ANACLETO, O AFRICANO QUE ATUOU NOS PRIMÓRDIOS DO FUTEBOL AMAZONENSE E TEVE UM FIM TRÁGICO
Na ilustração, de Lucio Izel, se tem Anacleto quando goleiro do Amazonas antes de um jogo no estádio Parque Amazonense.
O seu nome era Anacleto Ramos e se consagrou como um dos principais goleiros do futebol do Amazonas nas primeiras décadas do século XX, na época em que o defensor das traves ainda era chamado de "goal-keeper".
Anacleto nasceu em Cabo Verde em 1897,
local que na época era uma colônia de Portugal e que se situa num arquipélago
no Oceano Atlântico próximo à costa africana. Devido há séculos de domínio lusitano,
hoje o português é idioma oficial de Cabo Verde, junto com o crioulo.
Não se sabe o motivo de Anacleto
ter imigrado de sua então colônia portuguesa (hoje um país) para o Amazonas,
mas provavelmente tenha sido atraído pelo ciclo econômico da exportação da
borracha.
O que se sabe é que ele, já
estando em território nacional, se naturalizou brasileiro e em Manaus serviu o
exército no 27⁰ Batalhão de Caçadores, onde se tornou o corneteiro do batalhão
e depois trabalhou na cervejaria Miranda Corrêa.
Residia em Manaus no bairro de
São Raimundo, junto com sua esposa Francisca Ramos com a qual teve duas filhas.
Era negro, de estatura alta e de origem humilde, foi o primeiro africano a
jogar futebol no Norte do Brasil (teria sido também do país?).
A ESTREIA NO AMAZONAS SPORTING
CLUB E DEMAIS EQUIPES QUE DEFENDEU
As primeiras notícias de Anacleto
como atleta do futebol amazonense vêm do ano de 1919, quando ele estreava na
equipe do Amazonas Sporting Club na função de goleiro. E começou bem, sendo um
dos destaques na disputa do campeonato daquele ano onde o Amazonas ficou com o
vice-campeonato, numa disputa acirrada contra o Nacional, que ficou com o
título de campeão.
Naqueles anos em que Anacleto atuou,
o melhor goleiro do Amazonas era Restolho Nery, do Nacional, que era
extremamente míope e por isso jogava de óculos. Outros bons arqueiros eram Manoelzinho,
do Rio Negrone Arnaldo, do Luso. Anacleto também era destaque, sendo o guardião
da cidadela do Amazonas e querido pela torcida do clube alvinegro.
Anacleto defendeu o Amazonas até
1922 quando, sem avisar os dirigentes de seu clube, se transferiu para o
Euterpe participando do campeonato do referido ano.
Aliás os clubes que Anacleto
enfrentou durante sua carreira futebolística foram os seguintes: de 1919 a 1922
ficou no Amazonas; de 1922 a 1923 defendeu o Euterpe nos campeonatos desses
anos; como morador de São Raimundo, ele defendeu as traves do tradicional time
do bairro, o São Raimundo, em 1924 e 1925,em partidas amistosas; já em 1926 ele
jogou pelo Independência no campeonato daquele ano; ainda em 1926 ele foi
defender novamente o Euterpe onde disputou pelo clube o campeonato de
1927;e,finalmente,Anacleto passou a jogar no time do Libertador, de 1928 a
1930,mas não mais na posição de goleiro e sim de atacante.
Porém a maior identificação de
Anacleto foi mesmo no time do Amazonas, onde o antigo cronista esportivo "Aessene”,
testemunha ocular de jogos daquele período, lembrava em suas crônicas anos
depois de suas atuações em jogos no Parque Amazonense quando o cabo-verdiano
fazia defesas arrojadas se tornando a alma protetora da meta do seu clube (que
viria a ser extinto em 1924) e um dos melhores goleiros do Amazonas em sua
época.
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A equipe do Amazonas Football Club,em 1920. Anacleto é o do meio que está em pé. Foto do arquivo de Carlos Zamith. |
ALGUMAS CURIOSIDADES
Durante sua trajetória esportiva
e vida pessoal, Anacleto teve como destaque sua participação na fundação da
Liga Suburbana Amazonense de Football, em novembro de 1919, cuja sede da ficava
em São Raimundo, com Anacleto fazendo parte do tribunal arbitral da entidade
que congregaria todos os times do subúrbio de Manaus que não eram filiados à
federação local.
Mas em setembro de 1921o arqueiro
africano sofre um grande baque emocional, quando sua filha Maria falece com
apenas três dias de nascida.
Baseado em pesquisa de Rildo Heros
(vindos da tradição oral), na época em que Anacleto servia no quartel do 27⁰ BC,
o lutador japonês de jiu-jitsu Soishiro Satake ali ensinava sua arte marcial
para os soldados do batalhão. Em um determinado dia Anacleto chegou na hora das
aulas de luta, quando Satake o chamou para o treino e no combate o japonês
infringiu vários golpes no seu oponente, o deitando ao solo machucado.
