A CABANAGEM NO AMAZONAS - POR DUAS VEZES MANAUS É INVADIDA PELOS CABANOS
Considerada a maior revolução
popular que aconteceu no Pará, em toda Amazônia e no Brasil, a Cabanagem
(1835-1840), teve como principal consequência a revolta da população pobre da
Província do Grão-Pará (a maioria formada por caboclos, negros, tapuias e
indígenas), contra as autoridades constituídas e a elite local, acusadas por
eles de exploração e desmandos.
A revolução iniciou-se em janeiro
de 1835 quando os cabanos invadiram a capital da Província, Belém, assassinando
o presidente do Grão-Pará, Lobo de Souza, e tomando o poder.
A partir daí, os cabanos
invadiram outras cidades e Vilas das adjacências de Belém, gerando conflitos
com as tropas fiéis ao império brasileiro, ocasionando assim muitas mortes de
lado a lado, transformando a Amazônia em um grande banho de sangue humano.
Logo depois os cabanos se
direcionam para outras partes da Província, chegando nas comarcas do Baixo
Amazonas (hoje região Oeste do Pará) e Alto Amazonas (hoje Estado do Amazonas),
gerando também sangrentos combates nas duas comarcas e tendo os insurgentes
conquistado várias vilas e povoados.
CABANOS, AOS POUCOS, VÃO
CHEGANDO AO ALTO AMAZONAS
Os cabanos ocuparam uma grande
parte da ilha do Marajó, apossando-se dos campos do Ararí, que era uma área de muitas
fazendas e muita criação de gado. É dessas fazendas, já tomadas pelos insurgentes,
que vai o sustento da alimentação dos cabanos que se encontravam refugiados em
acampamentos na ilha de Tatuoca.
Porém os cabanos são atacados e
expulsos do Ararí e de toda a costa do Marajó por tropas do governo. Eles então
seguem navegando de subida onde atacam a Vila de Macapá, sofrendo eles uma
derrota dos defensores do lugar. Eles então continuam seu caminho, seguindo
adiante pelo rio principal, vagando no labirinto de ilhas da região de Gurupá e
agora considerando-se seguros de qualquer investida dos batalhões do império,
seguem de subida o rio Amazonas com destino à fortificação de Icuipiranga na
comarca do Baixo Amazonas.
Conforme eles vão navegando,
desde sua passagem pela Vila de Gurupá, os cabanos vão ganhando adesões em suas
fileiras fazendo o contingente rebelde aumentar muito. Seduzidos então pelos
ideais cabanos, eles se tornam milhares naqueles comboios de canoas e pequenos barcos.
Mas eles ainda não têm um líder para lhes organizar, impor a disciplina e
direcioná-los a determinados locais. Porém acaba surgindo esse chefe, chamado
Miguel Apolinário "Maparajuba”, que também assinava pelo pseudônimo de
"Firmeza".
QUEM ERA APOLINÁRIO
MAPARAJUBA?
Maparajuba era um soldado do
império que desertou quando servia na divisão de infantaria da Vila de Santarém,
fugindo e depois se juntando aos cabanos. Ele possuía uma pequena propriedade
com pés de cacau e mandioca. Era disciplinado e tinha espírito de liderança.
Costumava usar trechos da bíblia quando passava mensagens aos cabanos com o
intuito da obediência deles e de incentivo e também passar a ideia de que a
causa que lutavam era justa. Em uma das citações bíblicas de Maparajuba ele
dizia: "A desobediência lançou Lúcifer no inferno e pela desobediência de
Adão entrou o pecado no mundo". Lógico, como mencionado, a mensagem tinha
como propósito a obediência dos cabanos para com seu líder conforme suas ordens.
Sempre finalizava suas mensagens dando vivas ao imperador Dom Pedro II, à
igreja católica e aos brasileiros nativos.
Já elevado ao cargo de principal
chefe dos cabanos no Baixo Amazonas e da fortificação de Icuipiranga,
Maparajuba tinha como seu lugar-tenente um ex-escravo chamado Bernardo Sena.
