UM CASO DE DEPORTAÇÃO E FUGA NO AMAZONAS

Era o ano de 1917 e as reclamações contra indivíduos considerados "indesejáveis" era grande em Manaus, a ponto de os jornais da cidade sempre estamparem em suas páginas o nome das pessoas que, segundo a imprensa da época, muito perturbavam a sociedade local. O alvo preferido de denúncias eram os batedores de carteira, golpistas, brigões de rua, prostitutas, mendigos, desertores das forças armadas e líderes de movimentos de trabalhadores que faziam greves.

Uma das medidas radicais que as autoridades locais faziam contra essas pessoas era a deportação, ou seja, a prisão e expulsão deles da cidade a bordo de navios onde eles eram destinados aos locais mais longínquos do interior do Amazonas, geralmente para trabalharem duro nos seringais mais isolados, com a finalidade de lhes dar uma ocupação e para que nunca mais voltassem à Manaus. Aliás, essa prática de deportação era muito comum naquele período, não só no Amazonas, mas em todo Brasil.



Na imagem de cima se tem a primeira notícia, de primeira página, do jornal do Commercio, sobre a fuga dos três deportados quando estavam no navio Tefé. Na ilustração de baixo, de Lúcio Izel, se vê os três deportados nadando desesperadamente em fuga, à noite, nas águas do rio Madeira.



Muitas pessoas apoiavam as deportações pois diziam que era a única maneira de se livrar de indivíduos considerados perigosos e perniciosos, mas outros eram contra pois afirmavam que muitos deles não mereciam tal punição pois morreriam nos locais em que ficariam exilados (os seringais), vítimas de doenças, maus-tratos ou ataques de animais. Outros diziam que nem todos eram meliantes e que se tratava de perseguição às camadas mais pobres da população.

Porém essa prática ainda perdurou por um bom tempo, onde sempre os nomes dos deportados eram exibidos nos jornais do Amazonas, inclusive o nome do navio que os levaria e o destino final dos infelizes.

IMPRENSA DESTACAVA DOIS FAMOSOS GOLPISTAS EM MANAUS: TURQUINHO E JATOBÁ

Existia em Manaus, nesse período, uma famosa dupla apontada pela imprensa como golpistas e vigaristas, que se aproveitavam do descuido de pessoas simples para enganá-las com promessas falsas para praticar furtos.

Esses indivíduos, que eram conhecidos em toda Manaus por seus atos, eram chamados de "turquinho" e "jatobá" e eram alvos constante de denúncias nos jornais de Manaus, afirmando que eles eram incansáveis frequentadores do xadrez do primeiro distrito policial.

O nome verdadeiro de "turquinho" era Benedito José da Silva e "jatobá" chamava-se Antônio Peroba Jatobá. A área de atuação dos dois golpistas era em torno do porto e do mercado Adolfo Lisboa onde ali abordavam suas vítimas preferidas: os caboclos que chegavam do interior e que não conheciam bem a cidade e nem os tipos de golpes que seriam vítimas. Jatobá havia chegado em Manaus, junto com outros comparsas, vindo do Pará no vapor "Ceará" e já em 1916 ele e dois comparsas chamados Luiz Gomes e "barrigudinho “haviam sido presos por enganar o idoso seringueiro José Alves Pereira.

Um dos golpes conhecidos e aplicados por "turquinho" aconteceu em 17 de setembro de 1917.Chegava naquele dia à Manaus o lavrador João Correia, que vinha da comunidade do Janauari com sua canoa abarrotada de laranjas, mamões e bananas visando vendê-los e adquirir um bom lucro. Ao sair do mercado Correia viu um grupo de indivíduos jogando e apostando com tampas de cerveja, porém seguiu seu rumo. Mas, ao dobrar uma esquina, Correia topou com um sujeito que o convidou a participar daquele jogo, o desconhecido era o célebre "turquinho”. De início o caboclo ficou indeciso, mas convencido por "turquinho" de que poderia ganhar muito dinheiro aceitou o convite e foi com ele participar da jogatina. Mas, enganando Correia durante o jogo, “turquinho" e seus comparsas conseguiram fazê-lo gastar dez mil réis, desaparecendo logo em seguida. Percebendo então o prejuízo e roubo que sofreu, Correia deu queixa dos meliantes ao delegado do Primeiro Distrito.

