CAMPEONATO AMAZONENSE DE 1917: NA GRANDE FINAL, CERCADA DE MUITA POLÊMICA, NASCE A RIVALIDADE DO "RIO-NAL"
Iniciava-se o ano de 1917 e a
Liga Amazonense de Sports Athleticos (LASA), presidida pelo Dr. Aristóteles
Mello, logo tratou de organizar e definir os clubes que iriam participar
naquele ano da quarta edição do campeonato estadual de futebol, patrocinado
pela entidade.
Feito os ajustes, se definiu que
os clubes de Manaus participantes da primeira divisão da competição seriam os
seguintes: União Sportiva, Nacional, Luso, América, Rio Negro e Manáos
Sporting.
Já a segunda divisão contaria com
7 equipes (formadas pelos times reservas dos mesmos clubes da divisão
principal) e, pela primeira vez, seria disputada a terceira divisão.
O Nacional, o campeão do ano
anterior, vinha com quase o mesmo time para alcançar o bi-campeonato. O Manáos
Sporting (o time de Loureiro) também era um forte candidato ao título. Porém o
Rio Negro também vinha com uma equipe recheada de bons jogadores. Eram, na
verdade, os três principais candidatos ao título.
E foi na disputa desse campeonato
que se acirrou e se consolidou a maior rivalidade da história do futebol Baré, entre
o Nacional e Rio Negro, e que ficaria conhecido na posterioridade como o
clássico "Rio-Nal".
Durante os campeonatos de 1914 e
1915, a principal rivalidade do futebol do Amazonas era entre o Nacional e o
time inglês do Manáos Athletic. O Rio Negro, com um time ainda fraco, não
chegava a incomodar os principais times da cidade. Contudo, no campeonato de
1916 o Rio Negro se reestruturou e montou um time competitivo, porém os times
de destaque nessa disputa foram o Nacional e o Manáos Sporting.
Mas no estadual de 1917 o
principal confronto do futebol local teria outros protagonistas: o já citado
Nacional e o Rio Negro, encontro esse que se fortaleceria cada vez mais, ficando
para sempre na história esportiva do Amazonas e já ultrapassando um século de
existência.
Ficou decidido que todos os jogos
da primeira divisão seriam no campo do Bosque Municipal, em Manaus, sempre aos
domingos à tarde. O campeonato seria disputado em turno e returno com os clubes
jogando entre si, sendo declarado campeão aquela que acumulasse o maior número
de pontos.
O INÍCIO E ANDAMENTO DO
CAMPEONATO
Enfim o campeonato estadual teve
início no dia 21 de janeiro, com o Nacional derrotando a União Sportiva por
1x0.
Pouco depois o mesmo Nacional
sofreria uma grande perda pois o atacante Cícero Costa, seu principal
artilheiro, fora contratado pelo Clube do Remo se dirigindo ele à Belém do Pará
onde foi integrado no seu novo clube.
Duas semanas depois era a vez de
o Rio Negro também estrear com uma vitória de 6x0 no América.
No segundo compromisso dos
rivais, novo triunfo de ambos, com o Nacional goleando o Manáos Sporting, por
5x1, e o Rio Negro vencendo o Luso por 2x0.
E assim se seguiu a disputa com
rionegrinos e nacionalinos disputando palmo a palmo a liderança da tabela.
Finalmente, no dia 29 de abril, se
dava o primeiro duelo entre Nacional e Rio Negro no certame, valendo pelo
primeiro turno. No Rio Negro, uma novidade: pela primeira vez o clube se
apresentava em campo com seu novo uniforme, ou seja, a tradicional camisa
barriga-preta.
E parece que a nova roupagem deu
sorte ao galo carijó pois pela primeira vez em sua história o Rio Negro
derrotava o Nacional, pelo placar de 3x1. Essa vitória foi muito comemorada por
torcedores, jogadores e diretoria do Rio Negro com direito a uma grande festa, naquela
noite do dia do jogo, na sede do clube que ficava na Av. Joaquim Nabuco, que
teve inclusive a presença do presidente do Nacional, Dr. Rêgo Monteiro, que foi
ao local felicitar os algozes de seu clube.
