REMINISCÊNCIAS DO FUTEBOL BARÉ: DURANTE UM "RIO -NAL" EM MANAUS, TEM INÍCIO UMA DESAVENÇA ENTRE DOIS ESPECTADORES QUE QUASE TERMINA EM TRAGÉDIA FATAL
Já consolidado como principal
atividade de lazer da população do Estado do Amazonas, o futebol local já tinha
seus dois principais protagonistas na disputa do campeonato estadual e que
disputavam a preferência do torcedor amazonense: eram as equipes do Nacional e
Rio Negro, que anos depois ficou conhecido como o clássico "Rio-Nal”. E
também era comum já naquela época, primeiras décadas do século XX, as
provocações entre torcedores dos dois clubes e xingamentos direcionados aos jogadores,
que não eram bem vistos pela imprensa que sempre denunciava o que considerava
um mal comportamento e falta de educação de certos torcedores. Mas, até então,
não tinha acontecido um fato em Manaus que pendesse para a violência extrema
entre os espectadores, a ponto de haver ferimentos à bala ou morte.
Porém um fato iniciado durante a
disputa do campeonato amazonense de 1920, envolvendo violência de um homem
presente a um jogo e que se estendeu para fora do estádio, ganhou notas nos
principais jornais da cidade e por pouco não teve um desfecho mortal.
NACIONALINOS E RIONEGRINOS EM
CAMPO: PROTAGONISTAS DO CONFLITO TAMBÉM ALI ACOMPANHAVAM A PARTIDA, UM A
TRABALHO E OUTRO TORCENDO
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O estádio Parque Amazonense, em Manaus, em 1918, no mesmo local e época do início do ocorrido. |
No dia 13 de junho de 1920 os
tradicionais rivais Nacional e Rio Negro se enfrentariam pela primeira vez no
campeonato daquele ano e ambos os times brigavam pela liderança do primeiro turno.
Os torcedores compareceram em massa naquele domingo à tarde para o esperado
jogo no estádio Parque Amazonense, em Manaus.
Os representantes de todos os
jornais da cidade estavam também no estádio para acompanhar o jogo e depois
enviar a crônica da partida a seus respectivos noticiários que seria publicada
no dia seguinte.
Entre os jornalistas mandados ali
para aquela missão estava Eutíquio José Guimarães, amazonense, de 21 anos de
idade e residente na rua Monsenhor Coutinho, n⁰82.Eutíquio era filho do capitão
da polícia militar Antônio José Guimarães, e trabalhava na redação do jornal
"A Imprensa".
Chegando no Parque Amazonense,
Eutíquio ficou na área reservada aos profissionais da imprensa, estando ali
também os jornalistas do "Jornal do Commercio”, “O Tempo”, E “Gazeta da
Tarde".
Começava o jogo que foi
emocionante e com muita vibração entre os torcedores nacionalinos e rionegrinos.
E no final houve um empate de 2x2, com os gols do Nacional marcados por
Pequenino e Craveiro e do Rio Negro assinalados por Santana e Xavier.
REPREENDIDO POR JORNALISTA,
TORCEDOR PARTE PARA A AGRESSÃO
Contudo, quando o jogo estava em
andamento um grupo de torcedores começou a se exaltar, proferindo palavras de
baixo calão para o árbitro Arnaldo Santos. Porém esses torcedores estavam ao
lado da tribuna da imprensa e os palavrões que eles diziam passou a incomodar o
jornalista Eutíquio Guimarães que começou a chamar a atenção de um deles, que
era um dos mais raivosos e que se chamava Diniz de Souza Castro, lhe dizendo
que não deveria tomar aquela atitude pois, devido não haver motivo, o juiz não
estava favorecendo nenhum time, visto que ele foi escolhido para dirigir a
partida por ambas as equipes. Diniz era conhecido como "Didi Castro”, era paraense,
tinha 31 anos, trabalhava como porteiro da Alfândega, era filho adotivo do
senhor Manoel dos Santos Castro e residia na rua Municipal, n⁰121.
Ao ser repreendido por Eutíquio,
Diniz não gostou e, querendo mostrar sua valentia, disse que brigaria até com
seis pessoas se lhe aparecessem à sua frente, procurando assim desafiar
Eutíquio e lhe pedindo para ele repetir o que havia dito.
Percebendo a provocação de Diniz
e o desejo dele de começar uma briga, Eutíquio respondeu calmamente que não
iria repetir o que disse e que também não queria brigar.
Não conformado com a resposta do
jornalista e disposto a ir à forra com aquele sujeito que considerou abusado,
Diniz pulou a grade que separava os torcedores dos jornalistas para agredir
Eutíquio dizendo furioso que iria dar uns tabefes naquele
"patifezinho".