Injuriado pelas risadas dos que ali estavam presentes, Anacleto se levantou, se
virou contra o japonês e lhe aplicou vários golpes de rabo de arraia e rasteiras
(o que leva a crer que era um praticante de capoeira), e só não bateu mais em
Satake devido a interferência de seus companheiros.
Já em 1922 Anacleto ainda era
goleiro do Amazonas sendo inscrito para participar do campeonato estadual pelo
seu time. Porém no encontro entre Nacional e Euterpe, no primeiro jogo das duas
equipes no certame em março (vitória do Nacional por 6x1), Anacleto surpreendeu
a todos ao participar do jogo defendendo a trave dos Euterpeanos. A atitude
dele gerou insatisfação dos dirigentes do Amazonas, que foram pegos de surpresa,
e também nos dirigentes da FADA, que infringiu uma multa no Euterpe pela
irregularidade.
Porém anos depois um acidente
fatal colocaria fim à existência do conhecido arqueiro africano.
UM HIDROAVIÃO PERUANO VISITA
MANAUS
Em 1930, um hidroavião do
exército peruano, batizado de 1R-10, saiu da capital de seu país, Lima, com
rumo à cidade de Iquitos, na Amazônia peruana. Dali o hidroavião seguiria para
Manaus onde ficou sendo aguardado com ansiedade pela população e autoridades. A
finalidade dessa viagem era estreitar a amizade entre Peru e Brasil. O 1R -10
era pilotado pelo comandante José Estremadoryo.
Após sofrer um atraso em Iquitos,
o hidroavião finalmente chegava à Manaus na tarde do dia 24 de agosto, sendo
recebido por uma multidão, entre autoridades e populares, estando no meio deles
o cônsul do Peru.
Assim que pousou na água, o
comandante Estremadoryo deixou o hidroavião na rampa da rua Tabelião Bessa,
próximo ao mercado, onde ficou estacionado.
No dia 27 de agosto o 1R-10 fez
suas primeiras evoluções de exibição no ar. Para isso foram convidadas as
autoridades que embarcaram na cabine e pessoas selecionadas em um sorteio. O
avião voou até a baía do rio Negro, voando depois baixo sobre a cidade e
voltando ao ponto de partida, onde o comandante foi recebido com palmas pelos
espectadores.
O ACIDENTE FATAL: ANACLETO É
ATINGIDO PELA HÉLICE
No dia 28 pela manhã o hidroavião
peruano faria sua segunda e última evolução em Manaus.
Estava ali para auxiliar o avião
em sua atracação o conhecido esportista Anacleto, que no momento era empregado
da cervejaria Miranda Corrêa, junto com o operário José da Silva que estava
empenhado no mesmo serviço.
Na tarde daquele mesmo dia
Anacleto e demais jogadores do Libertador (seu atual clube) fariam um treino,
às 16 horas, na Praça Floriano Peixoto, visando a preparação para o próximo
jogo da equipe no campeonato.
Com grande número de pessoas presentes,
o 1R-10 levantou voo novamente pela manhã, levando várias pessoas para o passeio.
O hidroavião já estava em sua quarta evolução quando começou a descer para
pousar e, tomando o rumo da rampa e movimentando-se com regular velocidade,
acabou apanhando Anacleto cuja hélice do hidroavião atingiu-o na cabeça e tórax,
ferindo-o gravemente.
Caído desacordado ao solo e
perdendo muito sangue nas duas partes afetadas, Anacleto foi erguido e
transportado em automóvel para a Beneficente Portuguesa, por determinação da
firma em que trabalhava.
Assim que chegou no hospital o
ferido, Anacleto foi submetido a uma operação de urgência pelos doutores
Turiano Meira, Cruz Moreira, Flávio de Castro e Almir Pedreira.
À tarde o comandante peruano
Estremadoryo esteve na Beneficente em visita à Anacleto, tendo ficado muito
abalado com o acidente.
Devido à grande hemorragia
pulmonar que aconteceu decorrente do forte baque produzido no acidente, os
médicos tentaram de todas as formas salvar o paciente cujo estado de saúde se
agravara mais ainda.
Apesar dos esforços, Anacleto
Ramos veio a falecer às 21 e meia horas. O seu corpo foi transportado para o
necrotério da Beneficente e sendo enterrado no dia seguinte. Tinha 32 anos de
idade.
Sua morte consternou o meio
esportivo de Manaus, principalmente os dirigentes e jogadores do Libertador,
clube que ele estava defendendo. Anacleto deixava mulher e uma filha de 7 anos
de idade.
Naquela mesma manhã do acidente,
logo na primeira evolução do 1R-10, ele já havia atingido, com uma das asas, o
mastro da lancha Jovita Eloy.
HOMENAGEM NO MEIO
FUTEBOLÍSTICO
No dia 31 de agosto de 1930, em
partida válida pelo campeonato amazonense entre o Libertador e o Manáos Sporting
(ganha pelo Sporting por 1x0), no campo do Luso, se fez um minuto de silêncio
antes do jogo em homenagem à Anacleto.
Fonte: Jornal do Commercio.
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