UM FAMOSO ESCÂNDALO, EM 1915, NUMA NOITE BOÊMIA DA MANAUS ANTIGA - A PANCADARIA NA PENSÃO FLOREAUX

No início do século XX a cidade de Manaus, embalada pelo fastígio econômico da exportação da borracha, usufruía de várias casas e clubes de diversões,muitas delas frequentadas por jovens e famílias de destaque no meio social local.

Mas entre essas casas havia aquelas dedicadas à clientela boêmia e aos notívagos da cidade, onde se esbaldavam ali na bebida, danças e aos braços de suas prostitutas preferidas: eram os bordéis, ou casas de tolerância, frequentadas por prostitutas das mais diversas origens e  por homens de todas as classes sociais.

Destas a mais célebre da época foi a badalada "Pensão da Mulata",de propriedade da cafetina Ana Maria da Conceição, e que funcionou de 1902 a 1908,sendo depois fechada devido aos  inúmeros conflitos que ali tiveram. 




À esquerda está a foto de Thaumaturgo Vaz, um dos envolvidos no conflito. À direita está a ilustração de Chiquinha Mussuã, a dona da pensão Floreaux.


A ORIGEM DA PENSÃO

Mas logo depois Manaus via surgir um outro estabelecimento que ia entrar para a história dos frequentadores e da noite boêmia da cidade naquele período, era a "Pensão Floreaux".

A Pensão ficava localizada na Estrada de Epaminondas, n⁰29(hoje Avenida Epaminondas).

A casa de diversões foi inaugurada no dia 24 de julho de 1910,sendo sua primeira proprietária Adelaide Fontoura.Nesses primeiros anos ali se realizaram excelentes serviços de "buffet",animado por orquestras,sendo o local palco de suntuosos banquetes que eram anunciados nos jornais.

Porém anos antes,havia funcionado no mesmo prédio da Pensão uma outra famosa casa de prostituição chamada "City Club" e que também foi palco de um famoso crime,em 1907,que abalou a cidade de Manaus quando o maranhense José do Patrocínio Maia(escriturário da Alfândega)foi atingido mortalmente por uma bala perdida desferida pelo dentista colombiano Arthur Carreno após este discutir com a prostituta conhecida como Emília Portuguesa,que se encontrava em uma mesa com dois homens, sendo que um deles se levantou entrando em briga com o dentista que logo sacou o revólver, ocasionando o assassinato.

Mas em 1911 a Pensão Floreaux passaria para a direção da conhecida cafetina "Chiquinha Mussuã" ,ficando agora o local mais liberal,frequentado por homens de destaque no meio social que ali iam se divertir com muita bebida e com as garotas da mencionada dona da Pensão.

O nome de Chiquinha era Francisca  Lopes,que era nascida na localidade de Brejo,no Maranhão.Casou-se com um sargento, logo sendo abandonada por ele.Sendo assim,ela foi para o Pará onde começou sua vida na prostituição e,depois,veio para o Amazonas, já residindo há muito tempo na capital.

A Pensão recebia várias denúncias devido às constantes  jogatinas,bebidas em excesso e crimes que de vez em quando ali aconteciam,mas que eram abafados da polícia (com certeza devido a envolver figuras de destaque da sociedade manauara).

A imprensa afirmava que o motivo da polícia não fechar o local era que Chiquinha Mussuã  se dizia muito protegida, ou seja,certamente  devido aos seus já mencionados clientes ilustres.

Porém um conflito no famigerado bordel envolvendo dois personagens muito conhecidos da cidade não teve como ser abafado,sendo de conhecimento de todos e estampado em todos os noticiários, ocasionando um escândalo que passou a ser o principal comentário em toda cidade  por dias devido,principalmente,os envolvidos serem dois cavalheiros de famílias tradicionais.