Não demorou muito para "turquinho" entrar em ação novamente. Em 1⁰ de novembro de 1917 um caboclo vinha passando pela rua Ramalho Junior, era um seringueiro com os bolsos cheios de dinheiro que foi resultado da venda de seus mamões. Percebendo isso, “turquinho" logo se apresentou ao homem e lhe ofereceu a venda de um cordão de ouro, dizendo ser uma relíquia que possuía e lhe prometendo vender bem barato, por cem mil réis. O trabalhador já estava convencido e, pra sua sorte, no momento que já ia fechar negócio com "turquinho" (e se tornar mais uma vítima dele), passou na hora um oficial de justiça, o Dr. Pombo do Nascimento que, conhecendo a manobra do famoso gatuno, lhe deu voz de prisão e o encaminhou à cela do Primeiro Distrito de Polícia, onde ficou recolhido.

Um jornal local afirmava que "turquinho" era acostumado a praticar furtos, organizar jogatinas falsas para enganar participantes desavisados e se meter em brigas, sempre acompanhado de seu fiel comparsa "Jatobá”. Aliás o mesmo noticiário afirmava que "turquinho" já devia ter sido deportado, tal as constantes denúncias de roubo que ele praticava contra pessoas trabalhadoras.

ACUSADOS DE DENÚNCIAS SÃO PRESOS E TEM SEU DESTINO SELADO: A DEPORTAÇÃO

Parece que as autoridades concordaram com o pedido do jornal e não demorou para a dupla "turquinho “e "jatobá" serem novamente presos. Mas dessa vez o destino dos dois seria diferente pois as autoridades decidiram que eles, junto com outros, seriam deportados para bem longe de Manaus, para assim a sociedade manauara se ver livre deles. Um jornal local, inclusive, para justificar as deportações escreveu o seguinte: "Essa leva de vagabundos e contistas do vigário, desses que tem medo do trabalho como o diabo da cruz, fora arrecadada em vários antros e tascas da cidade e conduzidas a bordo daquele navio por ordem do chefe de polícia, que avocou o encargo de sanear Manáos, à semelhança do que se está fazendo em todos os estados do paiz..."

No dia 23 de janeiro de 1918, partia do porto de Manaus o vapor "Tefé" levando a seu bordo, devidamente escoltados para a deportação as seguintes pessoas: Alfredo Lúcio da Silva, Francisco Luciano da Costa, Luiz Augusto Maciel, Raymundo Pedro dos Santos, José Primavera Cabral, Luiz Gomes de Almeida Francisco Araújo, Antônio Vieira da Silva, Luiz Gonzaga dos Santos, Manoel Dantas(vulgo "Macuca"), Joaquim José da Costa (vulgo "Tenente") e os dois principais: Benedito José da Silva, o "turquinho”, e Antônio Peroba Jatobá, o "jatobá".

O destino dos desterrados seria a Vila de Porto Velho, onde dali seriam eles distribuídos no serviço agrícola nos sertões do Mato Grosso, onde se encontrava a comissão do Marechal Rondon. Escoltando e vigiando os exilados até seu destino final iam 10 soldados da polícia militar e um sargento, conforme requisitou o chefe de polícia.

A FUGA DESESPERADA DE TRÊS DESTERRADOS: ENFRENTANDO AS ÁGUAS DO RIO MADEIRA

Já longe de Manaus o Tefé seguia seu curso normal, navegando pelo rio Madeira. No dia 26 de janeiro, quando o navio deixava a Vila de Manicoré rumo de Porto Velho, três dos deportados, "turquinho", "jatobá" e Luiz Gomes de Almeida, temerosos do destino que os aguardava em terras longínquas ou talvez temendo que poderiam ser fuzilados a bordo pelos soldados, aproveitaram um momento de distração dos militares e de outros que dormiam, e desesperadamente se atiraram às águas do rio na escuridão da noite.

