DENÚNCIAS E CASO DE POLÍCIA: EM MANAUS, NO INÍCIO DO SÉCULO XX, O "FOOT-BALL" CAI NO GOSTO DA GAROTADA QUE TRANSFORMA AS RUAS E PRAÇAS EM LOCAIS DE JOGOS, GERANDO PROTESTOS DA POPULAÇÃO
Trazido ao Amazonas pelos ingleses que mantinham seus
empreendimentos no estado, o futebol amazonense teve início nos primeiros anos
do século XX, praticado em Manaus inicialmente pelos próprios ingleses e depois
por jovens nativos membros da elite amazonense, sendo que os primeiros locais
para sua prática, na cidade, foram na Praça Floriano Peixoto e no Bosque
Municipal.
Em poucos anos o esporte bretão conquistou todos os
manauaras de todas classes sociais, surgindo vários clubes da modalidade que
anos depois culminaria na realização do primeiro campeonato de futebol do
Amazonas, em 1914.
Porém era a criançada e os pré-adolescentes que mais se
fascinaram pelo esporte inglês, caindo no gosto da molecada que não media
esforços para o praticar em qualquer terreno descampado que houvesse, a
qualquer hora do dia, se espalhando a prática entre eles cada vez mais e se
tornando uma verdadeira febre entre os pequenos.
O futebol então virou a modalidade de diversão preferida dos
curumins, o que causava dor de cabeça para os pais e autoridades pois eles
agora deixavam o interesse pelos estudos de lado e também deixavam de ajudar os
pais para ir jogar bolão que se pode perceber é que enquanto, no início, a
modalidade era restrita a membros da elite ela não recebeu muitas críticas, mas
quando ela se popularizou e passou a ser praticado por menores de classes
pobres em locais não adequados, passou a ser perseguida.
A garotada era denunciada por estar jogando bola em locais públicos,
principalmente nas ruas e praças, onde geralmente no furor do jogo se dizia que
os moleques falavam palavrões, atrapalhavam o caminho dos transeuntes e
acertavam com boladas as janelas das casas próximas, danificando-as, e também
atingiam pessoas que muitas vezes ficavam bem machucadas além de, como bem
informavam os jornais, estarem perturbando o sossego público.
Quando não havia bola para jogar, devido as famílias dos
menores muitas vezes não terem condições de comprar a tão cobiçada esfera de couro,
o jeito era improvisar com caroços de tucumã servindo como bolão que causava
mais dor caso um transeunte fosse atingido.
Devido a isso, os menores eram denunciados na imprensa local
onde os reclamantes pediam que as autoridades e a polícia tomassem providências
contra eles e seu jogo pois que afrontavam as pessoas de bem sendo o
comportamento deles, quando estavam jogando, incompatível com pessoas educadas.
A imprensa chamava aqueles jovens amantes do futebol de
"vadios", "vagabundos" e "ervas más" e que davam
um péssimo exemplo aos bons costumes afirmando que o tal "foot-ball"
que jogavam amolecida a massa cerebral deles e era um pernicioso vício que
tinha de ser combatido no seu meio pois se proliferava como uma epidemia.
Mas havia quem defendesse eles, alegando que aquilo era uma
das poucas maneiras dos curumins carentes se divertirem e que sua diversão não
causava mal a ninguém e que nem todos eram mal educados, além de optarem jogar
nesses espaços por não ter locais adequados (já a imprensa dizia que havia
campos disponíveis).
Alertada sobre as denúncias, a polícia entrava em ação para
acabar com a prática considerada viciante e danosa para os menores, onde eles
eram detidos e a bola recolhida. Mas isso não impedia de os meninos o praticar
em outros pontos longe das batidas policiais, afinal era a diversão preferida
dos moleques oriundos de famílias humildes.
Entre algumas das denúncias, contra as peladas realizadas em
Manaus pelos menores e que foram publicadas nos jornais da cidade daquele período,
se tem as seguintes:
• Em 1914 se publicava uma reclamação contra um grupo de
jovens que jogavam o futebol na Avenida Japurá, cuja bola já havia acertado
várias pessoas.
• Em julho de 1914 moradores reclamam do jogo de futebol
praticado na rua Quintino Bocaiúva, entre a rua Dr. Almino e Avenida Joaquim Nabuco,
onde a bola havia acertado e ferido a cabeça de uma criança de dois anos.
• Já no mês de agosto de 1914 a reclamação dizia que um
"grupo de desocupados" se reuniam na rua Izabel, esquina com a
Avenida Joaquim Nabuco, onde os moleques se divertiam jogando futebol, sendo
que uma senhora moradora da área, que era esposa do Sr. Manoel Antônio Silva,
foi seriamente contundida por uma bolada que recebeu.
