SATAKE: O LUTADOR JAPONÊS QUE FUNDOU EM MANAUS A PRIMEIRA ACADEMIA DE JIU-JITSU DO BRASIL, ALÉM DE IMPULSIONAR O BEISEBOL NA CIDADE E SE AVENTURAR PELO FUTEBOL AMAZONENSE

Conhecido como um dos principais disseminadores do Jiu-Jitsu no Norte brasileiro no início do século XX e um dos precursores do estilo no Brasil, o japonês Satake deixou um legado no Amazonas (e no país) que daria seus frutos mais adiante, e que hoje sua jornada pioneira em solo amazonense precisa ser mais conhecida.

Tudo o que se sabe hoje sobre a trajetória de vida de Soishiro Satake foi descoberto após pioneira pesquisa do ex-judoca amazonense Rildo Heros, que é o maior pesquisador da história das artes marciais no Norte do Brasil.

Soishiro Satake nasceu no Japão em 1880(não se sabe em qual localidade), oriundo de uma família tradicional. Em 1897 ele entra para o Instituto Kodokan (fundado pelo mestre do judô Jigoro Kano), se aperfeiçoando nas artes marciais, em especial o judô e jiu-jitsu.

Possuía 1,65 de altura e foi professor graduado na Universidade Waseda, sendo faixa preta (3⁰Dan).

Já em 1907 Satake resolve deixar o Japão para estudar engenharia na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, acompanhando uma equipe de Sumô.

Nos Estados Unidos Satake encontra seu antigo amigo de treinos da Kodokan, chamado Mitsuyo Maeda, que ficou conhecido como "Conde Koma". Satake passa então a integrar o grupo de lutadores de Maeda que estavam viajando pelo mundo para divulgar as artes marciais japonesas.

Após se apresentarem em vários países, a trupe de lutadores nipônicos chega ao Brasil em 1914, desembarcando na cidade de São Paulo (outras fontes dizem que foi em Porto Alegre).

Na ilustração da esquerda, de Elinaldo, se tem Satake de quimono com o Teatro Amazonas ao fundo. Já na ilustração da direita, de Lúcio Izel, se vê Satake no campo do Parque Amazonense, defendendo o time de futebol do Independência.


CONDE KOMA E SATAKE CHEGAM À MANAUS.

Após várias apresentações em capitais brasileiras, o quinteto japonês chega ao porto de Manaus no navio a vapor "Pará", vindos de Belém, no dia 18 de dezembro de 1915.

Eles então desembarcam em Manaus dois dias depois, sendo recebidos por uma comissão composta de jornalistas, comerciantes e o presidente da liga esportiva local.

Após desfilarem pelas principais ruas de Manaus, os japoneses ficaram hospedados no palacete "Vaticano", que se localizava na rua Dr. Moreira.

Já devidamente alojados na cidade, Maeda e seus companheiros passaram a proferir palestras sobre as artes marciais, principalmente do judô e jiu-jitsu na sede social do Manáos Sporting Club, que ficava na Rua Quintino Bocaiúva, n⁰84.Além disso, os visitantes orientais organizaram e realizaram dois combates em Manaus, sendo que um pôs frente a frente o Conde Koma com o lutador barbadiano Adolfo Corbiniano, que terminou com a vitória do japonês no Teatro Polytheama.

Os cinco nipônicos resolvem organizar o primeiro campeonato amazonense de jiu-jitsu, que iniciou-se no dia 30 de dezembro de 1915 no mesmo Teatro Polytheama. O campeão foi Satake e Conde Koma participou como organizador e árbitro das lutas.

Finalizada a disputa, o grupo de lutadores se separou, sendo que Conde Koma, Okura e Shimizu embarcam para a Inglaterra em 9 de janeiro de 1916.Mas o Conde volta da Europa para o Brasil e se fixa em definitivo em Belém, fundando na capital paraense uma academia e tendo como um de seus alunos o jovem Carlos Gracie, personagem que depois desenvolveria o chamado jiu-jitsu brasileiro.

