A CABANAGEM NO AMAZONAS - NOS ANOS FINAIS DO CONFLITO, CABANOS AINDA RESISTEM NAS CERCANIAS DE LUSÉA

No ano de 1839 a província do Grão-Pará já estava praticamente pacificada da revolução cabana e isso devido à brutal repressão das tropas do império brasileiro que, expulsando os revolucionários da capital Belém, os empurrou cada vez mais para o interior da província sem deixar de seguir no encalço deles onde quer que houvesse focos de resistência cabana.

Mas na comarca do Alto Amazonas (atual Estado do Amazonas), os cabanos ainda resistiam e mantinham várias fortificações na área compreendida entre a Vila de Luséa e os rios Maués e Madeira. Ali os cabanos tiveram a adesão dos índios Muras que passaram a defender os ideais deles e foram inseridos nas fileiras dos rebeldes a lutar contra as forças do governo legal, afinal, diziam os Cabanos, os indígenas durante muito tempo foram vítimas de mortes, exploração e escravidão por parte dos portugueses e seus aliados no governo.



Na ilustração menor, acima, à esquerda, está uma cena da região de Maués, no Amazonas. Na ilustração à direita se tem os símbolos do exército Imperial brasileiro, responsável em reprimir a Cabanagem. Na foto maior se tem uma ilustração de Roberto Mendes, mostrando um grupo de Cabanos navegando em sua canoa. 


Sabendo da feroz resistência cabana na comarca do Alto Amazonas, o presidente da província do Grão-Pará, general Francisco Soares de Andrea, afirmava em correspondência de 1838 endereçada a seu sucessor no governo que: "No Amazonas, os seus distritos só poderão conservar-se a paz com as armas na mão, particularmente no rio Madeira, onde os índios não estão completamente obedientes. Os rebeldes, que foram levados até as cachoeiras do rio preto, ou Tapajós, atravessaram a terra firme e ameaçam novamente Luséa".

A Vila de Luséa corresponde à atual cidade amazonense de Maués e foi o principal reduto dos cabanos no Amazonas pois dali havia ligação com os rios Tapajós, Madeira e o lago de Autazes formando um quadrilátero onde os cabanos estavam constantemente em ação e movimentação, numa intrincada rede de furos, lagos, rios e igarapés.

Naquele período foi lançada uma contraofensiva do governo Imperial para desalojar e aniquilar os cabanos das imediações de Luséa e dos rios Maués e Madeira e o responsável em pacificar o Baixo e Alto Amazonas era o tenente-coronel Joaquim José Luiz de Souza, comandante da Expedição ao Amazonas e que se encontrava na Vila de Santarém coordenando as investidas das forças legais. Ele havia sido enviado à região pelo presidente legalista, general Francisco Soares de Andrea, que se encontrava em Belém no comando do governo do Grão-Pará e com a missão de livrar e varrer a província do império brasileiro dos cabanos.

COMANDANTE SOLICITA MAIS ARMAMENTOS E SOLDADOS

As ações dos cabanos nos arredores de Luséa estavam cada vez mais intensas e radical o que levou o 1⁰ tenente Joaquim Sabino da Silva, comandante da embarcação(escuna) "19 de Outubro" a remeter um ofício, em 15 de julho de 1839,para o comandante Joaquim José onde dizia que para defender a Vila de Luséa precisava urgente de 300 homens em operações e divididos em três batalhões: um para combater os rebeldes nos rios Urubu, Amatari e Arumã ; outro para expulsar os cabanos do lago do Autazes; e a terceira para desalojar os cabanos do rio Cuieiras. Pedia que esses batalhões deviam ser comandados por militares experientes e que conhecessem a região. O comandante Joaquim Sabino também pedia a seu superior que para essas expedições militares terem sucesso era indispensável serem reforçados com 100 armas,4 morteiros para armas nas igarités(canoas) e doze mil cartuchos de fuzilaria.

Mas meses depois o comandante Joaquim José Luiz de Souza deixa o comando da expedição ao Amazonas passando o cargo para Manoel Muniz Tavares. Estando Joaquim José em Santarém, ele enviou um ofício, em 8 de outubro de 1839, ao novo comandante Manoel Muniz onde afirmava que as vilas próximas à Luséa estavam incapacitadas de se defenderem das investidas dos cabanos o que gerava uma grande preocupação nas autoridades dessas vilas, medo que aumentava cada vez mais devido ao grande contingente de cabanos naquela área.