BERNARDO SENA, SUA ORIGEM
Como se mencionou, o negro
Francisco Bernardo Sena era um escravo liberto que foi deportado da Província
de Pernambuco devido a um assassinato que teria cometido. Foi ele então
extraditado para a Amazônia onde foi trabalhar administrando fazendas de gado
na região do Rio Branco (hoje Roraima), onde saiu devido acusações de que havia
praticado corrupção.
Ele acabou se juntando aos
cabanos e se diz que ele esteve no ataque cabano a Santarém, em dezembro de 1835,
quando os rebeldes foram derrotados.
Bernardo foi preso pelo juiz e
chefe da força policial de Santarém, Rodrigues de Souza, e mandado sob escolta
armada para a capital Belém.
Mas, quando os cabanos ficaram de
posse de Belém, Bernardo Sena foi solto por eles e decidiu que voltaria para o
Baixo Amazonas. Chegando na comarca, Bernardo se dirigiu para Icuipiranga onde
se encontrou com a força cabana decidida a defender a sua causa.
Bernardo foi então incorporado
àquela força revolucionária, e mais do que isso, como bom articulador que era,
ele tinha agora sob seu comando um batalhão de 2 mil cabanos que desejam
aclamá-lo seu chefe, porém ele recusa a honraria e prefere se dirigir como
líder de uma expedição até a comarca do Alto Amazonas com a função de estender
a revolução cabana em território amazonense.
Mas antes disso, Sena tinha que
estudar o terreno que pretendia conquistar. Ele então, junto com outros
companheiros, chegou à Vila de Manaus, disfarçado de um humilde trabalhador.
Como espião, estudou todos os principais pontos da Vila e cercanias, a
movimentação das autoridades, dos soldados e do quartel, como também analisou o
número e disponibilidade das tropas de defesa. Quando perguntado pelos
moradores de onde teria vindo, com certeza dizia que era um refugiado das ações
dos cabanos em sua comarca de origem.
Como se escreveu em antigos documentos,
Sena não era um negro qualquer como muitos imaginavam pois em seus discursos cooptava
seus ouvintes melhor que os líderes cabanos em Belém mostrando-se um excelente orador,
além dele saber ler e escrever.
Mas o juiz e chefe de polícia de Manaus,
Henrique João Cordeiro, descobriu vários cabanos infiltrados entre a população
da Vila, conseguindo o juiz prender eles, entre os quais Bernardo Sena que era
detido mais uma vez. Bernardo ficou preso por três dias em um calabouço, sendo
então mandado acorrentado para um lugar afastado onde ficava vigiado e depois
era remetido de Manaus para Belém. Porém durante o trajeto, Bernardo acaba
sendo solto em Icuipiranga, próximo à Santarém. Não se sabe o motivo que levou
os soldados que o escoltavam a soltá-lo, mas talvez o prisioneiro, com seu dom
de ter uma boa conversa, tenha seduzido eles para seu ideal, passando os
militares a confraternizar com os motivos das lutas dos cabanos.
Sendo assim, agora em liberdade,
Bernardo organizava a sua já mencionada expedição cabana com destino à comarca
do Alto Amazonas.
A VILA DE MANAUS E O INÍCIO DA
CABANAGEM
Em 1833 o Grão-Pará, unidade
administrativa do império do Brasil, foi dividido em três partes: Província do
Grão Pará, Comarca do Baixo Amazonas e Comarca do Alto Amazonas.
Belém era a capital de toda a unidade,
e Manaus foi escolhida como a sede da comarca do Alto Amazonas, subordinada ao
governo em Belém.
Com a criação da Comarcão antigo
Lugar da Barra foi confirmado para ser a capital, sendo então elevado à
categoria de Vila e mudando o seu nome para Manaus (homenagem aos índios
guerreiros que habitavam aquela região).
Como capital do Alto Amazonas, a
Vila de Manaus foi dotada de um juizado de Direito, um juizado de órfãos e uma
promotoria pública. Todas as ordens e leis que expeliam em Belém chegavam, no
Alto Amazonas, primeiro em Manaus e dali é que a câmara da Vila enviava os
ofícios para as demais localidades da comarca.
