UM FAMOSO ESCÂNDALO, EM 1915, NUMA NOITE BOÊMIA DA MANAUS ANTIGA - A PANCADARIA NA PENSÃO FLOREAUX
No início do século XX a cidade de Manaus, embalada pelo fastígio econômico da exportação da borracha, usufruía de várias casas e clubes de diversões,muitas delas frequentadas por jovens e famílias de destaque no meio social local.
Mas entre essas casas havia aquelas dedicadas à clientela
boêmia e aos notívagos da cidade, onde se esbaldavam ali na bebida, danças e
aos braços de suas prostitutas preferidas: eram os bordéis, ou casas de
tolerância, frequentadas por prostitutas das mais diversas origens e por homens de todas as classes sociais.
À esquerda está a foto de Thaumaturgo Vaz, um dos envolvidos no conflito. À direita está a ilustração de Chiquinha Mussuã, a dona da pensão Floreaux. |
A ORIGEM DA PENSÃO
Mas logo depois Manaus via surgir um outro estabelecimento
que ia entrar para a história dos frequentadores e da noite boêmia da cidade
naquele período, era a "Pensão Floreaux".
A Pensão ficava localizada na Estrada de Epaminondas,
n⁰29(hoje Avenida Epaminondas).
A casa de diversões foi inaugurada no dia 24 de julho de
1910,sendo sua primeira proprietária Adelaide Fontoura.Nesses primeiros anos
ali se realizaram excelentes serviços de "buffet",animado por
orquestras,sendo o local palco de suntuosos banquetes que eram anunciados nos
jornais.
Porém anos antes,havia funcionado no mesmo prédio da Pensão
uma outra famosa casa de prostituição chamada "City Club" e que
também foi palco de um famoso crime,em 1907,que abalou a cidade de Manaus
quando o maranhense José do Patrocínio Maia(escriturário da Alfândega)foi
atingido mortalmente por uma bala perdida desferida pelo dentista colombiano
Arthur Carreno após este discutir com a prostituta conhecida como Emília
Portuguesa,que se encontrava em uma mesa com dois homens, sendo que um deles se
levantou entrando em briga com o dentista que logo sacou o revólver, ocasionando
o assassinato.
Mas em 1911 a Pensão Floreaux passaria para a direção da
conhecida cafetina "Chiquinha Mussuã" ,ficando agora o local mais
liberal,frequentado por homens de destaque no meio social que ali iam se
divertir com muita bebida e com as garotas da mencionada dona da Pensão.
O nome de Chiquinha era Francisca Lopes,que era nascida na localidade de
Brejo,no Maranhão.Casou-se com um sargento, logo sendo abandonada por ele.Sendo
assim,ela foi para o Pará onde começou sua vida na prostituição e,depois,veio
para o Amazonas, já residindo há muito tempo na capital.
A Pensão recebia várias denúncias devido às constantes jogatinas,bebidas em excesso e crimes que de
vez em quando ali aconteciam,mas que eram abafados da polícia (com certeza
devido a envolver figuras de destaque da sociedade manauara).
A imprensa afirmava que o motivo da polícia não fechar o
local era que Chiquinha Mussuã se dizia
muito protegida, ou seja,certamente
devido aos seus já mencionados clientes ilustres.
Porém um conflito no famigerado bordel envolvendo dois
personagens muito conhecidos da cidade não teve como ser abafado,sendo de
conhecimento de todos e estampado em todos os noticiários, ocasionando um
escândalo que passou a ser o principal comentário em toda cidade por dias devido,principalmente,os envolvidos
serem dois cavalheiros de famílias tradicionais.
A BRIGA ENTRE
DOIS INDIVÍDUOS NA MADRUGADA : QUESTÕES POLÍTICAS E FAMILIARES ENVOLVIDAS
Na madrugada do dia 3 de abril de 1915 o jovem Antônio José da Silva Nery,solteiro
e de 24 anos,se dirigiu à afamada Pensão
Floreaux.Antônio era conhecido pelo
apelido de "Landri", e era funcionário federal da Alfândega. Ele era
filho do ex-governador e senador Silvério Nery, pertencente a uma das mais
tradicionais famílias do Estado e da
vida política amazonense.Seu pai se encontrava com a família de viagem para o Sul do país exercendo sua função política pelo
Amazonas.Porém Landri era um "bon vivant",amante da vida noturna e da
boemia.
Landri chegou no estabelecimento por volta de meia noite e
meia e logo sentou em uma mesa onde estavam amigos seus.
Ali,no estabelecimento,estava também o famoso Thaumaturgo Vaz,pessoa influente do
meio intelectual de Manaus. Thaumaturgo era natural do Piauí e tinha 46
anos,era casado mas também um amante das noitadas regadas a cerveja onde era
comum lhe ver,com amigos, na "Cervejaria Bohemia" e no
"Itatyaia". Ele era poeta,dramaturgo e jornalista,bacharel em Direito
pela Faculdade de Recife e membro da Academia Amazonense de Letras. Foi procurador
da República ,diretor da Imprensa oficial e do Teatro Amazonas. Publicou
diversos versos, poesias,hinos, cancionetas e revistas. Era conhecido pelo
apelido de "Patureba" e assinava como "Th: Vaz".
Voltando à pensão, Landri Nery resolveu se levantar da mesa
que estava e se retirou prometendo voltar.Mas um dos amigos notou a demora do
jovem e foi verificar o que havia acontecido.