Com esse resultado o Rio Negro
passava à frente dos nacionalinos na contagem de pontos e agora liderava o
campeonato.
Mas um fato triste veio paralisar
o campeonato temporariamente, pois o Dr. Lauro Cavalcante, presidente do Rio
Negro, veio a falecer. Em homenagem à seu ilustre mandatário, a diretoria
rionegrina resolveu intitular sua equipe de futebol com o nome de "time
Lauro Cavalcante".
Porém era hora dos tradicionais
adversários duelarem novamente, agora valendo pelo segundo turno. Se o Rio
Negro ganhasse estaria praticamente com a mão na taça. Sabedores disso, a
diretoria nacionalina resolve chamar seu antigo e principal jogador, que se
encontrava em Belém, como reforço para tão importante duelo: Cícero Costa.
Cícero foi então liberado pelo
Clube do Remo para vir à Manaus onde ele chegou exatamente na manhã do dia do
jogo, em 26 de agosto. E ele deu conta do recado pois o Nacional goleou o Rio
Negro por 4x0, com dois gols de Cícero e dois de Craveiro.
Continuando e caminhando o
campeonato para sua reta final, no seu último jogo o Rio Negro venceu o Manáos
Sporting por 2x0, gols de Anísio e Azevedo.
Já o último jogo do Nacional
seria contra o Luso. Caso os nacionalinos empatassem ou perdessem, o Rio Negro
seria declarado o campeão. E caso eles vencessem, estariam os dois rivais
empatados em número de pontos.
No placar final o Nacional acabou
triunfando por 3x1.
Com esse resultado, Rio Negro e
Nacional estavam agora empatados em número de pontos,18 no total.
E agora? os dois seriam
declarados campeões? não, pois a Liga resolveu fazer o mais sensato: a
realização de uma partida extra para, enfim, se decidir quem seria o campeão
amazonense de 1917.
Nas fotos de 1917, se vê o time do Rio Negro (jornal do Commercio) e do Nacional (jornal "A Imprensa"), antes da partida decisiva. |
NACIONAL 2X1 RIO NEGRO -
PARTIDA DECISIVA FOI REPLETA DE EMOÇÕES E POLÊMICAS
A Liga resolveu marcar para um
domingo, dia 21 de outubro, a realização de tão aguardado jogo. Os dois times
então intensificam seus treinos e o embate decisivo era o assunto principal nas
rodas de conversas em Manaus.
Chega então o dia do confronto. No
Rio Negro haveria dois desfalques: de Perdigão e do inglês Preece. Já o
Nacional (não se sabe o motivo) não pôde contar com Cícero Costa, que ainda
estava em Manaus.
O domingo estava ensolarado, e os
bondes chegavam ao campo do Bosque Municipal lotados de torcedores. Cerca de 2
mil pessoas se espremiam no entorno do campo. Uma turma de guardas civis, comandada
pelo subdelegado Teixeira, também se encontrava no local para faze a segurança
e evitar um possível conflito entre os torcedores.
Antes do jogo principal houve uma
preliminar, valendo pela segunda divisão, onde o time reserva do Monte Cristo
goleou por 6x1 os reservas do Manáos Sporting.
O juiz escolhido foi Raymundo
Chaves Ribeiro e os dois times entravam no gramado assim:
NACIONAL- Fernandes, Fidoca e Fernandinho; Meninéa, Rodolpho Gonçalves e
Pequenino; Dantas, Aureliano, Craveiro, Paulo Mello e Pará.
RIO NEGRO- Castrinho, Mário e Santana; Carneiro, Raul Sá e Marinho;
Anísio, Hermínio, Aurélio, Azevedo e Luiz Travassos.