Era o dia 7 de janeiro de 1835 e
os cabanos invadiram a capital da Província, Belém, assassinando autoridades e
tomando o poder. No fim de março, na capital amazonense, o juiz Henrique
Cordeiro tomou conhecimento da queda de Belém e do assassinato do presidente da
Província, através de um ofício enviado pelo padre Prudêncio e de uma carta
escrita por um antigo morador da Vila chamado Porfírio. A autoridade tratou
logo de tomar as primeiras providências de defesa da comarca do Alto Amazonas.
Ele então marcou duas sessões na câmara de Manaus para informar às autoridades
e população sobre os acontecimentos em Belém e a gravidade da situação, cujas
sessões aconteceram nos dias 4 e 13 de abril.
Após as reuniões na câmara todos
concordaram em permanecer na Vila e apoiar o governo legal contra os cabanos. O
comandante militar da comarca, major Manuel Machado da Silva Santiago, ao saber
da morte de seu irmão (Joaquim José da Silva Santiago) que era comandante de
armas em Belém, ficou indignado e prometeu combater os cabanos, caso eles
chegassem em Manaus. A câmara municipal da Vila também mandou sua mensagem de
solidariedade para os legalistas que combatiam os cabanos.
Logo depois, no fim das mesmas sessões,
a câmara de Manaus enviou cópias da ata para as outras vilas e povoados da
comarca convocando-os também a seguirem o exemplo da população de Manaus, no
que foram atendidos pois todas as localidades do Alto Amazonas juraram
fidelidade ao governo imperial. O documento também alertava da aproximação dos
cabanos na comarca.
No dia 4 de maio de 1835 a câmara
da Vila de Luséa (atual cidade de Maués) fazia uma sessão extraordinária onde
se afirmou que seus habitantes fariam guerra e resistência contra o governo
cabano de Malcher e Vinagre. Mas apesar da disposição de seus defensores Luséa
cairia sob domínio dos revolucionários cerca de nove meses depois, se tornando
o local um dos mais fortes pontos de concentração dos cabanos no Amazonas.
Mas uma baixa inesperada aconteceu.
Em maio o mesmo comandante que tinha jurado combater os cabanos na comarca a
ferro e fogo, acabou numa noite abandonando seu posto e seguiu rumo ao rio Tocantins,
talvez com medo de ter o mesmo destino que seu irmão morto em Belém ou de
combater os insurgentes ali.
Sobrou então para o juiz Henrique
Cordeiro, que teria mais uma função sob sua responsabilidade.
As autoridades de Manaus mandam
um ofício, em 6 de julho de 1935, para a câmara de Luséa pedindo que colocassem
um destacamento armado no posto de Tupinambarana (hoje cidade de Parintins),
para evitar a entrada dos cabanos na comarca do Alto Amazonas.
Mas em 3 de outubro de 1835, a
câmara de Manaus se negou a ajudar as forças legais que combatiam os cabanos no
Baixo Amazonas, alegando que alguns guardas nacionais da comarca estavam
ausentes para tratarem de seus negócios comerciais enquanto outros se
encontravam doentes devido a uma epidemia de bexiga.
Em outubro de 1835 a câmara de
Manaus se reunia novamente, a pedido do juiz Henrique, para os vereadores
ouvirem o que dizia uma carta que havia chegado, avisando que em Juruti o padre
Sanches recebera a notícia da segunda invasão dos cabanos à Belém acontecida em
agosto.
O juiz, prevendo que não
demoraria para os cabanos baterem à porta da comarca, tratou de preparar a
defesa e fazer inspeções nas localidades. Em junho de 1835 ele visitou a Vila
de Luséa e, em janeiro de 1836, se dirigiu até a freguesia de Serpa (hoje
cidade de Itacoatiara) para apaziguar um conflito interno, contudo aproveitou e
organizou a defesa de Serpa pois já sentia o perigo sabendo que os cabanos
estavam na região do Tapajós, próximo ao Alto Amazonas.
Depois dessa missão, o juiz
voltava para Manaus.
No centro, o líder Bernardo Sena, rodeado pelos cabanos, assim que dominou Manaus. |
CABANOS, ENFIM, SE APOSSAM DA
VILA DE MANAUS
Enquanto isso, no Baixo Amazonas,
os cabanos se preparam para conquistar a última comarca que faltava: o Alto
Amazonas.