A BRIGA ENTRE DOIS INDIVÍDUOS  NA MADRUGADA  : QUESTÕES POLÍTICAS E FAMILIARES ENVOLVIDAS

Na madrugada do dia 3 de abril  de 1915 o jovem Antônio José da Silva Nery,solteiro e de 24 anos,se dirigiu à  afamada Pensão Floreaux.Antônio  era conhecido pelo apelido de "Landri", e era funcionário federal da Alfândega. Ele era filho do ex-governador e senador Silvério Nery, pertencente a uma das mais tradicionais famílias  do Estado e da vida política amazonense.Seu pai se encontrava com a família  de viagem para o Sul do país  exercendo sua função política pelo Amazonas.Porém Landri era um "bon vivant",amante da vida noturna e da boemia.

Landri chegou no estabelecimento por volta de meia noite e meia e logo sentou em uma mesa onde estavam amigos seus.

Ali,no estabelecimento,estava também o  famoso Thaumaturgo Vaz,pessoa influente do meio intelectual de Manaus. Thaumaturgo era natural do Piauí e tinha 46 anos,era casado mas também um amante das noitadas regadas a cerveja onde era comum lhe ver,com amigos, na "Cervejaria Bohemia" e no "Itatyaia". Ele era poeta,dramaturgo e jornalista,bacharel em Direito pela Faculdade de Recife e membro da Academia Amazonense de Letras. Foi procurador da República ,diretor da Imprensa oficial e do Teatro Amazonas. Publicou diversos versos, poesias,hinos, cancionetas e revistas. Era conhecido pelo apelido de "Patureba" e assinava como "Th: Vaz".

Voltando à pensão, Landri Nery resolveu se levantar da mesa que estava e se retirou prometendo voltar.Mas um dos amigos notou a demora do jovem e foi verificar o que havia acontecido.

Ao penetrar no corredor onde haviam os quartos das prostitutas que ali realizavam seu  ofício,viu  Landri em luta  corporal  com Thaumaturgo.Dado o alarme,inúmeras pessoas correram para o local da briga,quando um homem imobilizou Landri pelas costas,fazendo com que Taumaturgo desse um violento  chute na barriga do jovem,que fez Landri sucumbir ao solo em dor.

Ao se levantar o agredido,Taumaturgo lhe disse: " -Você vem me provocar aqui neste lugar,rasgando minha roupa para que eu não possa sair"?

Seguiu-se então uma reconciliação entre os dois brigões que apertaram as mãos,declarando Landri que não estava armado.

Um amigo de Landri convenceu ele a se retirar no qual foi atendido.O amigo foi então procurar o chapéu do jovem que deveria estar no jardim  da casa,onde ele estava a princípio. Foi quando ele ouviu uma voz de mulher que,aos gritos,dizia: "-esmaga,mata esse bandido!".

Tratava-se de nova agressão de Thaumaturgo Vaz que dessa vez tinha saído de um dos quartos armado de revólver, avançado sobre seu desafeto e dizendo que iria lhe dar um tiro na boca.Os dois então atracaram-se na briga novamente,quebrando mesas e cadeiras.

E os dois,rolando em luta corporal,desceram ao jardim onde Landri errou um chute que daria no seu adversário, caindo ele ao solo.Thaumaturgo aproveitou a ocasião e caiu sobre Landri com a arma na mão e o jovem,em desvantagem  e desesperado,tentava por baixo  o desarmar.Mas Taumaturgo encostou o cano da arma no pescoço de seu oponente e disparou.Eram duas horas da manhã. Ferido,Landri foi carregado por seus amigos para a Santa Casa de Misericórdia, enquanto o agressor voltava para o quarto de onde tinha saído e logo depois desapareceu.

Ao chegar à  Santa Casa Landri Nery foi atendido pelos médicos Barroso Nunes,Figueiredo Rodrigues e Xavier de Albuquerque,que fizeram os curativos,extraindo a bala do pescoço, e o declararam fora de perigo.