Precisamente às 16 horas e 15
minutos o juiz iniciava a partida, cabendo a saída ao Nacional que logo fez um
ataque perigoso ao gol inimigo, mas que foi anulado pelo zagueiro Mário.
Quinze minutos após o início do
jogo começou a cair uma chuva no Bosque, que prejudicou em parte o andamento da
partida. Continua o jogo bem disputado, com o Nacional obrigando o Rio Negro a
cometer diversas faltas. Já o clube barriga-preta por algumas vezes dominou o
campo adversário, mas não conseguiu marcar gols devido a boa atuação dos
zagueiros nacionalinos.
O Nacional dominava intensamente
o campo inimigo. Quando o primeiro tempo caminhava para seu final eis que Luiz
Travassos domina a bola e, correndo pela ponta esquerda, marca o primeiro gol
do Rio Negro que foi anulado pelo juiz, alegando impedimento.
E assim findava a etapa inicial, empatada
em 0x0.
Começava o segundo tempo às 17
horas, dando a saída o Rio Negro.
O time rionegrino faz uma
investida, mas que acabou sendo interceptada por Pequenino e Rodolpho
Gonçalves, sendo que Rodolpho passa a bola para o capitão nacionalino Paulo
Mello que, após passar com luta pelos jogadores contrários, marca o primeiro
gol do Nacional. Vibram com grande entusiasmo os torcedores nacionalinos.
Reiniciado o jogo, vem a reação
rionegrina. Aurélio, de posse da bola, chuta e marca o gol de empate do Rio
Negro. Houve muita comemoração dos torcedores alvinegros, respondendo à altura
na vibração dos nacionalinos.
A partida estava então
equilibrada quando Craveiro, do Nacional, recebe a bola, a deixa cair e de
joelho toca a pelota para dentro do gol de Castrinho, assinalando o segundo gol
do time alvi-azul. Torcedores nacionalinos, eufóricos, atiravam seus chapéus no
gramado durante a comemoração. Porém a torcida do Rio Negro protestou contra o
gol que teria sido ilegal, afirmando que Craveiro teria dominado a bola com a
mão.
Nesse momento Paulo Mello, correndo
com a bola, se choca com Santana, caindo ambos e sendo socorridos por diversas
pessoas.
Depois de sucessivos ataques de
parte a parte, as notícias da época afirmavam que era visível a superioridade
do Nacional.
O juiz então trilava o apito, terminando
assim o jogo com o placar de 2x1 para o Nacional e o título de bi-campeão
amazonense de futebol, ficando mais uma vez de posse da "Taça Kirk".
Durante a passagem do time
nacionalino para receber o troféu, diversas senhoritas da sociedade lhes
jogavam flores sobre suas cabeças e os abraçavam com vários "hurras".
Craveiro, do Nacional, foi o
artilheiro do campeonato com 19 gols.
Já os times reservas do Rio Negro
foram campeões das segunda e terceira divisões.
RIO NEGRO CONTESTA TÍTULO DO
NACIONAL E PROTESTA JUNTO À LIGA.
Mas os dirigentes e jogadores
rionegrinos não se conformaram com a derrota e perda do título alegando terem
sidos prejudicados injustamente, e procuraram reverter a situação.
A diretoria do Rio Negro
protestou junto à LASA contra o gol de Craveiro, cujos reclamantes o
consideraram irregular, e contra o juiz, acusado por eles de prejudicar a
equipe rionegrina em diversos momentos. Recorreram à Junta Divisional da Liga
para que o jogo fosse anulado e realizado outro.
O presidente do Rio Negro, Temístocles
Soeiro, junto com jogadores e sócios do clube, compareceram à sede da Liga, na
Rua São Vicente, no dia 24 de outubro. O presidente da LASA percebeu que vários
deles estavam com bengalas e entendeu que aquilo seria uma forma de lhe
intimidar e agredir, caso ele não desse um parecer favorável aos
reclamantes.
