EM MANAUS, NO ANO DE 1929, VETERANO DA GUERRA DO PARAGUAI É ENCONTRADO NO BAIRRO DE SÃO RAIMUNDO EM SITUAÇÃO DE PENÚRIA


Ilustração mostrando um combate dos soldados brasileiros contra o Exército Paraguaio, durante a Guerra do Paraguai.


No mês de junho de 1929 os redatores do "Jornal do Commercio", de Manaus, resolveram mandar um repórter seu para o bairro de São Raimundo,com o intuito de fazer uma matéria sobre os principais aspectos do local.

E assim o repórter se dirigiu ao local,acompanhado de um morador da área,e visitou moradias,instituições e pontos principais do bairro suburbano.

Porém um fato interessante mais lhe chamou atenção. Ao estar caminhando pela rua 5 de Setembro soube que um ex-soldado do exército imperial brasileiro,e que participou do famoso conflito do Paraguai,vivia numa das casas da rua.

Surpreendido pela notícia,resolveu o repórter ir fazer uma visita ao anônimo personagem.

A Guerra do Paraguai (1864-1870),foi o maior conflito bélico que houve na América do Sul, onde Brasil,Argentina e Uruguai se uniram contra o Paraguai, que saiu derrotado e praticamente destruído. Todas as províncias do Brasil enviaram soldados e cerca de 50 mil perderam a vida.O Amazonas enviou um total de 1.300 homens,sendo que somente 55(os únicos sobreviventes) voltaram à Manaus em 1870,após o fim da guerra.

O repórter então penetrou na casa,que era uma das mais humildes do bairro,e foi recebido com satisfação pelo ex-voluntário da pátria.Ele se chamava José Antônio Segundo,nascido no Estado de Pernambuco,de cor negra e tinha 80 anos,além de ser cego dos dois olhos.

A pedido do repórter começou a falar de sua trajetória na guerra.

Disse que quando a guerra começou estava na Província do Ceará, morando com sua mãe e dois irmãos mais velhos.Seus irmãos foram chamados para a guerra e ele ficou para tomar conta da mãe,ambos nunca mais souberam notícias deles.

Quando sua mãe faleceu (pois sua saúde foi afetada pela falta de informação dos filhos), José Antônio decidiu seguir para a frente de combate, procurando o major Wanderley e se alistando como Voluntário da Pátria, sendo integrado ao 26⁰ Batalhão de Voluntários. Era o ano de 1868 e ele tinha 19 anos.

 

O EMBARQUE E SUA PARTICIPAÇÃO NO CONFLITO.

José então embarcou em Fortaleza no vapor "Bahia", junto com outros voluntários (cerca de 400), e seguiu rumo ao Rio de Janeiro. Do Rio eles seguiram para o cenário da guerra, em território paraguaio. Chegou numa tarde logo após um sangrento combate em Curupaity, que inicialmente foi vencido pelos paraguaios mas nas batalhas seguintes terminou com a vitória dos brasileiros. O comandante, como primeira ordem, mandou que ele e outros companheiros recolhessem os corpos dos mortos e que fossem sepultados, e que eram mais ou menos uns mil espalhados pelo campo de luta ficando eles fazendo o serviço até altas horas da noite.

Devido a uma ordem de seus superiores, os soldados tiveram que queimar os corpos restantes que não puderam ser enterrados. Sendo assim, o novo voluntário vindo do Ceará e seus colegas, fizeram uma montanha de cadáveres e tocaram fogo, onde um nauseante cheiro de carne humana assada impestou o ar.

Na manhã do dia seguinte os recém-chegados voluntários foram se reunir e ser incorporados às outras tropas, ficando eles sob o comando do famoso Duque de Caxias (na época Marquês).

Na madrugada do dia seguinte, José Antônio e os demais soldados brasileiros estavam dormindo em seu acampamento quando, ao som de alvorada dos clarins, despertaram sob um cerrado ataque surpresa dos paraguaios. A luta, então,se estendeu ao amanhecer e entardecer do dia, com os paraguaios sendo rechaçados e fugindo. Os brasileiros foram a  encalço deles, decididos a não deixarem o inimigo escapar, perseguindo-os até Humaitá.

Quando José,seus companheiros e superiores,chegaram em Humaitá,a Marinha do Brasil já havia se apossado do Forte,tendo os  paraguaios escapados pelo chaco de Santa Tereza,com destino à Villa Rica.

Os brasileiros se dirigiram à Villa Rica,mas não encontraram mais os inimigos,pois os paraguaios já tinham partido para a localidade de Villeta.

Na ponta de Itororó, entre Villa Rica e Villeta,os paraguaios se mantinham  escondidos prontos para surpreender Caxias e seus comandados.Havia ali uma ponte que era passagem obrigatória para a tropa.Os paraguaios,camuflados e aproveitando a ocasião,explodiram a ponte no momento da travessia do exército inimigo,morrendo muitos brasileiros,sendo que o jovem pernambucano e o próprio comandante Caxias(além do General Gurjão) escaparam da morte por milagre.

Mais adiante em Itororó,após sangrento combate,o exército do Paraguai foi derrotado fugindo eles para Villeta.Os brasileiros atacaram Villeta pela madrugada,tendo os paraguaios fugidos dali para Lomas Valentinas.