Já os outros dois, Satake e Uynishi (conhecido como Raku), resolvem ficar em Manaus.

Os dois resolvem abrir inscrições para alunos que se interessassem em aprender na prática o jiu-jitsu num curso. Mas os lutadores afirmavam que se a demanda dos interessados em se matricular não fosse boa eles iriam embora de Manaus no navio "Brasil". Felizmente a procura foi grande, o que fez com que Satake ficasse na cidade.

 

PRIMEIRA ACADEMIA DE JIU-JITSU DO BRASIL.

O professor Satake, então, começa a dar aulas de Jiu-Jitsu no Teatro Polytheama e no Colégio Universitário (estabelecimento de ensino dirigido pelo senhor José Chevalier), em janeiro de 1916.Logo em seguida, ele abre uma academia na sede do Atlético Rio Negro Clube, que na época ficava na rua Marcílio Dias, n⁰46. Essa foi a primeira academia de Jiu-Jitsu que surgiu no Brasil.

Quanto a seu conterrâneo Raku,este também passou a dar aulas de judô e jiu-jitsu na sede do Banco do Brasil em Manaus, iniciando ali as aulas em 16 de janeiro de 1916.Porém Raku deixa de ministrar as aulas em 1917,quando volta para o Japão.

Já Satake continuou por anos ensinando o jiu-jitsu em sua academia, possuindo ele jovens alunos que seriam destaque na sociedade amazonense como Synzeno Sarmento, Manoel Bastos Lira e os irmãos Paulo e Guilherme Nery.

Satake foi também contratado pelo governo do estado para ensinar suas técnicas de luta e defesa pessoal aos guardas civis e policiais. Inclusive durante uma dessas aulas, ele acabou tendo uma luta séria e inesperada com um guarda civil praticante de capoeira que residia no Educandos.

Durante esse seu primeiro período de estadia em Manaus, Satake realizou vários desafios, enfrentando tanto lutadores locais como outros que visitavam a cidade. Mas, como excelente praticante de artes marciais que era, o japonês nunca perdeu uma luta no Amazonas, sempre levando seus oponentes ao solo. Em outras ocasiões, ele também serviu de árbitro nas lutas (um exemplo disso foi no duelo entre Adolfo Corbiniano e o paulista Geraldo Souza, em 1917).

Mas, vez ou outra, ele era convidado para exibir sua técnica de luta em festividades. Como exemplo uma demonstração de exercícios de jiu-jitsu que Satake fez para convidados, em agosto de 1918, na inauguração da nova sede da União Sportiva Portuguesa, no prédio de número 6 da Praça Tenreiro Aranha.

Soishiro Satake resolve deixar Manaus em 1921 e vai para Cuba e México. Retorna à capital amazonense em 1925 quando volta novamente a ensinar no Atlético Rio Negro Clube, dessa vez na nova sede do clube que ficava na Rua Barroso. Ele inclusive, algumas vezes, era chamado para ensinar sua arte marcial aos alunos do Ginásio Dom Pedro II (sem ser professor da instituição).

Mas o japonês também conhecia as técnicas da massagem oriental e passou a ser massagista no time de futebol do Rio Negro e na Farmácia Humanitária, onde atendia a qualquer hora do dia, além de ali se oferecer também como esteticista no tratamento de manchas da pele. Nesse mesmo período ele passou a dar aula particular nas residências dos interessados em aprender o jiu-jitsu.

Devido a amizade que tinha com o Dr. Jorge de Moraes, Satake trabalhou de ortopedista na Santa Casa de Misericórdia e na Beneficente Portuguesa, passando a ser o único que tinha nessa área em Manaus naquele tempo.

No governo de Efigênio Salles, Satake foi contratado como paisagista, sendo ele o responsável pela bela arborização da rua Lobo D'Almada (cujas árvores hoje não mais existem no local).

