NUMA MADRUGADA, NA MANAUS DA DÉCADA DE 1920, PANCADARIA ENTRE BRINCANTES DE BOI-BUMBÁ QUASE TERMINA EM TRAGÉDIA

Hoje, a festa do Boi-Bumbá é uma grande manifestação cultural do Estado do Amazonas, possuindo o estado várias agremiações de Boi espalhadas pelos municípios amazonenses, sendo que Parintins se tornou referência mundial devido ao seu belíssimo festival folclórico onde os Bumbás Caprichoso e Garantido esbanjam magia e beleza em suas apresentações.

Não se sabe ao certo quando a festa do Boi chegou ao Amazonas, mas sabe-se quando foi o primeiro registro que foi feito em Manaus, em 1859, pelo explorador alemão Robert Ave-Lellement que presenciou uma alegre apresentação de um Bumbá na cidade.

Porém é somente na década de 1910 que surgem as primeiras agremiações organizadas de Boi-Bumbá no Amazonas, sendo que a maioria se originou na capital Manaus.

Esses Bumbás se apresentavam durante o mês de junho, nas festas juninas, que na época eram chamadas de "festas joanninas", onde eles dançavam e faziam suas batucadas nas principais ruas do centro da cidade e até nos subúrbios.

Porém, com o tempo, a rivalidade e a disputa entre os participantes dos bois de Manaus cresceram cada vez mais. Cada agremiação de Boi-Bumbá queria obter, durante suas exibições, a primazia, os melhores aplausos do povo e as melhores notas durante a disputa entre eles nas festas dedicadas a São João, Santo Antônio e São Pedro.  Isso então acabava dando origem às rixas, encrencas e acusações entre os brincantes que em algumas ocasiões acabavam em brigas.

Mas um desses conflitos ganhou destaque na imprensa local, sendo um dos primeiros envolvendo brigas entre grupos de bois rivais registrados pelos noticiários do Amazonas e o primeiro que ganhou grande atenção no principal jornal de Manaus da época.

Na foto de cima se tem Manaus no ano de 1929, mesmo ano em que aconteceu o ocorrido entre o Caprichoso e o Mina de Ouro. Na ilustração de baixo se vê dois bumbás se encarando numa sadia rivalidade.


COMEÇAVA AS FESTAS JUNINAS DE 1929: ANIMAÇÃO E APRESENTAÇÕES FOLCLÓRICAS

Era o ano de 1929 e, como de costume, se tinha o início das festas juninas em Manaus. E, como a tradição local mandava, era hora dos principais grupos (na época chamados de ranchos) de Boi-Bumbá da cidade fazerem suas apresentações dançantes pelas ruas e mostrar para todos o esforço de seus ensaios.

Na véspera de São João, no dia 23 de junho, saíam nas ruas as principais agremiações de Bumbás da capital amazonense, entre eles o Garantido, Campineiro, Canário e os dois mais requisitados e rivais: Mina de Ouro e Caprichoso.

O Boi-Bumbá Caprichoso foi fundado em 1913 no bairro da Praça 14, local onde ficava seu curral. Já o Mina de Ouro surgiu em 1922 na região do Boulevard Amazonas. Faziam alguns anos que as duas agremiações folclóricas mantinham entre elas uma rivalidade ferrenha, com provocações entre os brincantes de ambos os lados.

Na noite do dia 23 de junho o Caprichoso veio dançar na frente do prédio do Jornal do Commercio, enquanto na noite do dia 24 era a vez do Mina de Ouro se exibir, com sua batucada, na porta do mesmo jornal, sendo o boi dirigido por Raimundo Moura.

Os festejos juninos continuavam pela cidade com muita animação nos arraiais e praças.

Contudo, um fato inesperado manchou a trajetória das duas tradicionais agremiações de Bumbás naquele ano de 1929, e quase teve um desfecho fatal.

O CONFLITO ENTRE OS MEMBROS DE CAPRICHOSO E MINA DE OURO

Era o dia 29 de junho, data dedicada a São Pedro, e os bois haviam naquele dia rodado por quase toda Manaus animando o público.

