A CABANAGEM NO AMAZONAS - VILA DE BORBA RESISTE AO ATAQUE DOS CABANOS
Na época da Cabanagem (1835-1840),
o Estado do Amazonas era uma comarca chamada de Alto Amazonas e subordinada ao
governo do Grão-Pará.
Com o início da Cabanagem, em 7
de janeiro de 1835 com a invasão de Belém pelos cabanos, os revolucionários
tomaram posse da capital da província e foram penetrando pelo interior visando
conquistar as demais comarcas para sua causa.
Protestando contra as injustiças,
os cabanos tinham como principal inimigo os portugueses e seus aliados, assim
como o governo regencial, pois eram pelos revolucionários acusados de
exploradores, escravagistas, opressores e genocidas. Os cabanos pretendiam
instalar um governo formado somente por brasileiros nativos que acabasse com as
injustiças e olhassem pelos mais pobres, atendendo os anseios da maioria da
população excluída.
Somente um ano depois, em 1836, é
que os cabanos penetram na comarca do Alto Amazonas, conquistando vilas e povoados.
Porém teve um lugar do Alto Amazonas que, conforme atestam as fontes da época e
documentos, resistiu às investidas dos cabanos: a Vila de Borba.
Na época que eclodiu a Cabanagem,
a Vila (que tinha sido transformada em freguesia) tinha uma população de 1.800
habitantes.
Hoje Borba é uma cidade do
Amazonas localizada à margem do rio Madeira, cujo município tem uma população
de 34 mil habitantes. É ali que está a basílica de Santo Antônio de Borba, onde
se realiza anualmente uma das maiores festas religiosas do Norte em honra ao
santo padroeiro do município.
Nas imagens se tem a cidade de Borba nos dias atuais e um homem da atualidade interpretando um cabano numa peça teatral.
ANTES DA CABANAGEM, BORBA JÁ
HAVIA SOFRIDO ATAQUE.
Poucos anos antes do início da
Revolução Cabana, a Vila de Borba lá havia sofrido incursões violentas dos
índios Muras, que habitavam aquela região do rio Madeira.
Já haviam vários conflitos entre
os Muras e os habitantes locais desde a época da colonização portuguesa, com
várias mortes de ambos os lados. Índios guerreiros, os Muras (conhecidos por
sua reação violenta e contrária à colonização lusa que houve na Amazônia) eram
totalmente contra a presença do homem branco em seu território.
Em um determinado mês dois
indivíduos da região aliciaram os Muras para invadir a Vila, o que realmente aconteceu,
pois os indígenas atacaram o local em 16 de abril de 1834, ocasionando a morte
de dois moradores e a fuga dos demais, que abandonaram a Vila. Contudo pouco
depois os habitantes voltavam à Borba restabelecendo a ordem e fuzilando os
dois homens acusados de passarem as informações aos atacantes.
No ano anterior, em setembro de 1833,
o ouvidor da comarca do Alto Amazonas, José Corrêa Pinto, já tinha comunicado
ao presidente da Província que moradores da zona rural de Borba haviam se
refugiado na Vila devido às invasões dos Muras aos seus sítios. A autoridade
alertava que não tinha força militar suficiente para repelir uma possível
agressão dos índios à Vila e pedia providências.
Não demoraria muito e os mesmos
Muras se aliariam aos cabanos e, junto com eles, empreenderiam outros ataques à
Borba.
CABANOS CHEGAM AO RIO MADEIRA
E INICIAM ATAQUES.
Começava o ano de 1836 e os cabanos,
saindo da comarca do Baixo Amazonas (hoje região Oeste do Pará), e liderados
pelo negro Bernardo Sena, se dirigiam à comarca amazonense invadindo e se
apossando das primeiras vilas e freguesias. O historiador amazonense Arthur
César Ferreira Reis, em seu livro, afirma que Tupinambarana (Parintins)e Saracá
(Silves) resistiram ao ataque, assim como Borba, que não permitiu a tomada da Vila,
frustrando as pretensões dos cabanos que logo depois se dirigiram à capital da
comarca, a Vila de Manaus, que foi tomada em 6 de março. Provavelmente essa
primeira tentativa dos cabanos de conquistar Borba tenha sido no mês de
fevereiro.