OS PRINCIPAIS LÍDERES CABANOS NO AMAZONAS

Na comarca do Alto Amazonas os principais bandos de cabanos, como se disse, estavam na área de Luséa e do rio Madeira. Nas cachoeiras do rio Urupadi, distrito de Luséa, o cabano Gonçalo Jorge de Magalhães era chefe de um grande número de rebeldes. Já no lago de Autazes os cabanos eram ali comandados pelos índios Muras Pantaleão e Manoel Gonçalves Lira. No distrito de Tupinambarana, na região do lago Paurá, o chefe cabano ali se chamava Crispim de Leão que, com seus comandados, ameaçava todos os dias atacar a Vila de Tupinambarana (atual cidade de Parintins). No Rio Uaicurapá os cabanos estavam sob as ordens de Constantino Lopes, enquanto no rio Andirá o líder cabano chamava-se Brasil. E em Maniassu eram os insurgentes chefiados por um indivíduo chamado Ventura (morador de Saracá).

Aliás foi o líder Gonçalo Jorge de Magalhães que se entregou às autoridades do império, na Vila de Luséa, junto com o último grupo de resistência cabana na comarca, composto de 900 pessoas, pondo fim à Cabanagem em 1840.

EXPEDIÇÃO LIDERADA PELO COMANDANTE LOURENÇO CONTA COM AJUDA DOS INDÍGENAS MAWÉS, ENFRENTA OS CABANOS, MAS RECUA DEVIDO ÀS DIFICULDADES

No momento máximo da contraofensiva do governo Imperial brasileiro contra os chamados "rebeldes do Amazonas" foi organizado uma diligência militar no encalço dos cabanos, na região de Luséa, no final de maio de 1839.Essa expedição armada era comandada por Lourenço da Silva Araújo que era comandante da escuna "Rio Grandense".

Ao seguir a tropa de Lourenço, composta por 40 soldados em busca dos insurgentes, encontraram um índio cabano da etnia dos Mawé, sendo ele logo preso pelos soldados. Assim como os índios Muras, vários Mawé eram também aliados dos cabanos. O indígena foi então apresentado ao comandante Lourenço que resolveu lhe dar um bom tratamento pois lhe entregou suas armas (arco e flecha) e lhe pôs em liberdade. O comandante, inclusive, permitiu que o índio dormisse no acampamento dos militares. Lourenço também aproveitou e falou para o índio que dissesse ao seu tuxaua, em sua aldeia, que a sua tropa não tinha intenção de atacar e matar ninguém na aldeia dos Mawé e que chegariam nas malocas de forma pacífica.

Essa era uma estratégia usada pelos comandantes das expedições para ganhar a simpatia dos Mawé e ter acesso livre às suas terras para assim as tropas alcançarem os cabanos, além de colherem informações dos próprios Mawés sobre a localização dos insurgentes. Estratégia essa que funcionou, pois, alguns tuxauas concordaram em ajudar as tropas de repressão, lhes dando preciosas informações e cedendo indígenas para servir de guias ou serem recrutados para as fileiras dos soldados, enquanto outros continuaram fiéis aos cabanos.

Ao amanhecer do dia 2 de junho de 1839, o dito indígena Mawé saiu do acampamento e seguiu seu caminho rumo à sua aldeia. Logo depois seguiu a tropa do comandante Lourenço também rumo à aldeia do indígena.

Porém os cabanos souberam, no dia anterior, da movimentação dos soldados ali perto e um grupo de seis deles foram até a aldeia e comunicaram o tuxaua da aproximação deles. Os índios, prevendo o pior pois eram aliados da causa cabana, trataram logo de fugir da aldeia, mas antes tomaram uma decisão radical pois tocaram fogo em todas as malocas para assim não deixar nenhum vestígio da presença deles ao inimigo, e em seguida entraram na mata e desapareceram.

Enfim não tardou a chegar à tropa imperial, e o comandante Lourenço tomou as devidas precauções durante a aproximação, afinal, sabia que ali era um reduto de simpatizantes dos cabanos. Mas, para sua surpresa, encontrou a aldeia abandonada e em cinzas. O que teria acontecido? mas a resposta à essa dúvida foi elucidada quando eles encontraram uma mulher Mawé que disse ao comandante o real motivo do abandono e destruição das malocas.

Os soldados então seguiram caminho, sendo eles guiados por um grupo de Mawés aliados, que haviam sido cedidos ao comandante pelo tuxaua Mateus num acordo entre os dois.

Após horas de marcha na mata, a expedição alcançou outra aldeia indígena. Mas, dessa vez, eles foram surpreendidos por uma tocaia dos cabanos que, desde o segundo dia de marcha da expedição, sabiam da presença deles ali pois haviam sido avisados por índios Mawés aliados deles.

Começou então o combate com muitos tiros, lutas e incêndio de malocas. No final os soldados conseguiram fazer os cabanos bater em retirada. Verificou-se então que foi morto o guia Mawé Luiz José Antônio. Antes do anoitecer e da partida da tropa para outros redutos cabanos, o comandante Lourenço ordenou que ninguém tocasse em nenhum utensílio dos indígenas, tanto os da aldeia como os que estavam entre os cabanos.

