do Amazonas,João Wilkens de Matos,e ao chefe de polícia,Dr.Rodrigues,os três crânios das vítimas do ataque dos Jumas.

Ao presenciar a comprovação material da morte do conceituado seringalista e de sua esposa,o governador e o chefe de polícia decidiram que os indígenas mereciam um castigo,pois Cesário Mesquita era bem quisto pelas autoridades da Província e também era um conhecido e estimado comerciante local.

O governador resolveu tomar as providências e  organizou uma expedição punitiva com uma só finalidade,ou seja,encontrar os Jumas e exterminá-los,como castigo e vingança e também com a justificativa do governante de tranquilizar os trabalhadores daqueles  locais(calculados em cerca de 6 mil seringueiros).

Foi organizado um contingente da Polícia do Amazonas,comandados por um oficial,o alferes Joaquim José Carneiro Monteiro,e tendo o subdelegado Thury à frente pois a área do massacre ficava em sua jurisdição.

O presidente Wilkens de Matos justificou sua decisão em carta enviada aos membros da corporação comercial do Amazonas,que pediam a ele uma atitude contra o assassinato de Cesário Mesquita.A carta dizia o seguinte:

   " A providência que tomei, de acordo,com o Sr.Dr.chefe de polícia, para restabelecer a tranquilidade no seio de uma numerosa e industriosa população qual é a do Alto Purus,teve por principal fim também poupar graves prejuízos à quem estaria irremediavelmente sujeita à indústria extrativa nesse vastíssimo rio,indústria que fornece o principal alimento ao comércio e da qual provém a riqueza pública e particular".


SAÍDA DO CONTINGENTE  POLICIAL DE MANAUS E SUA CHEGADA NA ZONA DO CONFLITO

A força policial,bem equipada e armada,embarcou no navio de guerra e a vapor "Pará ",que saiu do porto de Manaus no dia 15 de outubro às 18 horas,entrando a embarcação pelo rio Solimões e,no dia seguinte à noite, entrava pela boca do rio Purus.Além do contingente policial,o navio também levava o comendador João Gabriel de Carvalho Mello,que voltava do Ceará(sua terra natal) trazendo 53 cearenses recrutados para trabalhar em seus seringais.



Retrato de João Wilkens de Matos, presidente da Província do Amazonas, que ordenou a ida de uma expedição punitiva contra os índios Jumas. 


Navegando pelo Purus acima,o vapor passou pelo seringal Arimã e depois pelos locais Boa Vista,Tauá-Mirim e Itataba,onde voltou a Arimã   no dia 20 de outubro deixando ali alguns praças da Polícia do destacamento que levava.

Logo depois o navio seguiu viagem chegando ao seringal Tauariá no dia 22 de outubro.Ali ficou o comendador João Gabriel de Carvalho Mello (proprietário do seringal)com seus novos trabalhadores.

Depois disso,o navio a vapor recebeu combustível e seguiu viagem de volta chegando novamente à Arimã em 1⁰de novembro,onde desceu e ficou o restante do contingente policial.

Ali o subdelegado e o comandante Joaquim  Monteiro,do destacamento policial,trataram de organizar a melhor maneira de encontrar os índios e também de reunir e recrutar seringueiros das imediações para se juntar a eles na perseguição aos Jumas.


EXPEDIÇÃO PUNITIVA PARTE NO ENCALÇO  AOS JUMAS, MAS NÃO OS ENCONTRA

Então,no dia 12 de novembro,partiu de Arimã a expedição punitiva,bem armada e municiada, para a sua missão de extermínio,seguindo eles em duas grandes canoas pelo lago Mapixí.

Depois de navegarrem algumas horas,desceram em terra e seguiram a pé até o local que aconteceu o confronto entre o pessoal do subdelegado Manoel Thury e os Jumas,onde só encontraram algumas sepulturas com os corpos enterrados dos  Jumas mortos durante o conflito.

Prosseguindo a diligência pelas pequenas estradas abertas pelos índios,e penetrando cada vez mais na mata fechada,a expedição encontrou algumas barracas dos indígenas que indicava que eles estariam por perto ou tinham fugido para o centro da mata.

Continuando a marcha,os soldados e seringueiros voluntários chegaram nas cabeceiras do rio Jacaré onde encontraram um outro barracão dos Jumas, além de uma canoa e rastros deles.Tudo indicava que os índios,ao notarem a aproximação da expedição,evadiram-se procurando as terras do Paraná-Pichuna,lugar onde,segundo as informações que a expedição tinha recebido,se encontrava sua maior e principal aldeia.

Estando já a expedição caminhando em marcha forçada há 6 dias a coisa começou a piorar pois o mantimento dos militares tinha acabado com a fome atacando muitos,alguns começaram a adoecer e outros estavam praticamente esgotados.Vendo aquela situação o comandante Joaquim Monteiro percebeu que as coisas poderiam piorar mais ainda pois sabia que a expedição tinha sido descoberta pelos índios, devido na noite anterior,quando os soldados descansavam,notarem o rastro de índios num caminho feito por eles e que seguiam para a beira do rio onde,com certeza,teriam embarcado numa canoa.Para o comandante os tais índios com certeza seriam espiões dos Jumas para comunicar a seu cacique por onde os soldados estavam.Havia muito milho ali,o que não restava dúvida de que seu aldeamento estava próximo.

Mas o comandante,devido às dificuldades já mencionadas que seus subalternos estavam passando,resolveu não arriscar seguir adiante pois não tinha certeza da localização exata dessa aldeia dos Jumas,podendo eles se perderem ou então estarem sendo atraídos pelos índios para uma emboscada quando estivessem mais adentro da floresta,num local em que os policiais desconhecessem e não soubessem como sair,o que facilitaria para eles serem cercados e massacrados pelos indígenas.

Não mais querendo se arriscar,o comandante(apoiado pelo subdelegado Manoel Thury) então ordenou o regresso da tropa para o ponto que partiram,no seringal Arimã. Ali eles embarcaram de volta no mesmo navio de guerra "Pará",que chegou à Manaus no dia 29 de novembro às 8 da noite,sendo a expedição recebida pelas autoridades que ficaram  frustradas por ela não ter conseguindo cumprir sua missão e intento.Mas mesmo assim,a imprensa da época elogiava a intenção da expedição e de seu comandante.

CONCLUSÃO

Nos anos seguintes,os conflitos sangrentos entre indígenas e seringueiros se intensificariam mais no Amazonas, principalmente na área do rio Madeira.


Fonte: Correio de Manáos, Jornal do Commercio.








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