• Pessoas residentes na rua Xavier de Mendonça (no bairro
dos Tocos) solicitavam, em setembro de 1914, que fosse proibido a meninos sem
ocupação de fazerem daquela área pública um campo de futebol, pois a prática
tinha resultado em várias vidraças quebradas em casas das imediações.
•Em março de 1915 um jornal local denunciava a prática do
jogo de futebol, nas ruas, como vagabundagem. Dizia que na Praça de São
Sebastião um "bando de vagabundos" ali jogavam e que a bola havia
atingido no seio uma senhora que por ali passava.
•No mês de abril de 1915 um cavalheiro afirmava na imprensa
que algumas praças e ruas de Manaus haviam se transformado em campos de futebol.
E também completava afirmando que muitos moleques não tinham dinheiro para
comprar a bola e optavam por jogar com caroços de tucumã, sendo que o próprio
informante foi uma das vítimas da bola de tucumã, que foi chutada e atingiu o
braço do homem, lhe causando ferimento.
• Em dezembro de 1915 moradores da rua Pico das Águas, no
bairro da Preguiça, pediam a presença da polícia para pôr fim ao jogo de
futebol que ali se fazia, perturbando o trânsito de pedestres.
• No mês de janeiro de 1916 se denunciava o futebol sendo
praticado nas ruas, por crianças e adolescentes, com caroços de tucumã. Porém o
presidente da Liga Amazonense de Football, Dr. Lauro Cavalcante, afirmava que
nenhum dos jogadores de clubes filiados à Liga se encontrava no meio de
desconhecidos jogando com tucumã, pois afirmava que aquilo não era precisamente
o futebol.
• Em abril de 1916 diversos transeuntes protestavam energicamente,
via imprensa, contra a meninada que jogava futebol pelas praças públicas,
perturbando assim o trânsito das pessoas.
• É também em abril de 1916 que leitores escrevem para um
jornal reclamando contra meninos que jogavam futebol na Praça de São Sebastião
dizendo que eles usavam um vocabulário pornográfico, mostrando assim sua falta
de educação.
• Denunciantes informavam na imprensa que um grupo de
vagabundos, em abril de 1917, estacionava diariamente na Praça de São Sebastião,
jogando futebol com caroços de tucumã e falando palavras obscenas que ofendiam
as famílias das redondezas.
• Já em maio de 1917 se publicava uma notícia afirmando que
numa tarde um grupo de garotos jogava futebol nas imediações da igreja de São
Sebastião quando, devido a um gol, começou uma discussão entre os garotos que
resultou em pancadaria. Um dos meninos, chamado Aurélio, se atracou com outro
lhe dando um soco no olho e logo fugiu correndo subindo pela rua Tapajós e
sendo seguido na carreira pelos outros meninos. Nesse momento um macaco de
estimação tinha fugido de uma das casas próximas e vinha descendo a mesma rua,
dando de frente com os garotos que perseguiam Aurélio. O macaco então foi
agarrado e levado pelos meninos que produziram um barulho infernal, perturbando
os residentes dali, logo eles desaparecendo por trás de um terreno baldio.
• Já na cidade de Itacoatiara, no interior do Amazonas, um
jornal local denunciava, em setembro de 1917, que as ruas da cidade tinham sido
transformadas em campos de futebol da "meninada vadia".
• Em abril de 1919 pessoas que passavam ao lado do jardim da
Praça da República pediam às autoridades competentes para dar um basta em um
grupo de desocupados que diariamente jogavam futebol nos terrenos baldios, que
ficavam entre as ruas Demétrio Ribeiro e Municipal, pois que várias senhoras e
cavalheiros tinham sido atingidos pela bola, causando dor e inutilizando os
vestidos.
• Em março de 1920 o protesto vinha de moradores do entorno
da Praça dos Remédios contra "certos desocupados" que costumavam
jogar futebol na Praça, atirando pedras nas janelas das casas e insultando
pessoas que ali passavam.
• Pessoas domiciliadas na rua Oriental (atual rua da
Instalação) pediam providências, em setembro de 1920, contra um grupo de
garotos que faziam daquela via pública um campo de futebol, jogando bola todas
as tardes. Diziam os denunciantes que, de vez em quando, as janelas das casas
ali situadas eram alvo das bolas que quebravam vidraças e penetravam no
interior das casas causando estragos.
• Pessoas residentes à rua Luiz Antony (entre as ruas Dez de
Julho e Monsenhor Coutinho) reclamavam, em agosto de 1921, pedindo providências
contra alguns menores que tinham por hábito, quase todos os dias, jogar ali futebol,
pondo em perigo os reclamantes e demais pessoas que por ali passavam. Alegavam
que um senhor, chamado Constantino de Figueiredo, teve um dos olhos atingidos
por uma bola e que por pouco não perdeu a vista.
...
Fontes: Jornal do Commercio, O Tempo, Gazeta da Tarde.
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