CONTOS E LENDAS DA AMAZÔNIA ANTIGA - O CURUPIRA DA REGIÃO DO RIO IPIXUNA

 

Curupira com uma de suas montarias, conforme mencionam as lendas.

Em algum ano da década de 1950, o senhor Gabriel Vieira organizava novamente mais uma expedição com um grupo de 10 amigos seus que iriam lhe ajudar na coleta de sorva e balata, numa área bem distante de onde estavam: no alto rio Ipixuna.

Feito todos os ajustes, eles saíram então de uma comunidade da zona rural do município de Manacapuru, no Estado do Amazonas, para o local indicado onde pretendiam colher os produtos, para embarcar e trazer para vender em seu local de origem.

A sorva é uma fruta muito apreciada pelos ribeirinhos amazonenses e a balata é o látex que sai de uma árvore chamada Balateira ou Maparajuba e que é aproveitada comercialmente.

Então o grupo de homens, comandados por Gabriel, saiu a bordo de um batelão singrando as águas do rio Solimões, e depois penetrando no rio Purus, navegando de subida.

Finalmente, após uns 5 dias de viagem, alcançavam a boca do rio Ipixuna (um afluente do Purus) e entravam nele para chegar ao local onde havia muita concentração de pés de sorveiras e de Balateira.

Continuando a navegar por mais dois dias, chegaram ao seu destino final numa área na margem do Alto rio Ipixuna, num local distante e isolado, sem presença humana pelas imediações.

Eles então encostaram sua embarcação na beira e desembarcaram, logo construindo um tapirí. Para quem não sabe, tapirí é uma choupana feita de madeira e palha para abrigar provisoriamente seringueiros, castanheiros, lavradores, etc., no período em que eles estão fazendo seu serviço.

Já acomodados, começaram então a penetrar na mata virgem, com seus terçados, espingardas e paneiros, onde chegaram ao local das árvores, passando eles a colher por dias a sorva e a balata. Assim que começava a escurecer, anunciando a chegada da noite, voltavam aqueles trabalhadores à margem do rio onde armaram suas redes embaixo ou ao redor do tapirí. Mas antes de dormirem, jantavam os peixes que haviam pescado ou a carne de frango e porco que haviam trazido.

 

A CAÇADA E ABATIMENTO DE UMA ANTA

Porém, um certo dia resolveram mudar o cardápio do almoço e janta, pois já estavam enjoados de comer os peixes e a carne que haviam trazido já estava escasseando. Resolveram então caçar e ir atrás de uma paca, cutia ou veado na mata. Um dos trabalhadores, que já havia estado ali fazendo o mesmo serviço, conhecia um lugar na floresta em que um grupo de antas costumava ir comer e beber água.

Sendo assim, os homens se armaram de suas espingardas e se dirigiram ao local. Chegando lá, ficaram de tocaia esperando o momento de os animais aparecerem, o que não demorou muito.

De repente um grande número de antas ali brotou e, entre elas, havia uma que era a maior de todas parecendo ser o macho líder.

Os homens vendo o tamanho do animal, perceberam que ali havia carne suficiente para todos por alguns dias, e não contaram conversa. Um deles mirou sua arma bem no animal e acertou em cheio, enquanto as outras antas fugiram ao estampido do tiro.

Satisfeitos pelo sucesso na caça, os trabalhadores voltaram ao tapirí com seu prêmio e começaram a preparar a carne da anta para o almoço e também fazer o fogo onde depois de servido degustaram a carne que estava deliciosa, repetindo a dose na janta.

Após o jantar sob a luz de lamparinas, já com a barriga cheia e cansados do trabalho durante o dia, todos foram dormir em suas redes pois já era tarde da noite.

 

AUTOR DO DISPARO COMEÇA A TER DELÍRIOS


E na ilustração, o homem tendo delírio causados, conforme o conto, pelo Curupira. 


Mas eis que o homem que havia abatido aquela anta enorme com sua espingarda, começou a entrar em pânico na rede, se pondo a gritar, gemer e suar frio, colocando as mãos no rosto como querendo se proteger de algo e arregalava seus olhos como vendo algo assustador. Ele dizia, desesperado, "me deixa em paz, sai daqui”, e gritava por socorro.

Os outros seus colegas, acordando com o barulho, tentavam acalmar o homem que cada vez mais se desesperava, não conseguindo ele dormir a noite toda e nem deixando seus companheiros dormir. Na noite seguinte, continuou a mesma situação que piorava cada vez mais. O que seria aquilo? teria ele contraído alguma doença? estava tendo alucinações? Ou estava sofrendo de loucura?

Foi aí que um dos homens lembrou que baixando o rio Ipixuna morava um humilde caboclo que era conhecido por ser um famoso curandeiro, que sabia decifrar todos os mistérios das matas, dos rios e espirituais como também curava as pessoas de qualquer enfermidade, com ervas extraídas da floresta.

Então Gabriel Vieira e seus trabalhadores resolveram seguir até a casa do dito curandeiro antes que algo de pior acontecesse, pois talvez ele tivesse a resposta para o sofrimento do homem, que continuava com delírios.

 

CHEGANDO NA CASA DE UM CURANDEIRO: A MALDIÇÃO DO CURUPIRA

Eles embarcaram no batelão com seus produtos e seguiram viagem navegando de baixada durante um dia, até que avistaram a casa do curandeiro (também conhecido na região amazônica como “rezador”) na margem do rio.

Todos desembarcaram onde foram recebidos pelo velho caboclo, que logo foi informado do motivo deles terem chegado na sua residência, ou seja, relatando o sofrimento que seu companheiro estava passando e se o experiente homem podia explicar o que afinal de contas estava acontecendo com ele.

O rezador, então, mandou trazer o homem atormentado à sua frente, e logo mandou ele fechar os olhos, fez uma reza, fez uma defumação nele e enfim deu o veredito final do real motivo da aflição que o homem estava passando.

O curandeiro o mandou abrir os olhos e disse: "-Naquela caçada você matou a montaria do Curupira, o cavalo dele, e por isso ele está furioso com você e vai lhe atormentar até morrer"

O Curupira, ser lendário da Amazônia, que segundo se diz habita as áreas de mata seguida, possuindo cabelos vermelhos e pés para trás e que castiga todos aqueles que maltratem a mata e seus animais, sendo conhecido por uns como um demônio e por outros como o pai e protetor da floresta.

Após todos descobrirem o motivo daquela situação, o velho caboclo disse que tinha como afastar o Curupira para que não mais atormentasse o trabalhador e nem tirasse sua vida. Falou a seus colegas que ele precisava ficar ali em sua casa para um tratamento espiritual urgente.

 

UM TRATAMENTO ESPIRITUAL PARA QUEBRAR O ENCANTO

Não tendo outra saída os trabalhadores ficaram então no local, aguardando o caboclo acabar o tratamento que durou dois dias, com rezas, defumações, ingerindo bebidas feitas de ervas, tomando banho de ervas, etc.

Após acabar o procedimento de cura o homem teve uma sensível melhora, seus amigos pagaram o serviço para o rezador, embarcaram no batelão e seguiram viagem rumo ao seu lugar de origem, em Manacapuru. O homem ficou curado, não tendo mais visões e nem sensações desesperadoras.

Ao chegarem em sua comunidade, Gabriel Vieira e os demais trabalhadores falaram a todos o inusitado e misterioso acontecimento que ocorrera em sua jornada. Depois, foram vender o leite da balata e as sorvas para comerciantes das cidades de Manacapuru e de Manaus.

Lenda ou realidade? Acredite se quiser.

 

Fonte: Relato extraído da tradição oral.

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