Em Manaus, Satake residiu em dois endereços: primeiro morou na Rua Dr. Moreira, n⁰48, e depois passou a residir numa casa na Rua 10 de Julho (esquina com a Rua Lobo D'Almada)



Uma rara imagem de Soishiro Satake (foto dos arquivos de Rildo Heros).


A VOLTA PARA O JAPÃO

Infelizmente, em 1929, Satake fechava sua pioneira academia devido a grande crise que se abateu sobre Manaus com a queda do preço da borracha. Entre os amazonenses Soishiro ficou conhecido como "Antônio" depois que ele se naturalizou brasileiro sendo então um devotado defensor das cores do Rio Negro, clube por qual tinha grande afeição.

Com a instalação do Estado Novo no Brasil e a chegada ao poder de Getúlio Vargas como chefe da nação, assumiu o governo do Amazonas como interventor o Dr. Álvaro Maia, antigo desafeto de Satake que no passado havia tido um conflito com ele, quando era membro da federação (FADA), durante um jogo do Rio Negro com o Nacional.

Desempregado, sem academia, passando dificuldades e com seu adversário agora no governo do estado(talvez ele temesse que em algum momento Álvaro Maia o mandasse prender como vingança),o veterano lutador japonês resolveu arrumar as malas e ir embora da cidade.

Enfim Satake se despedia de Manaus definitivamente em 1932, quando embarca num navio com destino à Belém onde ali recebe uma ajuda financeira de seu velho amigo Conde Koma. Foi então para o México onde ficou até 1935.De lá voltou para seu país de origem, o Japão, onde viria a falecer em 11 de maio de 1936 (há a informação de que ele teria sido encontrado morto em uma sauna, vítima de um infarto). Seus restos mortais estão enterrados em um templo religioso de Tókio.

Como amante da cultura física que era, durante o período em que viveu em Manaus Satake não se limitou em ficar praticando o jiu-jitsu, e se dedicou a outras duas práticas esportivas na cidade: o beisebol e o futebol.

 

IMPULSIONADOR DO BEISEBOL EM TERRAS BARÉS.

Satake foi, junto com o americano Edward Kirk (gerente da empresa Manáos Tramways), o principal incentivador e divulgador do beisebol entre os manauaras. Esporte preferido dos japoneses, o beisebol era também uma das paixões de Satake que também muito se dedicou a ensinar as regras e táticas da modalidade para os jovens amazonenses.

Embora se tenha notícias de um grupo de jovens (liderados por um americano) se reunindo, na Rua dos Remédios, para praticar o beisebol em Manaus em 1914, somente em 1917 que ele vai ganhar impulso e visibilidade na imprensa e ser conhecido na cidade de fato. E isso muito se deveu a Satake e Kirk.

Satake introduz o beisebol no Rio Negro cujo clube funda, em 1919, sua primeira equipe da modalidade. E, a primeira menção do japonês jogando na equipe vem de um jogo do dia 20 de abril do mesmo ano,quando o Rio Negro enfrentou o time da Manáos Tramways no Bosque Municipal. Satake foi o destaque do jogo e era o capitão do time rionegrino que venceu debaixo de muita chuva. A partida tinha como finalidade angariar fundos para a reforma da catedral.

Porém em 1920 era realizado o primeiro campeonato amazonense de beisebol com a participação de 4 times. Na decisão final, acontecida no dia 26 de janeiro de 1921 no Parque Amazonense, teve como campeão o Rio Negro que venceu os ingleses do Manáos Athletic por 18x16.Como capitão do time campeão, Satake foi um dos destaques do título, cuja equipe também contou com alguns outros atletas como Hermínio, Francis e Castrinho.

Mas no campeonato seguinte, de 1921, o Nacional acabou levantando o título de campeão de beisebol. Para muitos se Satake ainda estivesse em Manaus (pois havia viajado) o Rio Negro, com ele no time, teria sido novamente o campeão.

O certo é que quando Satake volta à Manaus, em 1925, o beisebol já tinha perdido sua força, não chegando a cair na simpatia da população local, cujo campeonato deixou de ser disputado.