Para isso Bernardo Sena organiza
uma considerável expedição de seus homens, em armados e preparados para os
enfrentamentos que encontrassem rio acima.
Sena já tinha inteira confiança
do governo cabano de Eduardo Angelim em Belém. Como ele já estivera em Manaus
meses antes, na função de espião, o ex-escravo sabia o caminho das pedras até
chegar e conquistar à capital do Alto Amazonas. Além de levar os ideais cabanos
e expandir o movimento revolucionário para a área que é hoje o Estado do Amazonas,
se diz que Bernardo também pretendia ajustar as contas com o juiz Henrique Cordeiro,
que o havia prendido.
Sena então parte com sua
expedição antes de Santarém cair em poder dos cabanos de Maparajuba. Ao
penetrarem na comarca os cabanos atacam e dominam Luséa e Serpa, tentam tomar Borba,
Saracá (Silves) e Tupinambarana, mas não conseguem devido a resistência da
força militar desses lugares. Porém agora os cabanos se dirigem ao seu
principal destino no Alto Amazonas: a Vila de Manaus. Na época Manaus, como uma
pequena localidade, possuía pouco mais de 3.500 habitantes, sendo, porém o
lugarejo mais populoso de sua comarca.
Na tarde do dia 6 de março de
1836, num domingo, os cabanos chegavam próximos de Manaus estando eles já sob
as águas do rio Negro e sendo calculados em 800 combatentes, embora outras
fontes afirmem que na verdade eram 1.200 homens. O juiz, ao saber da notícia alarmante,
convoca uma sessão na câmara que foi adiada para o dia seguinte. Alguns moradores,
vendo a aproximação deles, abandonaram a Vila às pressas e se embrenharam no
mato para os sítios mais distantes.
Naquele momento o maior repressor
dos cabanos na comarca era o capitão Ambrósio Pedro Aires, conhecido como
"Bararoá”, que estava em seu povoado no rio Engrosse recompondo da
sangrenta batalha que ele e seu exército de voluntários haviam participado e
ganhado em Santarém, no Natal de 1835.Muitos afirmavam que se Bararoá estivesse
por Manaus no dia da chegada dos cabanos, a história poderia ter sido outra.
O juiz Henrique, vendo a
aproximação, abandona seu posto e foge, os soldados de defesa da Vila também debandam.
Manaus agora estava entregue à própria sorte.
Os cabanos, percebendo a confusão
e fuga entre as autoridades e elementos de defesa, desembarcaram na Vila em
suas canoas e igarités tendo Bernardo Sena à frente, na noite daquele diálogo
uma parte deles ocupa o Forte da Barra e o quartel, além de outros pontos estratégicos.
A outra parte dos cabanos não desembarcaram pois ficaram com armas em punho a
bordo de suas embarcações, que se mantiveram em semicírculo na frente da Vila,
para prevenir qualquer ataque surpresa ou a retirada urgente dos cabanos caso
houvesse necessidade.
Para muitos o juiz Henrique
Cordeiro foi o principal causador desta primeira invasão dos cabanos. Um
cronista da época afirmou que o magistrado não organizou a defesa da Vila, como
também manteve no bolso as chaves do Trem de Guerra (onde estavam os armamentos).
Mas outros defendiam o juiz afirmando que a fuga entre os soldados foi grande o
que impossibilitou ele de organizar a resistência.
Sem encontrar os invasores
nenhuma oposição armada e sem disparar um só tiro, Manaus estava agora sob o
poder cabano, sendo o líder Bernardo Sena a autoridade provisória de fato na Vila.
Um cronista escreveu que a Vila tinha sido invadida por "um insignificante
troço de miseráveis, comandados por um preto".
A tropa cabana que invadiu Manaus
fazia parte de uma força maior e mais ampla, comandada por Maparajuba e que
estavam concentrados e em ação na comarca do Baixo Amazonas.
Enquanto vários manauaras tinham
fugido da Vila com medo dos cabanos ou por não compactuar com os ideais deles,
o resto da população acabou se submetendo aos invasores sem nenhum temor.
CABANOS ELEGEM AS NOVAS
AUTORIDADES DE MANAUS
Já com os cabanos no domínio
total da Vila, no dia seguinte,7 de março, a câmara faz uma sessão
extraordinária com a presença das autoridades e dos cabanos. Bernardo Sena fez
então longo discurso onde fez graves acusações contra o juiz Henrique Cordeiro
e também contra Bararoá (devido suas ações violentas contra os cabanos).