Notícia de primeira página do Jornal do Commercio, de Manaus em 1929, sobre a situação do ex-voluntário da pátria que vivia anonimamente no subúrbio da capital do Amazonas.


JOSÉ ANTÔNIO RECEBE ELOGIO DE CAXIAS, É PROMOVIDO PELO COMANDANTE  E FERIDO EM COMBATE

Quando chegaram em Lomas,Caxias designou José Antônio para ser sentinela,junto com outros dois companheiros,na margem do rio Paraguai.Após 24 horas os sentinelas tinham que ser substituídos por outros.

Os locais onde estavam postados os sentinelas era longe de um para outro,em pontos isolados e que faziam medo na escuridão da noite.

Passada a hora os dois sentinelas foram substituídos,mas José Antônio foi esquecido,ficando ele ali no seu posto de vigilância mais tempo do que devia.

Mas no dia seguinte,quando Caxias perguntou pelo voluntário pernambucano,foi finalmente notada a sua falta.Só assim se deram conta e lembraram dele em sua solitária missão.Quando José chegou no acampamento  Caxias bateu no seu ombro e disse: -"Destes  soldados é que precisamos",e o promoveu para o posto de aspençada(uma antiga graduação militar)devido ele não ter abandonado seu dever e se mantido firme na vigilância mesmo sabendo que seu horário já tinha passado,pois sabia que se saísse dali,sem deixar alguém em seu lugar e o local desguarnecido,seus companheiros corriam sério risco de sofrerem uma investida surpresa dos inimigos.

Na batalha de Lomas Valentinas,em dezembro de 1868,José mencionou que no último dia da luta o presidente paraguaio Solano López estava cercado mas que ele conseguiu escapar por um flanco que vinha sendo ocupado pela cavalaria brasileira,e que por uma ordem recebida essa cavalaria havia se retirado para a margem do rio,deixando o caminho aberto e  facilitando a mencionada fuga de Solano(mas  José aproveitava e dava ao repórter uma versão pessoal e polêmica sobre a fuga do inimigo) .

Porém nessa mesma batalha José foi ferido com um tiro no olho esquerdo,perdendo a visão.Ele então foi transportado para o vapor "Anicota",que era um navio da Marinha que no conflito foi transformado em hospital flutuante. De lá o voluntário da pátria foi chamado pelo Conde D'Eu,que era agora o novo comandante das tropas  do Brasil,para se fazer presente na capital do Paraguai,Assunção (que estava ocupada pelas tropas brasileiras).Chegando em Assunção,em 1869,José ficou em inspeção,sendo ele mandado para o Rio de Janeiro onde foi dispensado,e de lá pagaram sua passagem de um navio a vapor para o Ceará.

 

A VINDA PARA O AMAZONAS

Após o fim da guerra José Antônio Segundo   resolveu vir morar no Amazonas.Ele embarca num barco a vapor e,após dias de viagem navegando pelo rio Amazonas,chega à cidade  de Manaus no ano de 1871,passando a residir no bairro de São Raimundo.

Agora ele vivia de ajuda dos vizinhos, pois tinha sido esquecido pelas autoridades e não recebia nenhuma pensão do governo. Em 1926 quando o já eleito presidente Washington Luiz esteve em Manaus, José Antônio falou com ele que prometeu que assim que voltasse ao Rio de Janeiro e assumisse a presidência ia resolver sua questão.Porém nada foi feito e ele chegou inclusive a escrever para o presidente para lhe lembrar da promessa,mas não obteve nenhuma resposta.

O veterano da guerra também procurou autoridades do Exército,mas só escutava promessas  de que  iriam resolver.

Além da tristeza e mágoa de ter sido esquecido  pelos governantes à pensão que tinha direito,José também lembrava comovido de seus dois irmãos que nunca mais soube notícias, pois com certeza morreram na guerra.

O repórter após ouvir o relato falou para o ancião o seguinte: -" Você, meu velho,ainda há de ter as honras que lhe devem",e acrescentou no final da matéria: "A casa de José Antônio Segundo era das mais pobres de São Raimundo.Ele,um patriota,que verteu seu sangue pelo Brasil, naquele estado...vivendo de esmolas...".

 

OUTRO VETERANO DO PARAGUAI EM SITUAÇÃO DE MISÉRIA NO AMAZONAS

Em 1905 vivia também em Manaus outro ex-combatente do Exército Brasileiro na Guerra do Paraguai. Seu nome era Luiz Estevam da Silva, tinha mais de sessenta anos, era natural do Ceará e residente no Bairro da Cachoeirinha.

Luiz partiu para a guerra quando tinha 23 anos, participando de cerca de 15 combates, e dando baixa do Exército em 7 de maio de 1870, após o fim do conflito.

Vivia ele com sua segunda esposa em um casebre bem pobre, onde cultivava uma pequena roça de subsistência. Narrava para os curiosos, com riqueza de detalhes, as datas de combates, nomes de generais, descrições das batalhas e incidentes menores.

Porém havia ele sido também esquecido pelo governo do Brasil, vivendo de parcos recursos e lutando para receber uma pensão digna a qual tinha direito.



Túmulo, no Cemitério São João Batista em Manaus, de um ex-combatente da Guerra do Paraguai, o amazonense José Paes de Azevedo.


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Fonte: Jornal do Commercio.

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