A repercussão do caso era o assunto principal em todas as rodas de conversas de Manaus,ainda mais pelo fato dos envolvidos serem da alta sociedade amazonense.


CONSEQUÊNCIAS  E FECHAMENTO DA FLOREAUX

Nos dias seguintes Landri foi muito visitado na Santa Casa pois era muito conhecido e popular na cidade,onde ficou internado por uma semana sem poder falar.Já Thaumaturgo Vaz se recolheu para sua residência onde não mais saiu (devido a  repercussão negativa de sua pessoa durante o fato acontecido).Na manhã do dia seguinte o delegado de Polícia e seu escrivão estiveram  na casa de Thaumaturgo,que pediu à  autoridade que voltasse mais tarde pois não iria atendê -los.

Já na Pensão os empregados do estabelecimento se negaram a dar entrevistas do ocorrido à imprensa.Mas entre a população a maioria  dos comentários eram desfavoráveis à  Thaumaturgo. 

Na delegacia do segundo distrito prestaram depoimentos, perante o delegado, o Coronel Armindo de Barros,Otávio Pires,a proprietária Chiquinha Mussuã ,e também as prostitutas Ana Ferreira e Aida Juracy. 




Anúncio do Jornal do Commercio, de 1911, da Pensão Floreaux (quando o estabelecimento ainda pertencia a sua primeira proprietária).

 

A imprensa comentava que era questão de tempo para acontecer uma animosidade maior entre Thaumaturgo Vaz e a família Nery,por questões políticas. Inclusive Thaumaturgo costumava defamar, no jornal "O Tempo",um outro filho do senador Silvério Nery.

Um jornal da cidade foi em defesa do jovem Landri,acusando Thaumaturgo de traidor e alcoólatra,inclusive afirmava que quando o agressor esteve em dificuldades financeiras  escrevia para o governador Silvério Nery pedindo dinheiro no qual ele recebia e gastava nas jogatinas,bebidas e mulheres. E o jornal pedia providências do governador Jonathas Pedrosa,se possível a demissão imediata do cargo que Thaumaturgo ocupava (naquele momento era diretor da secretaria do Palácio do governo).

Antônio Nery recebeu alta voltando à  residência de sua família,enquanto Thaumaturgo não chegou a ser preso mas apenas prestou depoimento.

O periódico humorístico "A Marreta"(que sempre estava atento ao que acontecia nas casas e zonas alegres de Manaus) publicou os seguintes versos sobre o acontecimento:

        "Depois que presenciamos

        O Th: valentão,

        Na casa da Mussuan,

        É  que acreditamos lendo os jornais da  manhã : com fracos não se bulam,não!".

A repercussão negativa deste caso foi tanta que a Pensão Floreaux  fechou suas portas dois meses depois.

Não era a primeira vez que Thaumaturgo Vaz se envolvia em brigas, pois em 1912, numa madrugada, Thaumaturgo estava acompanhado de colegas no bar "Bohemia" quando houve uma desavença entre ele e um grupo de comerciantes portugueses que reagiram e o agrediram. O episódio resultou em tiros disparados pelos amigos do poeta contra os comerciantes que, felizmente, não acertaram ninguém. 

Mas em julho de 1918 o antigo prédio da Pensão voltava a funcionar para outra finalidade pois agora era sede social do  Nacional Futebol Clube,ficando a sede do clube ali até o ano de 1921.

Hoje,no local onde funcionou a  famosa pensão alegre existe apenas um grande terraço.


Fontes : Jornal do Commercio,Gazeta da Tarde, A Marreta.




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A IMIGRAÇÃO ITALIANA NO AMAZONAS

PENSÃO DA MULATA - O PROSTÍBULO MAIS POLÊMICO E FAMOSO DE MANAUS DURANTE OS PRIMEIROS ANOS DO SÉCULO XX

TERROR NO RIO MANACAPURU - AS ATROCIDADES DO SERINGALISTA ANICETO DE BRITO NO AMAZONAS