Bernardo, em alto tom, afirmava
no auditório da câmara que os moradores de Manaus apoiassem a causa cabana que
era visto por ele como justa e que lutavam em nome da liberdade, caso contrário
ele dizia: "Forte barreira farei aos usurpadores dos direitos pátrios.
Logo que esteja na presidência da Província um governo brasileiro, largarei as
armas".
Como se percebe ele, como todos
os outros cabanos, não queriam portugueses ou seus aliados no comando do Grão-Pará,
a quem acusavam de traidores, exploradores, opressores, escravagistas e corruptos.
Queriam pessoas do povo e nascidos na região para gerir os destinos da
Província com justiça. Ele também aproveitou e escreveu à câmara de Santarém
mencionando a conquista de Manaus e de que não tinha autoridade pois se via
apenas como um soldado da lei.
Após o discurso do líder cabano,
a câmara concordou com sua opinião e causa, passando agora a ser legal.
Bernardo Sena depõe as antigas autoridades fiéis ao império e, com aprovação
dos vereadores, nomeou as novas autoridades que fariam valer as leis dos
cabanos em Manaus. Eram eles os seguintes:
Padre João Pedro Pacheco (juiz de
Direito e vigário da comarca); João Inácio Roiz do Carmo (juiz de paz);
Martinho Joaquim do Carmo (provedor da Fazenda pública); Bernardo Francisco de Paula
(escrivão da fazenda); Joaquim Roiz Calhado (procurador fiscal); João de Souza
Coelho (almoxarife).
O vigário João Pacheco, alegre
pelo cargo de destaque de juiz que ganhou dos cabanos, não pretendia agora
desapontá-los e queria fazer saber que apoiava a causa rebelde. Para isso ele
realizou uma solene missa na antiga igreja de Nossa Senhora da Conceição (que
foi destruída por um incêndio em 1850), em honra aos cabanos e ao novo governo
da comarca que agora estava sob o comando de Eduardo Angelim, situado em Belém.
Aliás Bernardo dá a seguinte opinião sobre Angelim: "Os povos em geral o adoram,
respeitam-no como um anjo tutelar. É o benfeitor e libertador de seus
patrícios".
Apesar do apoio que os cabanos
tiveram das autoridades e de pessoas comuns de Manaus, grande parte das
famílias continuavam escondidas nos sítios das redondezas pois não confiavam
nos cabanos que para eles eram assassinos.
Em 9 de março a câmara de Manaus
dirige um ofício ao governo regencial, no Rio de Janeiro, pedindo que as
autoridades livrassem os paraenses do marechal Manoel Jorge Rodrigues, que
tinha sido enviado ao Grão-Pará para combater os cabanos e restaurar a
legalidade na Província, pois o marechal havia determinado o bloqueio naval de Belém,
cuja ação estava afetando a população da cidade. O documento foi assinado por
Bernardo Sena e teve o apoio de seus cerca de mil cabanos, os mesmos que haviam
chegado na Vila com ele e que agora estavam aguardando ordens.
MAPARAJUBA CHEGA À MANAUS E
CONCLAMA O POVO A ADERIR AO EXÉRCITO CABANO
É no dia 12 de março de 1836 que
chegava à Manaus o líder geral dos cabanos no Baixo Amazonas: Apolinário
Maparajuba.
Maparajuba estava fazendo parte
da tomada de Santarém, e daquela zona partiu com seus comandados rumo à Manaus,
estando ele ausente durante os eventos que a outra parte de seus companheiros
estava empenhada em conquistar e que culminariam na queda de Santarém.
Ao chegar na Vila percebeu que o
ambiente estava carregado e tratou de colocar ordem na casa e acalmar os moradores.
Ele então proferiu para os habitantes da Vila, no mesmo dia de sua chegada, o
seguinte discurso:
"Sinto que a minha aparição
nesta Vila é unicamente com o fim de fazer desagravar as leis impostas pelo
despotismo e não perpetrar roubos, assassinatos e desolações, como
aleivosamente o espírito de intriga quer fazer persuadir, espalhando ódios
sobre mimique não trabalho senão para defender as nossas garantias e os
sagrados direitos do jovem patrício, o Sr. Dom Pedro II.