Mas meses depois as forças
legalistas começaram uma insurreição contra os insurgentes, reconquistando as
localidades tomadas pelos cabanos e os expulsando dali.
O capitão Bararoá, o maior
perseguidor e matador de cabanos no Alto Amazonas, ocupou com seus soldados o
rio Abacaxi, que é um rio que ligava uma saída de Luséa (atual cidade de Maués)
para o rio Madeira. Em Borba, ponto estratégico e cobiçado pelos cabanos,
Bararoá instalou uma guarnição bem armada e confiou o comando ao alferes Vítor
da Fonseca Coutinho e também ao tenente Zacarias Cesário Peixoto.
Todavia os cabanos estavam
concentrados naquela área conhecida como "Mundurucânia”, e tinham ali
ganhado a adesão dos índios Muras, que foram atraídos pelos ideais dos
revoltosos e passaram a ser inseridos em suas fileiras. Então em novo ataque à
Vila de Borba, entre o final de fevereiro ou início de março de 1837, os
cabanos são derrotados novamente pelas forças militares comandadas pelo alferes
Vítor Coutinho, porém o combate foi sangrento com a destruição da Vila, que
ficou reduzida às cinzas.
ALFERES VÍTOR COUTINHO, O
DEFENSOR DE BORBA
Considerado o principal
responsável em não deixar os cabanos dominar Borba, Vítor Fonseca Coutinho
nasceu em 12 de abril de 1812, na própria Vila de Borba. Já na idade de 14 anos
entrou, como cabo, para a guarda de milicianos galgando,4 anos depois, a
patente de alferes. Porém abandonou a vida militar temporariamente, passando
ele a se dedicar à profissão de comerciante.
Casou-se em 1832, tendo da união
com sua esposa 11 filhos, dos quais um se tornou padre.
Quando do começo das incursões
dos cabanos na província do Grão-Pará e comarcas do Baixo e Alto Amazonas
participou de combates contra eles em Gurupá, Tauapessassu e Luséa, recebendo
ferimentos.
O presidente legalista do Grão-Pará,
general Soares de Andréa, gostando de seu procedimento, conformou-lhe o posto
de alferes, entregando a ele a defesa da Vila de Borba, onde o militar ali não
permitiu a entrada dos revolucionários.
Depois do fim da Cabanagem, se
tornou deputado provincial pelo Amazonas em 1856.
Com o início da guerra do Paraguai,
o presidente da Província não permitiu que ele fosse para o conflito,
preferindo que ele ficasse no Amazonas organizando as atividades militares na
província.
Foi o primeiro presidente da
Câmara de Borba, em 1877, e foi coronel comandante da Guarda Nacional em
Itacoatiara e no rio Madeira.
Ainda em 1889 vivia em Borba,
sendo que não se sabe quando faleceu.
CABANOS TENTAM NOVAMENTE SE
APOSSAR DE BORBA
Enfim os cabanos não tinham
desistido de sua intenção de ficar com o controle de Borba, e tentam mais uma
vez realizar seu intento.
Em fins de 1837 na região onde
hoje é o Estado do Pará, a situação estava praticamente controlada, mas os
cabanos ainda resistiam no Alto Amazonas pois muitos deles haviam se refugiado
na comarca após a derrota que sofreram na fortificação de Icuipiranga (próximo
à Santarém), ou empurrados para ali devido às ações das tropas do império
vindas de Belém.
Na região compreendida entre o
rio Madeira e Luséa os cabanos tinham, como já comentado, um grande auxílio dos
índios Muras e continuavam ali praticando suas ações.