 

PIONEIRISMO JAPONÊS NO FUTEBOL AMAZONENSE E BRASILEIRO

Além de ter fundado a primeira academia de jiu-jitsu do Brasil, Soishiro Satake ainda teve um outro pioneirismo. Simplesmente, até onde se sabe, ele foi também o primeiro japonês a jogar futebol no Brasil.

Como o futebol era a modalidade preferida da população amazonense, Satake resolve se aventurar pelo esporte bretão. Mas nunca  jogando pelos times titulares e sim pelo time reserva.

Em 1925, após seu regresso à Manaus, Satake é inserido no time reserva do Euterpe (que naquele ano já não era um time exclusivo de negros).

Mas em 1926 ele passa a fazer parte do plantel do Independência, clube alvirrubro fundado no bairro dos Tocos (atual bairro de Aparecida). A primeira notícia de Satake no Independência vem de 19 de dezembro de 1926, quando ele e demais jogadores fizeram um treino no campo da Vila Municipal.

Já em 23 de janeiro de 1927, Satake participa, no campo do São Raimundo, de um jogo treino entre os titulares e reservas do Independência, visando definir o time titular para o campeonato estadual daquele ano.

Enfim, Satake estreava no time reserva do Independência na segunda divisão do campeonato amazonense de 1927, em jogo contra os reservas do Luso no dia 10 de abril.

Em 17 de abril de 1927, novamente Satake participa de um treino do Independência no campo do São Raimundo.

No dia 21 de abril de 1927, feriado de Tiradentes, o Euterpe promove um festival no campo do Luso com o Independência sendo convidado para um torneio e Satake ficando como reserva.

Já em 1928, novamente Satake participa da segunda divisão do campeonato amazonense, jogando pelos reservas do Independência. O japonês estreava no time jogando contra o Cruzeiro do Sul, que goleou os alvirrubros por 5x0.

Mas, ainda pela segunda divisão, o Independência venceu o Libertador por 2x0, em 28 de outubro de 1928.Satake fez um gol, mas que foi anulado pelo juiz por impedimento.

Ainda pela segunda divisão de 1928, no dia 18 de novembro, o Independência derrotava o Manáos Sporting por 3x2.Satake marcou um dos gols que dessa vez foi legítimo, sendo que Alicate e Evangelista marcaram os outros.

Em 1929 Satake já defendia um outro modesto time de futebol chamado Andaraí, e disputou pelo clube o campeonato da AMEA (uma espécie de campeonato amazonense alternativo com clubes que não eram filiados à Federação local), que tinha a participação do São Raimundo.

Somente em 1932 se tem novamente notícias do lutador japonês voltando a defender clubes de futebol de Manaus. Satake voltava ao Independência e mais uma vez disputava pelo clube a segunda divisão do campeonato daquele ano. Se tem registro da participação dele em dois jogos: em 25 de setembro na partida do Independência com o Monte Cristo, e no dia 6 de novembro no duelo do Independência contra o Rio Negro, ambos realizados no campo dos Bilhares.

 

CONCLUSÃO

Ainda em 1932 Satake abandonava Manaus para sempre, mas deixava para trás um excelente legado que teria seguimento com as gerações seguintes e que ficou registrado eternamente na história esportiva do Amazonas.

Outra curiosidade de Satake é que ele foi um dos primeiros japoneses a fixar residência no Amazonas, bem antes do início da imigração japonesa oficial para o estado, que começou em 1929.

Como se percebeu, o mestre Satake foi muito ativo durante sua permanência em Manaus, exercendo várias profissões (que tinha aprendido no Japão) e lutando por sua sobrevivência.

 

Fontes: "A história do judô no Amazonas" (sobre a trajetória de Soishiro Satake), trabalho do pesquisador Rildo Heros; pesquisa de Gaspar sobre Satake no beisebol e futebol extraído do Jornal do Commercio, Gazeta da Tarde e A Capital.

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