Manauenses! eu vos convoco, eu
vos convido a vir tomar parte nas nossas honradas fadigas. Recorrei às armas, vinde
a guarnecer a vossa Vila, não deem créditos às vozes aterradoras que se tem
propalado de querermos roubar e entornar o nunca bastante precioso sangue dos
nossos semelhantes. Vinde sem susto, sem terror, pois a minha presença e da
voluntária tropa que me acompanhou a esta Vila se faz preciso regressar, sem
perda de tempo, para o Baixo Amazonas, a fim de fazer tombar naquele cantão o
despotismo de que aqui já vos achais livre."
Pelo discurso se percebe que
Maparajuba queria unicamente depor o governo que acusava como sanguinário e
opressor e fazia saber aos habitantes de Manaus que já haviam dito muitas
calúnias contra ele. Afirmava que lutava pelos desvalidos e pela garantia de um
governo, no Grão-Pará, formado só por nativos.
Ele aproveitava e pedia aos
moradores da Vila a aderir à causa dos revoltosos, que pegassem em armas e se
juntassem a eles para lutar por seus direitos sagrados, e que não dessem
ouvidos às mentiras que diziam sobre os cabanos.
Finalizava dizendo que ele e sua
tropa tinham de partir para sua comarca de origem, no Baixo Amazonas, mas que
esperava que novos adeptos recrutados na Vila ficassem em seu lugar, fazendo
ali valer os ideais dos cabanos.
Apolinário Maparajuba, ainda em Manaus,
escrevia um ofício para a câmara de Santarém afirmando que o juiz e chefe de
polícia do Baixo Amazonas, Joaquim Rodrigues de Souza, e o capitão Bararoá eram
os verdadeiros sanguinários e perversos, autores de vários assassinatos. Ele e
seus cabanos então voltavam à sua comarca (deixando Sena no comando de Manaus),
onde meses depois morreria em combate.
É no dia 18 de abril de 1836 que
a câmara de Santarém toma conhecimento da queda de Manaus e sua dominação pelos
cabanos.
A pedido do chefe Apolinário Maparajuba,
em 18 de maio de 1836 a câmara de Manaus decide socorrer os cabanos que estavam
concentrados em Icuipiranga, lhes enviando um canhão, cem cartuchos de munição
e sete alqueires de sal.
BERNARDO SENA PASSA A COMANDAR
MANAUS, MAS É ASSASSINADO
De Manaus os cabanos seguiram
navegando rio acima, chegando às vilas e povoados dos rios Solimões e Negro, conquistando
adesões, passando eles então, sem muita violência, a serem os senhores de toda
a comarca do Alto Amazonas, reconhecendo os habitantes desses locais o jovem
Eduardo Angelim como seu novo governante interino e se recusando a aceitar as
ordens do marechal Manoel Jorge Rodrigues(português naturalizado
brasileiro),enviado do Rio de Janeiro para instaurar a legalidade na província
e governá-la .
Durante três meses Bernardo Sena
foi de fato uma espécie de prefeito de Manaus (embora não existisse esse cargo
na época). Ele controlou as finanças, comandava a força militar e a política.
Enquanto isso, o seu principal inimigo na Vilão juiz Henrique, se encontrava
refugiado em seu sítio no Baixo Rio Negro.
Sena dirigiu pessoalmente várias
operações em vários pontos do Alto Amazonas, onde impôs a dominação e a lei
cabana ficando, por isso, fora de Manaus no período de abril a maio. Depois ele
voltava à Manaus onde mostrou competência e zelo pelos recursos públicos. Mesmo
a historiografia mais tradicional e legalista reconheceu que os cabanos
governaram com justiça, paz e sem corrupção.
Durante os meses em que perdurou
o governo revolucionário na área amazonense se inaugura um café em Manaus onde
se reuniam homens que, além de saborear a bebida no estabelecimento, exigiam
exaltados a morte dos cabanos.