Sendo assim, nos meses iniciais
de 1838, se intensificaram as operações militares naquela área com a finalidade
de desalojar os cabanos dali e pacificar a zona.
Pelas imediações de Luséa as
manobras estavam dando frutos favoráveis aos legalistas, inclusive os caciques
dos índios Mundurucus dos rios Canumã e Abacaxi (rivais dos Muras e aliados do
governo) se comprometeram, com seus guerreiros, a fazer guerra aos cabanos. Os
Mundurucus, inclusive, tinham executado dois emissários enviados a eles pelo
chefe cabano Gonçalo de Magalhães (provavelmente foram pedir uma trégua ou que
aderissem à causa dos revoltosos).
A barca Independência,
estacionada em Tupinambarana, estava auxiliando nas operações militares que
estavam dando resultados positivos pois tinham apreendidos centenas de canoas e
cabanos, além de ferir e assassinar vários deles.
Em consequência das operações que
as forças legalistas estavam fazendo nas proximidades de Luséa os cabanos, acuados,
fugiram e tomaram rumo do rio Madeira e, chegando ali, seus líderes decidiram
que era necessário atacar a Vila de Borba. Eles inclusive já haviam invadido
uma outra localidade do rio Madeira, o povoado de Crato, onde vários moradores
pularam no rio e fugiram a nado.
Os cabanos então se prepararam
para a investida pois Borba agora teria de cair.
No dia 6 de março de 1838, às 3
horas da tarde, os cabanos enfim fazem seu ataque surpresa à Vila.
Momentos antes da invasão um
recém-nascido chamado Francisco Benedito da Fonseca Coutinho estava sendo
batizado na igreja Matriz de Borba, que era filho do alferes Vitor Coutinho,
sendo o tenente Zacarias Peixoto o seu padrinho. Esse bebê se tornaria, no
futuro, vigário-geral do Amazonas e político. Após o batizado começou o
confronto.
A Vila estava bem entrincheirada
pelas forças fiéis ao império, sendo Vítor Coutinho e Zacarias Peixoto os
comandantes de duas divisões.
O combate foi intenso, porém os
cabanos acabaram mais uma vez derrotados fugindo eles pela mata adentro, mas só
foram expulsos totalmente das imediações no outro dia pela manhã. Neste ataque
perdeu a vida o tenente Zacarias, varado por uma bala na trincheira. Foram
também mortos dois soldados e dez civis moradores que estavam defendendo a Vila.
Do lado dos cabanos tiveram eles 7 mortos na Vila, além de outros mortos e
feridos cujos corpos foram conduzidos por seus companheiros que tomaram rumo
ignorado.
Ao chegar a notícia na capital da
comarca, a Vila de Manaus, do confronto em Borba, rapidamente se organizou e
saiu de Manaus um contingente de 60 policiais em socorro daquela localidade do
rio Madeira.
Chegando em Borba, a força
policial partiu no encalço dos cabanos, com a esperança de ainda alcançá-los em
fuga.
E foi o que aconteceu pois os
policiais os encontraram em retirada, começando a troca de tiros. No final os
revolucionários debandaram, sendo que os policiais se apossaram de 24 canoas
dos cabanos e de utensílios que eles tinham saqueados no ataque a Borba, além
de terem matado 28 cabanos enquanto outros conseguiram fugir pela mata.
A partir daí nunca mais os
cabanos invadiram Borba, embora estando eles pelas imediações sempre a
ameaçassem.
AUTORIDADES DO GRÃO-PARÁ
NOMEIAM UM NOVO COMANDANTE PARA DEFENDER BORBA E AFASTAR A AMEAÇA CABANA NO RIO
MADEIRA
Na capital da província, em Belém,
o presidente legalista do Grão-Pará, general Francisco Soares de Andrea, se
mostrava preocupado com as constantes movimentações dos cabanos na região do
rio Madeira, tendo ali os rebeldes como aliados os índios Muras, colocando-os
em perigo as povoações do lugar. O presidente Andrea resolveu então enviar do
Palácio do governo em Belém, em 5 de abril de 1838,um ofício destinado ao
comandante da expedição do Amazonas, Joaquim José Luiz de Souza, para que ele
nomeasse como novo comandante militar de Borba o capitão Diogo de Barros Cardoso,
que pertencia à cavalaria de segunda linha de Mato Grosso, pois ele tinha
experiência em combater indígenas e que comandaria Borba e seus distritos do
rio Madeira acima até os limites do Alto Amazonas com a província do Mato Grosso.