Porém não conseguiu seu intento
devido a intervenção de vários torcedores e do chefe de polícia que ali estava,
que o agarraram e o acalmaram, tirando ele do estádio.
Parecia que tudo estava resolvido
e nada mais havia a temer. Grande engano.
JORNALISTA EXPÕE O CASO EM
NOTICIÁRIO E GERA MAIS ÓDIO NO TORCEDOR ACUSADO
Na segunda-feira, na crônica do
jogo do jornal "A Imprensa”, assinada por Eutíquio Guimarães, o mesmo
registrou o lamentável fato contra sua pessoa, chamando o agressor pelo
pseudônimo de o "indivíduo”. Mas o próprio Diniz leu a matéria do jornal e
ficou mais furioso ainda contra o jornalista Eutíquio, pois sabia que o
"indivíduo" que ele mencionara nas linhas do jornal se tratava de sua
pessoa, e logo resolveu tirar satisfações com seu rival.
Sendo assim, por diversas vezes
durante o dia Diniz ficou rondando a redação do jornal "A Imprensa”,
aguardando o momento da saída de Eutíquio e dizendo que queria perguntar dele
quem era o "indivíduo".
Eutíquio, ao saber disso quando
se direcionava ao jornal pelas 19 horas, disse a um outro jornalista que já
andava prevenido pois mais de dez pessoas o haviam avisado de que "Didi Castro”,
como era conhecido Diniz, o andava procurando com a finalidade de o espancar.
Eutíquio afirmou que tinha convicção de que se isso acontecesse ele não teria a
menor chance devido ser franzino enquanto seu oponente era muito forte
fisicamente.
Às 20 horas de segunda-feira, do
dia 14 de junho, Eutíquio estava na delegacia auxiliar colhendo informações de
ocorrências para serem publicadas no jornal no dia seguinte. Foi quando ali
entrou de surpresa Diniz perguntando a Eutíquio se ele estava fazendo alguma
queixa contra ele, logo afirmando o jornalista que estava ali somente pegando notas.
Assim que Diniz saiu, Eutíquio disse ao policial de permanência, Francisco Azevedo,
que tinha certeza que Diniz estava lhe perseguindo e que iria ali lhe agredir,
só não conseguindo devido à presença do policial.
ADVERSÁRIOS SE ENCONTRAM: DISCUSSÃO,
ESPANCAMENTO E TIROS
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Na ilustração, uma
representação do conflito entre o torcedor e o jornalista em frente à farmácia
Studart. |
Após colher as notas e se retirar
da delegacia, Eutíquio Guimarães deu de cara com Diniz que lhe aguardava de
tocaia no canto da farmácia Studart. Enfim naquela noite ali em frente ao estabelecimento,
na Avenida Eduardo Ribeiro, Diniz fez o que tanto queria, agredindo Eutíquio
com três bofetadas. E na sequência Diniz se preparava para dar mais socos em
sua vítima, mas Eutíquio sacou de um revólver que trazia e disparou três vezes
contra seu algoz, o primeiro tiro foi direcionado para baixo, próximo dos pés
do agressor, para evitar que ele avançasse e novamente o espancasse. Como Diniz
não recuou, acabou lhe acertando dois tiros na região umbilical que fez Diniz
desabar ao solo se esvaindo em sangue.
Diversas pessoas que assistiram a
cena, vendo a gravidade da situação de Diniz, o apanharam e o carregaram
imediatamente em estado grave para o hospital da Beneficente Portuguesa.
Quanto a Eutíquio ele meteu
calmamente o revólver no bolso e dirigiu-se à delegacia. Todavia no caminho,
quando passava pela rua Municipal, recebeu voz de prisão do soldado do exército
José de Araújo Barbosa, lotado no 27⁰ Batalhão de Caçadores, que o acompanhou
até a polícia embora dissesse Eutíquio ao militar que já estava a caminho da
delegacia por decisão própria. Chegando ali à arma do jornalista foi aprendida
e ele recolhido ao xadrez.
Já no hospital da Beneficente, os
doutores Jorge de Moraes e Teógenes Beltrão operaram Diniz, lhe extraindo as
balas e o colocando fora de perigo alegando que o pronto restabelecimento do
ferido se daria em oito dias.
Sob a alegação de não ter sido
preso em flagrante e de Diniz não correr mais risco de morte, Eutíquio
Guimarães foi posto em liberdade na terça-feira à tarde.
O episódio ocorrido em Manaus foi
até publicado num periódico esportivo do Rio de Janeiro, então capital do país,
onde nas linhas do informativo se afirmava que o exemplo do cronista esportivo
ter atirado num torcedor exaltado, poderia ser repetir entre cronistas e
torcedores cariocas, que sempre estavam em conflito.
Fontes: Jornal do Commercio, A Imprensa, Vida Sportiva.
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