Existia nesses anos conturbados
em Manaus, um conhecido popular chamado José de Figueiredo que era uma espécie
de menestrel da Vila. Tinha a língua afiada e satirizava a todos por meio de
anedotas e de seus escritos polêmicos. Com seus comentários satíricos e
zombarias atacava o novo governo cabano e os antigos legalistas. Ele então
acabou sendo preso a mando de um sargento, ficando um mês no xadrez.
BERNARDO SENA É ASSASSINADO
Ao voltar à Manaus de suas
incursões pelo interior, em 22 de maio, Bernardo Sena recebe uma mensagem por
escrito de Maparajuba que o ordena a deixar o cargo de comandante. Ele aceita e
afirma que por várias vezes já tinha feito pedido para ser dispensado do comando.
Sena então resolve entregar o comando militar da comarca ao capitão Manoel
Freire Taqueirinha, que tinha ficado nessa função durante a ausência dele, mas
o capitão rejeita pois não queria mais assumir cargo de tamanha
responsabilidade.
Manoel Taqueirinha, antes da
invasão cabana, era o comandante legalista e com a chegada dos insurgentes
resolveu passar para o lado deles e se submeter às ordens dos novos governantes,
mas era apenas uma estratégia e fingimento dele.
Em 23 de maio a câmara de Manaus
insistiu que Sena continuasse na sua antiga função de comandante militar, sendo
que Taqueirinha também concordava com essa decisão.
Mas Taqueirinha era um legalista,
tinha aderido aos cabanos contra sua vontade e, na melhor das oportunidades,
iria com certeza debandar novamente às tropas legais contra os cabanos.
Esse impasse do comando militar
na Vila acabou gerando um conflito entre os dois mandatários da função no
interior do quartel, em 2 de junho, quando Sena deu ordem para anunciar um fato
suspeito onde foram presos um sargento e um civil. Logo aparece um juiz de paz
para intervir na prisão, mas é expulso pelos soldados. Taqueirinha vendo a cena
grita dizendo que não era assim que se devia tratar dois brasileiros. Começa
então uma discussão entre Bernardo e Taqueirinha que ameaçam uma luta corporal.
A tropa, no furor da confusão, dá uma descarga de fuzil acertando Bernardo Sena,
que cai morto. Um outro militar protegido de Sena tenta resistir e acaba também
atingido e morto. O padre João Pacheco chega ao local e, vendo o cabano morto,
pergunta então aos soldados se aceitam Taqueirinha como seu novo comandante, no
qual eles respondem que sim. Foi um soldado negro, chamado Benedito, quem deu o
tiro que matou Bernardo. Freire Taqueirinha então assumiu o comando dizendo que
a morte de Sena foi "a salvação da comarca”. Há indícios de que
Taqueirinha já planejava o assassinato de Bernardo Sena.
INSURREIÇÃO LEGALISTA EM
MANAUS E EXPULSÃO DOS CABANOS.
Em agosto de 1836 começou a
reação legalista contra os cabanos no Alto Amazonas. A insurreição tem início
na Vila de Tefé onde, no dia 3 de agosto, o comandante da Guarda Nacional, José
Patrício, expulsou os cabanos dali.
Era a vez da reação chegar à
capital amazonense. Na madrugada do dia 31 de agosto o juiz municipal interino
de Manaus, Gregório Naziazeno da Costa, ajudado por Freire Taqueirinha (como se
esperava), capitão Miguel Benfica e Inácio do Carmo, organizaram a expulsão dos
chamados inimigos da lei na Vila.
Eles, liderando voluntários e
guardas nacionais, deram combate aos 81 cabanos que restavam e guarneciam Manaus
(pois grande parte deles se encontravam em outros locais da comarca e outros
tinham voltado para o Baixo Amazonas), tomaram conta do quartel e expulsaram os
cabanos instaurando assim o governo da legalidade na Vila.
Depois do triunfo Gregório, em
discurso na câmara de Manaus, dizia sobre "a coação em que viveram os
amigos da ordem, sob o império anárquico dos emissários de Icuipiranga”. Ele
também atacava o falecido Bernardo Sena dizendo que "ele fora um degradado
que todos suportaram para evitar um derramamento de sangue".