O Mina de Ouro, após as exibições, se dirigiu para seu curral, localizado no Boulevard Amazonas onde ali se reuniram todos seus brincantes. Porém por volta das 2 e meia da madrugada, inesperadamente, o boi Caprichoso passava pelo Boulevard rumo ao seu local de origem na Praça 14.

Sendo assim, os dois bois inimigos acabaram se encontrando frente a frente. Para o pessoal do Mina de Ouro aquela atitude do Caprichoso era uma afronta e provocação pois estavam eles pisando no Boulevard, território do Mina e onde os brincantes do boi da Praça 14 não eram bem vindos.

Houve então, por essa ocasião, trocas de insultos entre os membros dos dois bois através dos versos de suas toadas musicais, gerando mais fúria entre eles.

No auge da provocação musical, o Mina de Ouro soltou para seu rival os seguintes versos:

          " Eu pisei, pisei, pisei,

            Eu pisei, porque aguento.

            Eu pisei no Caprichoso

            No arraial do entroncamento."

Foi a gota d'água para o pessoal do Caprichoso que resolveu então partir para o enfrentamento, culminando em briga feia e agressões físicas entre os brincantes dos dois Bumbás. A pancadaria corria feia, acordando os moradores das imediações.

Um membro do Mina de Ouro, chamado Cenobelino José da Costa, sacou de um punhal que trazia e o enfiou abaixo da costela de João Alves da Silva, que era a mãe Catirina do Caprichoso, caindo ele ao solo ferido.

Nesse momento um outro companheiro de João Alves, vendo a cena, jogou um cano de ferro na cabeça de Cenobelino, abrindo-lhe uma brecha. E logo depois se ouviu três tiros de revólver, ignorando-se quem havia disparado.

A gritaria durante a briga era infernal, mulheres corriam e outras caíam com chilique, a meninada berrava e a briga continuava com todo fervor.

Mas a polícia foi avisada do conflito que os sócios do Mina de Ouro e do Caprichoso estavam fazendo no Boulevard, e para lá se dirigiu. Quando os policiais ali chegaram e entraram em cena, grande parte dos brigões fugiram em debandada. Todavia, a polícia prendeu Cândido Ferreira dos Santos, Armando Alves da Silva e Francisco Alves Braga.

Alguns dos associados do Caprichoso levaram João Alves para a Santa Casa de misericórdia, onde ali ele recebeu curativos do Dr. Agenor de Magalhães, médico legista, ficando o ferido ali internado em tratamento onde seu estado inspirava cuidados pois o punhal havia atingido seu fígado.

Quanto a Cenobelino, o autor do ferimento, conseguiu ele evadir-se, estando a polícia no seu encalço.

Porém dias depois João Alves se recuperou, sendo considerado fora de perigo, mas mesmo assim o seu agressor Cenobelino ainda não tinha sido encontrado pela polícia.

Na delegacia auxiliar foi aberto o inquérito a respeito do crime, prestando depoimentos os senhores Antônio de Lima Coelho, Pedro de Lima Coelho e João Alves da Silva, do boi Caprichoso, além de Raimundo Assunção Moura e Faustino Serra, do boi Mina de Ouro, que também acusaram Cenobelino como o autor da punhalada e tentativa de assassinato.

Não se sabe se o agressor foi capturado pois os noticiários nada informaram.

Apaziguada a situação, o que se sabe é que dias depois, já no mês de julho, ambos os Bumbás encenavam a matança do boi.

Hoje, tanto Caprichoso como o Mina de Ouro já foram extintos mas ficaram na história do folclore local como duas das mais importantes agremiações de Bumbás de Manaus onde esbanjavam criatividade em suas apresentações.

CONCLUSÃO

Mas a trajetória do Boi-Bumbá, no Norte do Brasil, não se resume a episódios de violência que houveram, e sim de uma bela manifestação folclórica e cultural, onde as diversas agremiações de boi, no Amazonas, mantém viva a tradição até aos dias atuais. 


Fonte: Jornal do Commercio.

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