Sendo assim, o militar assumiu o cargo de comandante daquela área com a missão
de pôr um fim nas ações cabanas que ali persistiam.
O capitão Diogo Barros Cardoso,
já no comando Militar da Vila de Borba, estava muito preocupado devido às
informações que recebera de que os cabanos tinham se reunido e decidiram
avançar do lago de Autazes para o Alto Rio Madeira, estando eles comandados
pelo índio Mura Pantaleão que pretendia se estabelecer com seu grupo abaixo de Borba,
enquanto um outro líder cabano, chamado Manoel Gonçalves Lira e que também era Mura,
já tinha com seu bando tomado e se estabelecido na localidade de São João do
Crato(atual cidade de Manicoré).
Diogo enviou um ofício para o
comandante militar da expedição ao Amazonas, Joaquim José Luís de Souza, que
estava na Vila de Santarém e ficou ciente da situação quando recebeu a notícia
em 23 de outubro de 1838, logo ele comunicando o fato ao comandante interino do
Alto Amazonas, Manoel Freire Taqueirinha, afirmando Joaquim José que se os
insurgentes não fossem batidos poderiam tentar atacar Borba novamente pois que
era um local isolado e de poucos soldados para sua defesa. Ordenava à
Taqueirinha que fosse enviada uma força militar de Manaus para combater os
cabanos daquela zona e que ele estava autorizado de dispor de todos recursos
para tal finalidade.
CABANOS CONTINUAM EM AÇÃO NA
ZONA DO RIO MADEIRA E ATACAM O LUGAR ABACAXIS, NA MARGEM DO RIO DE MESMO NOME
Na Vila de Borba o comandante
Diogo de Barros Cardoso remetia, em 23 de junho de 1839, um outro ofício ao
tenente-coronel Joaquim José Luiz de Souza, comandante da expedição ao Amazonas,
comunicando que no dia 18 de maio os cabanos, em número de mais de 200,
atacaram o local Abacaxis onde mataram 16 defensores, entre soldados e civis,
inclusive dois tuxauas da tribo dos Mundurucus. Dizia que os cabanos obrigaram
algumas mulheres do lugar a jogarem seus filhos pequenos nas águas do rio e
elas assim teriam feito para salvarem suas vidas, estando os cabanos comandados
por Pantaleão e Manoel Gonçalves Lira que, depois da ação, saíram dali e
voltaram para o Autazes com seus combatentes.
Ao saberem do ocorrido, os índios
Mundurucus ficaram horrorizados com os assassinatos de pessoas de sua etnia e
decidiram se vingar, se reunindo 110 Mundurucus do rio Abacaxis onde seguiram
no encalço dos cabanos e seus aliados Muras no lago do Autazes, dizendo os
Mundurucus que "haveriam de dar fim aos cabanos e Muras".
Contudo, os cabanos continuaram
em plena ação naquela zona a ponto do presidente legalista do Grão-Pará,
general Soares de Andréa, declarar em 1839 o seguinte: "No Amazonas e seus
distritos, só se pode conservar a paz com as armas na mão, particularmente no
rio Madeira, onde os índios não estão completamente obedientes".
Fontes: livros "História do
Amazonas”, de Arthur Reis; "Corografia do Estado do Amazonas”, de Agnello
Bittencourt; Jornais “O Apóstolo"(RJ),"Diário do Rio de
Janeiro"(RJ),"Correio Oficial"(RJ).
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