Ao penetrar no corredor onde haviam os quartos das
prostitutas que ali realizavam seu
ofício,viu Landri em luta corporal
com Thaumaturgo.Dado o alarme,inúmeras pessoas correram para o local da
briga,quando um homem imobilizou Landri pelas costas,fazendo com que Taumaturgo
desse um violento chute na barriga do
jovem,que fez Landri sucumbir ao solo em dor.
Ao se levantar o agredido,Taumaturgo lhe disse: " -Você
vem me provocar aqui neste lugar,rasgando minha roupa para que eu não possa
sair"?
Seguiu-se então uma reconciliação entre os dois brigões que
apertaram as mãos,declarando Landri que não estava armado.
Um amigo de Landri convenceu ele a se retirar no qual foi
atendido.O amigo foi então procurar o chapéu do jovem que deveria estar no
jardim da casa,onde ele estava a
princípio. Foi quando ele ouviu uma voz de mulher que,aos gritos,dizia:
"-esmaga,mata esse bandido!".
Tratava-se de nova agressão de Thaumaturgo Vaz que dessa vez
tinha saído de um dos quartos armado de revólver, avançado sobre seu desafeto e
dizendo que iria lhe dar um tiro na boca.Os dois então atracaram-se na briga
novamente,quebrando mesas e cadeiras.
E os dois,rolando em luta corporal,desceram ao jardim onde
Landri errou um chute que daria no seu adversário, caindo ele ao
solo.Thaumaturgo aproveitou a ocasião e caiu sobre Landri com a arma na mão e o
jovem,em desvantagem e
desesperado,tentava por baixo o
desarmar.Mas Taumaturgo encostou o cano da arma no pescoço de seu oponente e
disparou.Eram duas horas da manhã. Ferido,Landri foi carregado por seus amigos
para a Santa Casa de Misericórdia, enquanto o agressor voltava para o quarto de
onde tinha saído e logo depois desapareceu.
Ao chegar à Santa
Casa Landri Nery foi atendido pelos médicos Barroso Nunes,Figueiredo Rodrigues
e Xavier de Albuquerque,que fizeram os curativos,extraindo a bala do pescoço, e
o declararam fora de perigo.
A repercussão do caso era o assunto principal em todas as
rodas de conversas de Manaus,ainda mais pelo fato dos envolvidos serem da alta
sociedade amazonense.
CONSEQUÊNCIAS E FECHAMENTO DA FLOREAUX
Nos dias seguintes Landri foi muito visitado na Santa Casa
pois era muito conhecido e popular na cidade,onde ficou internado por uma
semana sem poder falar.Já Thaumaturgo Vaz se recolheu para sua residência onde
não mais saiu (devido a repercussão
negativa de sua pessoa durante o fato acontecido).Na manhã do dia seguinte o
delegado de Polícia e seu escrivão estiveram
na casa de Thaumaturgo,que pediu à
autoridade que voltasse mais tarde pois não iria atendê -los.
Já na Pensão os empregados do estabelecimento se negaram a
dar entrevistas do ocorrido à imprensa.Mas entre a população a maioria dos comentários eram desfavoráveis à Thaumaturgo.
Na delegacia do segundo distrito prestaram depoimentos, perante o delegado, o Coronel Armindo de Barros,Otávio Pires,a proprietária Chiquinha Mussuã ,e também as prostitutas Ana Ferreira e Aida Juracy.
Anúncio do Jornal do Commercio, de 1911, da Pensão Floreaux (quando o estabelecimento ainda pertencia a sua primeira proprietária). |
A imprensa comentava que era questão de tempo para acontecer
uma animosidade maior entre Thaumaturgo Vaz e a família Nery,por questões
políticas. Inclusive Thaumaturgo costumava defamar, no jornal "O
Tempo",um outro filho do senador Silvério Nery.
Um jornal da cidade foi em defesa do jovem Landri,acusando
Thaumaturgo de traidor e alcoólatra,inclusive afirmava que quando o agressor
esteve em dificuldades financeiras escrevia
para o governador Silvério Nery pedindo dinheiro no qual ele recebia e gastava
nas jogatinas,bebidas e mulheres. E o jornal pedia providências do governador
Jonathas Pedrosa,se possível a demissão imediata do cargo que Thaumaturgo
ocupava (naquele momento era diretor da secretaria do Palácio do governo).
Antônio Nery recebeu alta voltando à residência de sua família,enquanto
Thaumaturgo não chegou a ser preso mas apenas prestou depoimento.
O periódico humorístico "A Marreta"(que sempre
estava atento ao que acontecia nas casas e zonas alegres de Manaus) publicou os
seguintes versos sobre o acontecimento:
"Depois que presenciamos
O Th: valentão,
Na casa da
Mussuan,
É que acreditamos lendo os jornais da manhã : com fracos não se bulam,não!".
A repercussão negativa deste caso foi tanta que a Pensão
Floreaux fechou suas portas dois meses
depois.
Não era a primeira vez que Thaumaturgo Vaz se envolvia em brigas, pois em 1912, numa madrugada, Thaumaturgo estava acompanhado de colegas no bar "Bohemia" quando houve uma desavença entre ele e um grupo de comerciantes portugueses que reagiram e o agrediram. O episódio resultou em tiros disparados pelos amigos do poeta contra os comerciantes que, felizmente, não acertaram ninguém.
Mas em julho de 1918 o antigo prédio da Pensão voltava a
funcionar para outra finalidade pois agora era sede social do Nacional Futebol Clube,ficando a sede do
clube ali até o ano de 1921.
Hoje,no local onde funcionou a famosa pensão alegre existe apenas um grande
terraço.
Fontes : Jornal do Commercio,Gazeta da Tarde, A Marreta.
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