No dia seguinte continuaram eles em marcha, mas o comandante se encontrava isolado e sem comunicação, pois as informações haviam sido cortadas pelos cabanos que fizeram os índios abandonarem suas aldeias.

Tendo um soldado seu ferido no combate e impossibilitado de andar e também percebendo que agora possuíam poucos armamentos, o que seria fatal se fossem vítimas de uma nova emboscada dos cabanos, o comandante Lourenço ordenou a retirada urgente de seus soldados após 3 dias de marcha em um terreno desconhecido onde seriam presas fáceis para um ataque surpresa dos cabanos.

O comandante Lourenço voltou ao seu ponto de origem com seus subordinados onde escreveu ao seu superior afirmando que os cabanos, com certeza, já sabiam o local em que sua expedição ia se dirigir (motivo pelo qual foram vítimas de emboscada), estando entre os rebeldes vários desertores e outros vindos da região da Vila de Óbidos que tiveram ajuda de índios daquela área que lhes cederam mantimentos. O comandante também afirmava que em todas as aldeias indígenas do Amazonas os cabanos possuíam espiões que lhes davam informações sobre a movimentação das tropas do governo.

NOVA EXPEDIÇÃO DO GOVERNO ENFRENTA OS CABANOS NO TERRITÓRIO DOS MAWÉS

O ajudante de campo Pedro Ivo Silveira, comandou uma outra expedição na perseguição aos cabanos que saiu da área do rio Tapajós e desembarcaram na manhã de 28 de setembro de 1839 em terra, rumo à oeste. Dali do Tapajós seguiram em direção à Luséa, passando pelas terras dos índios Mawés. Possuindo-os documentos do governo, sabiam existir ali um chefe cabano chamado Barbosa, vulgo "Parintin”, que comandava todos os cabanos na área compreendida de Luséa até ao Tapajós, sendo que no Tapajós o chefe cabano chamava-se Tomás de Albuquerque, que era aliado de Barbosa.

Às 8 horas da manhã o comandante Pedro Ivo deu ordens para sua tropa penetrar e explorar mais o interior da mata em busca de vestígios dos cabanos. Porém ao passar a tropa pelas terras dos índios Mawés, no Amazonas, foi atacada de surpresa pelos cabanos que utilizavam táticas de guerrilha. Quanto mais a tropa se defendia do ataque e penetrava pelo interior, mais cabanos apareciam conseguindo os militares resistir e sair da área de conflito.

Mas às 2 horas da tarde chegaram num local do interior chamado Boca do Caixa onde ouviram dizer que era reduto dos cabanos. Contudo resolveram se retirar, devido a desproporção numérica da tropa frente aos cabanos e também por estarem com 4 soldados feridos do ataque anterior

Mas antes de saírem os soldados fizeram ali um bloqueio, impossibilitando os rebeldes de continuarem de posse de suas embarcações e de se locomoverem pelas águas pois encontraram e tomaram 25 canoas dos cabanos, cuja maior parte delas foi distribuída devido à falta de pessoas para as conduzir.

Na manhã do dia 29 de agosto de 1839 a tropa, enfim, voltou em marcha para o seu ponto de origem.

Os detalhes da diligência dessa expedição foram mandados em ofício pelo comandante Pedro, enviado da Vila de Ixituba, no rio Tapajós, em 4 de setembro de 1839, endereçada ao comandante geral da expedição ao Amazonas, tenente-coronel Joaquim José Luiz de Souza.

PRESIDENTE DO GRÃO-PARÁ PROPÕE ANISTIA AOS CABANOS SENDO ATENDIDO PELO GOVERNO REGENCIAL

Em seu primeiro discurso como novo presidente do Grão-Pará, em agosto de 1839 na Assembleia Provincial em Belém,Bernardo Souza Franco ao analisar a situação dos cabanos que ainda não estavam dispostos a entregar as armas no Alto Amazonas,mencionou que naquela comarca continuavam as operações militares de repressão aos rebeldes e reconhecia que seria difícil acabar com a rebelião ali devido à grande extensão do terreno e ao expressivo número de cabanos que estavam distribuídos em vários pontos do solo amazonense.Como única solução para esse problema Souza Franco não via outra saída senão trazer os lideres rebeldes ao diálogo e lhes dar uma anistia parcial,enviando ele essa sua proposta por escrito ao governo Imperial no Rio de Janeiro que acatou ao seu desejo com uma resposta positiva em novembro.

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Fontes: Diário de Pernambuco, ofícios do arquivo público do Pará.

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