Começada a sessão, foi feito o
protesto pelo delegado do Rio Negro, senhor Antônio Moura Pinto, que apresentou
documentos e testemunhas sobre sua reivindicação. Todavia o senhor Cromácio
Cabral, delegado do Nacional, rebateu o oponente e defendeu seu clube. Cromácio
terminou propondo que a Liga não tomasse conhecimento do protesto apresentado
pelo Rio Negro.
Em seguida o senhor Edgard Lobão,
do América, deu seu parecer em favor do Rio Negro.
O clima era tão tenso que até
pedradas foram lançadas para dentro da sala de sessões da LASA, provavelmente
atiradas por torcedores rionegrinos inconformados ou, talvez, por torcedores
nacionalinos contrários às exigências
dos adversários e que não os queriam ali reivindicando.
Encerrada a sessão da Liga o
presidente da entidade, então, designou uma comissão composta de três pessoas (pertencentes
aos clubes Satellite e União Sportiva) encarregadas de averiguar se havia
veracidade do protesto.
Caso essa comissão comprovasse
uma só irregularidade o jogo seria então anulado.
Injuriado por achar que tinham
sido roubados e por não terem aceitado de imediato sua reivindicação, o
presidente do Rio Negro, ao sair da reunião, tentou agredir na Leitaria Ramos
um influente sócio do Nacional que ali se encontrava, não conseguindo seu
intento devido a interferência de terceiros.
Com todos ainda com os nervos à
flor da pele, o capitão nacionalino Paulo Mello enviava uma carta à um jornal
local defendendo seu clube e criticando a diretoria rionegrina. Paulo inclusive
lembrava que nos dois jogos anteriores entre os dois rivais, tinha se calado
perante às irregularidades que ele afirmava terem havidas na vitória do Rio
Negro por 3x1, e a violência extrema que ele e outro colega teriam sofrido no
duelo em que o Nacional venceu por 4x0.
O jogador nacionalino também
afirmava que a vitória de seu time, na final, foi justa e que o adversário não
poderia recorrer à Junta Divisional e nem anular o jogo, pois somente o juiz em
campo teria esse poder, conforme dizia o estatuto da Liga onde afirmava que
para as decisões do árbitro com relação à algum fato ocorrido durante uma
partida não se admitia apelação.
O campo do Bosque Municipal em 1917, local da final do campeonato estadual entre nacionalinos e rionegrinos (foto da revista "Cá e Lá"). |
DEVIDO A POLÊMICA, LIGA É
EXTINTA.
Enfim em uma nova reunião na sede
da Liga Amazonense de Sports Athleticos, no dia 5 de novembro, com a presença
do presidente Aristóteles Mello, foi então proposta a dissolução da Liga (para
surpresa geral).
Votaram assim a favor da
dissolução os delegados do Nacional, Luso, Naval, Manáos Sporting e Satellite. Já
o Rio Negro, Monte Cristo e América votaram contra. Outros três delegados se abstiveram. Mas no final a
maioria votou pela extinção da entidade esportiva, o que de fato aconteceu.
Sendo assim, estando sob o
parecer de uma segunda comissão, o título do campeonato da primeira divisão
ficou sem solução.
O presidente da LASA nomeou uma
comissão pra fazer a partilha dos bens da agora extinta sociedade esportiva e
declarou o campeonato de 1917 anulado, afirmando assim um jornal local que
tanto o Nacional como o Rio Negro poderiam ser declarados os campeões de
futebol daquele ano.
Oficialmente o Nacional é
apontado como o campeão amazonense de 1917, mas, como se pode ver pelas fontes
da época, não houve um campeão oficializado. Seria então o Nacional o campeão?
Ou tanto Nacional como Rio Negro podem ser declarados os campeões?
Cabe então aos interessados no
assunto (pesquisadores, federação, etc.) resolver essa questão.
Fontes: Jornal do Commercio, O Tempo, A Imprensa.
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