A FUGA DESESPERADA DE UM SERINGAL- SOFRIMENTO DURANTE DIAS PERDIDOS NA MATA

Era o ano de 1916 e se encontrava em Manaus o português José Manoel Gonçalves, que estava na capital amazonense em busca de trabalho após chegar de Portugal.

Em maio daquele ano ele acabou sendo aceito e contratado, em Manaus, para trabalhar no seringal do major João Valentim Vasconcellos. O seringal chamava-se São Miguel e ficava no alto Rio Manacapuru, no município de Manacapuru (Estado do Amazonas).

Para lá então o português se dirigiu visando começar sua atividade de extração no novo emprego. O seu patrão lhe indicou as vastas áreas de seringueiras que ele teria que cortar e extrair a borracha, logo começando ele em sua ocupação.

Durante dois meses José Manoel trabalhou arduamente de sol a sol. Porém ao fim desse tempo o trabalhador português foi receber o salário a que tinha direito, conforme o contrato, mas o major João Vasconcellos mostrou-lhe a conta de 500 mil réis que devia e que absorveria todo o ganho do seringueiro, não sobrando nada para ele.


Um grupo de seringueiros defumando o látex no Amazonas, no início do Século XX.


José Manoel, após o susto que levou da exorbitante quantia que estava devendo, não teve outra saída senão se conformar com a situação sem usufruir de seu tão esperado salário.

Inconformado e se sentindo explorado, José Manoel teve de voltar ao seu cansativo trabalho, mas eis que foi abordado por um companheiro seu de serviço, um nordestino chamado Guilherme que lhe disse que já havia 6 anos que trabalhava ali para o patrão sem jamais conseguir um saldo assim como ele não tinha permissão de ir embora pois tinha um débito de 700 mil réis.

Sabedores eles que jamais iriam se ver livre das dívidas, que nunca poderiam sair dali enquanto não saldassem sua conta e que tão pouco teriam saldo, os dois seringueiros se consideraram escravizados e julgaram aquele lugar como maldito. Eles também sabiam que próximo dali havia um outro seringal chamado São Sebastião, cujo proprietário era o famigerado coronel Aniceto de Brito,

conhecido por sua brutalidade e por espancar e matar vários trabalhadores seus.

Pensando em tudo isso, José Manoel e Guilherme resolveram como única alternativa fugir do seringal São Miguel e ganhar sua liberdade, lógico longe da vista de seu patrão João Vasconcellos e dos capangas armados dele, pois se fossem descobertos seriam com certeza amarrados, torturados e possivelmente mortos.


FUGA NA CALADA DA NOITE, PRIVAÇÕES E SALVAMENTO

Então, numa noite de julho de 1916, os dois seringueiros aproveitaram que todos no seringal estavam dormindo e colocaram seu plano em prática. Os dois saíram de suas barracas sem fazer barulho para não serem percebidos pelo seringalista, seus jagunços e demais trabalhadores pois se fossem vistos e dado o alarme as consequências seriam fatais para eles. Em seguida eles se embrenharam na floresta densa e fechada, cuja finalidade deles era conseguir chegar até a margem do principal rio e pegar um barco para Manaus.

José Manoel e Guilherme penetraram cada vez mais na mata virgem e escura e, quando se deram conta estavam perdidos. Mesmo assim continuaram sua marcha desesperada, em busca agora de achar uma saída.

Os dias foram passando e nada de acharem algum caminho, estavam ali a sós sem ninguém para ajudá-los, pegavam sol e chuva, dormiam ao relento sobre folhas, faziam jangadas para atravessar lagos, igarapés e seguir cursos de afluentes, além de estarem atentos para não serem atacados por uma onça ou cobra. Para matar a fome tiveram de se alimentar de palmito e frutas silvestres.

Já tinham se passado 23 dias de penosa caminhada entre a vegetação e singrando águas sendo que eles estavam esgotados fisicamente, doentes, com fome e sem forças. Quando parecia que não haveria mais esperanças e que o destino deles já indicava estar selado, eis que num momento oportuno (em que menos esperavam) conseguiram alcançar um lago e logo adiante estava a Vila de Codajás, na margem do rio Solimões.


A Vila de Codajás em 1911. Local onde chegaram os dois seringueiros fugitivos.


Ali na Vila foram vistos pelos moradores onde os dois trabalhadores foram acolhidos e contaram a todos sua sofrível saga. O estado dos dois homens era lastimável pois estavam magros, abatidos e com as roupas aos frangalhos. Penalizados com a situação dos homens eles então receberam dos moradores roupas e comida.

José Manoel Gonçalves, assim que pôde, recebeu uma passagem de um morador de Codajás e embarcou no navio a vapor "Comendador Eduardo", seguindo rumo à Manaus. Ao chegar na capital o português estava tão enfraquecido pelas privações que sofreu que teve de ser internado na Santa Casa de Misericórdia.

Quanto à Guilherme, ele teve de ficar em Codajás pois estava bastante enfermo e aguardando se recuperar para poder embarcar para Manaus.


Fonte: Jornal do Commercio.

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