Quanto às origens do juiz
Gregório se sabe que ele era nascido na margem do rio Solimões e que residia em
Tefé. Chegou à Manaus logo após a morte de Bernardo Sena e já tinha em mente a
vontade de restaurar a legalidade no local, o que de fato pôs em prática assim
que viu a oportunidade.
Após o controle das forças militares
na Vila, o padre João Pacheco, mudando de lado novamente, dava uma outra missa
na igreja agora em honra à volta da legalidade. Ele então passou a ser visto
com desconfiança pela população.
Passados alguns dias da volta do
controle da força oficial na Vila, eis que numa noite a população entra em
pânico pois acabava de encostar no porto de Manaus cerca de 200 homens armados
em suas canoas. Acharam que eram os cabanos que voltavam para se vingar da
derrota sofrida, mas depois todos ficaram aliviados pois tratava-se de
"Bararoá “, que estava a caminho do Baixo Amazonas para combater os
cabanos nas proximidades de Santarém. Ele resolveu parar em Manaus para pedir
um auxílio financeiro da câmara para manter sua expedição de combate na viagem.
CABANOS TENTAM RETOMAR MANAUS
PELA SEGUNDA VEZ.
Mas os cabanos não estavam
dispostos a perder definitivamente seu controle sobre a capital do Alto
Amazonas e organizam um segundo ataque à Vila visando seu domínio.
Manaus estava com uma força
militar de 400 homens. Porém um terço deles tinha partido com Taqueirinha para
combater os cabanos em Serpa.
Aproveitando que Bararoá estava
fora da comarca (o que facilitaria sua ação de invasão), no dia 13 de novembro
de 1836, pela parte da manhã, os cabanos, em suas canoas, desembarcaram pelo
igarapé da Cachoeirinha, área de Manaus quase desabitada na época.
De lá eles se dirigiram ao bairro
dos Remédios. Os moradores do bairro, ao notar a presença deles, fugiram em
desespero rumo ao igarapé da Cachoeira Grande abandonando suas casas, que foram
ocupadas pelos cabanos que ali ficaram entrincheirados e posicionados.
No outro bairro, chamado São Vicente,
a população residente era maior, sendo que foi ali que ficou aquartelada a
força militar da Vila para repelir os cabanos de chegarem no local.
Começa a troca de tiros. Os
cabanos pretendem atravessar a ponte de madeira que divide os bairros dos
Remédios e de São Vicente, mas relutam devido a intensa fuzilaria. Eles então
decidem ir ganhando terreno aos poucos para poder dar um ataque definitivo e se
apossar da área.
Percebendo a tática deles, os
militares legalistas resolvem tomar uma decisão perigosa e desesperada. Os mais
corajosos avançam e alcançam a margem oposta do igarapé, entram pelo mato e
começam a pôr fogo nas casas onde os cabanos estavam, fazendo com que os
rebeldes abandonassem as residências.
O restante da tropa legal, que
era maioria, vendo o desembaraço do inimigo aproveita a ocasião, atravessa a
ponte e os persegue empurrando-os a tiros de volta à Cachoeirinha, onde os
cabanos reembarcam em suas canoas e, a toda força nos remos, saem do igarapé e
alcançam o meio do rio em fuga até desaparecerem. Era mais uma vitória das
forças governamentais.
A partir daí os cabanos não
tentaram mais retomar a Vila.
Depoimentos da época dizem que os
cabanos que foram feitos prisioneiros em Manaus e nas imediações eram levados
pelos soldados para a ilha do Marapatá (que fica em frente à cidade de Manaus),
sendo ali executados por enforcamento.
A partir do final de 1837 a
Cabanagem começa a enfraquecer devido a repressão, muitos pontos do Pará já
estavam pacificados, mas os cabanos, empurrados e refugiados no Alto Amazonas,
ainda resistiam na região do rio Madeira e em Luséa onde ali eles tiveram
adesão dos índios Muras. Porém somente em 1840 eles se entregaram totalmente,
depondo as armas na Vila de Luséa.
Fontes: livros "História do Amazonas”,
de Arthur César Ferreira Reis"; "A cidade de Manaus - Seus motins
políticos e história”, de Bertino Miranda; "Corografia do Estado do
Amazonas”, de Agnello Bittencourt; jornal "Diário de Pernambuco"(PE).
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