Com a força de seus músculos para vencer a forte correnteza, jatobá e Luiz Gomes nadavam com todas suas forças para alcançarem a margem. Mas "turquinho" não conseguiu vencer a correnteza, desaparecendo no rio e chegando-se à conclusão que ele havia morrido afogado. Quanto à "jatobá" e Luiz Gomes, eles conseguiram chegar a nado à Manicoré onde logo roubaram uma canoa que estava no porto da Vila e remaram descendo o rio Madeira. Não demorou para eles encontrarem navegando de baixada o vapor "Rio Curuçá”, que se destinava à Manaus. Os dois degredados pediram então para viajar a bordo sendo aceitos pelo comandante Antônio Montenegro, que não acreditou na história que eles contaram e desconfiou deles, mandando tripulantes do navio vigiá-los. Quando o navio chegou à Manaus, em 30 de janeiro de 1918, é que o comandante soube quem eram os fugitivos e lhes deu voz de prisão, entregando-os à polícia marítima. Logo que soube da chegada dos dois deportados, o chefe de polícia fez conduzir jatobá e Luiz Gomes ao xadrez da primeira delegacia, de onde eles foram transportados, à noite, para bordo do vapor "Amonea”, que os levou para um novo destino de deportação, ou seja, para Belém e dali para outro local desconhecido.

E quanto à "turquinho”? Bom, foi estampado em primeira página de um jornal local que ele havia morrido afogado durante a fuga. Mas, depois, descobriu-se que ele tinha escapado da morte e tomou rumo ignorado.

DE VOLTA À MANAUS, IMPRENSA DENUNCIAVA QUE A FAMOSA DUPLA VOLTAVA ÀS SUAS PRÁTICAS

Tendo passado poucos anos, os nomes de "turquinho" e "jatobá" voltam a ser mencionados aplicando os mesmos golpes em Manaus. O que leva a crer que jatobá conseguiu fugir de seu exílio além de Belém e voltou à Manaus, enquanto possivelmente "turquinho" deve ter ficado em alguma localidade do rio Madeira e logo depois retornava para a capital amazonense, onde reencontrou seu antigo comparsa e voltaram à sua antiga atividade.

Em 20 de junho de 1920,"turquinho" e "jatobá" pararam o agricultor Arnaldo Matta nas proximidades do mercado. E novamente eles aplicaram a velha estratégia, levaram o desavisado homem a uma jogatina onde havia outros comparsas dos dois e o convenceram a participar. No final Arnaldo tinha perdido todo seu dinheiro. O agricultor fez a denúncia na delegacia cujo delegado mandou guardas no encalço dos meliantes que foram presos e recolhidos ao xadrez da Avenida Joaquim Nabuco.

Porém os dois não paravam suas ações e sempre que viam oportunidades, se lançavam a seus golpes. Em 3 de janeiro de 1920 o seringueiro Raymundo Marinho chegava em Manaus vindo de Codajás e ficou hospedado no Hotel Europa. Pela manhã ele fora comprar uma passagem com destino à Belém no vapor "Índio do Brasil" e, ao passar pela rua dos Barés, foi abordado por "turquinho “e "jatobá" que logo disseram a ele que também estavam de viagem para Belém no mesmo navio e que eles levavam doze contos de réis num cofre, que mostraram para o seringueiro.

Jatobá então disse para o seringueiro que se ele levasse algum dinheiro que o desse para ele guardar no mesmo cofre pois como seriam companheiros de viagem, não queria que o homem fosse roubado a bordo por algum gatuno. Marinho acreditou na palavra de jatobá e tirou todo o seu dinheiro de seu bolso e entregou a ele, que logo abriu o baú e fingiu que colocou o dinheiro dentro. Depois entregou o cofre fechado ao seringueiro e disse que se veriam a bordo. Quando Marinho embarcou, percebeu que os dois desconhecidos não estavam a bordo e, desconfiado, quebrou o cofre e viu que não tinha nenhum dinheiro, descobrindo assim que havia sido enganado. Marinho desceu em Itacoatiara e de lá seguiu para Manaus onde fez a denúncia ao delegado, cujos policiais conseguiram prender "turquinho”, enquanto jatobá fugiu.

Para muitos, os dois conhecidos golpistas não tinham aprendido a lição quando de sua deportação e mereciam novamente serem expulsos em definitivo da cidade, agora para o lugar mais longe que existisse.

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Fontes: Jornal do Commercio, A Capital.


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