LENDAS DA AMAZÔNIA - O APARECIMENTO DO JURUPARÍ

Em algum ano do século XIX, no Amazonas, no meio de profunda tranquilidade e solidão, havia na margem do rio Aduacá uma humilde casa onde morava uma cabocla viúva com suas três filhas moças que ali viviam da caça, pesca, coleta e do cultivo de sua roça.

Um pouco próximo da casa da viúva vivia um compadre seu, um tapuia que ali também residia há muito tempo.

Numa determinada noite o compadre vizinho veio visitar a viúva dizendo-lhe que ao amanhecer do dia iria recolher piquiás num local que ficava situado nas cabeceiras do rio. Ao saber disso a viúva disse o seguinte:- "Compadre, sei que amanhã vai juntar piquiás e por isso peço que leve minhas filhas em sua companhia para também juntar e trazer as frutas para mim".



Na imagem, se tem a ilustração de uma das várias faces do Jurupari



Eis então que o homem respondeu: -"Sim, então aos primeiros albores do amanhecer virei chamá-las aqui".

Eram mais ou menos 7 horas da noite quando houve esta conversa.

Sendo assim, o homem se despediu da mulher e saiu da casa, mas logo sentiu a presença de um vulto que parecia espreitar a casa de sua comadre. Ele então deu uma rápida olhada pelas imediações e nada viu concluindo que podia ser apenas impressão sua, terminando por embarcar em sua canoa e seguindo rumo à sua residência.

Após isso, as mulheres da casa se recolheram para dormir. Eram exatamente 4 horas da madrugada (no momento em que um macaco Guariba gritava na mata) quando alguém começa a bater na porta da choupana, despertando a viúva que logo escutou uma voz semelhante à de seu compadre dizendo o seguinte: "-Já está na hora comadre".

Hora, pensou ela, se tratava de seu compadre que tinha vindo buscar suas filhas para colherem as frutas assim como haviam combinado. A mulher então despertou suas filhas do sono que em seguida prepararam seus paneiros para a colheita e se despediram alegremente de sua mãe.

Ao saírem da casa viram o homem que já as aguardava, mas, no escuro da noite, não deu para elas reconhecer se realmente era o compadre de sua mãe. Porém não se importaram e ouviram do homem o seguinte: -"vamos nesta canoa”. As moças então se dirigiram para o porto de sua casa e entraram na canoa do homem. Já estando elas acomodadas, embarcou o estranho indivíduo que logo assumiu a direção do remo, seguindo rumo às cabeceiras do rio Aduacá, no local onde se encontrava o piquiazal.

As moças também se colocaram a remar, ficando uma na parte de frente da canoa, outra no meio e a outra no final, próximo ao homem. Mas mal sabiam elas que aquele sujeito que as acompanhava não era o compadre de sua mãe e sim o "Jurupari”, um demônio da floresta temido por caboclos e indígenas, e que estava disfarçado para enganar as jovens e matá-las. E foi o que aconteceu.

Em um determinado momento, já se encontrando a canoa distante da casa da viúva e ainda estando o ambiente escuro, o Jurupari logo golpeou fatalmente a moça que estava mais perto dele, matando-a instantaneamente e logo ele dilacerando sua carne e a degustando. Na sequência ele se aproxima da segunda moça e faz a mesma coisa, a matando.

Restava somente a terceira mulher que estava remando tranquilamente. Mas logo ela percebeu que suas irmãs não estavam mais remando e nem falando. Ela então para de remar, percebe um barulho esquisito e direciona o olhar para trás e só então descobre o que estava se passando pois vê os corpos de suas irmãs sem vida com o Jurupari arrancando a carne delas com dentadas.

Horrorizada com a cena macabra, a mulher desesperada se joga da canoa no rio, nadando com toda sua força para a margem, onde assim que pisou em terra procurou logo se esconder atrás do tronco de uma árvore.

O Jurupari, assim que acabou de devorar a segunda vítima, percebeu a ausência da terceira moça e logo o monstro também pulou na água à procura dela. Chegando em terra o Jurupari, furioso, andava por toda margem grunhindo e batendo nos troncos das árvores em busca de sua nova vítima. A moça, amedrontada, via tudo escondida e sem fazer nenhum barulho.

Enquanto isso, cerca de uma hora depois que as moças tinham deixado a casa materna, e já clareando o horizonteis que o verdadeiro vizinho bateu à casa da viúva chamando pelas filhas dela. A infeliz mulher, assustada com sua presença, saiu e foi ao encontro do compadre no terreiro da casa e disse o que havia acontecido. O homem, ouvindo tão estranha narrativa, experiente nos mistérios da mata e compreendendo o perigo que agora as moças passavam, não teve dúvidas e disse para a aflita mãe delas:-"Só pode ser o malvado Jurupari".

Dito isto, o tapuia despediu-se de sua comadre, carregou sua espingarda e rapidamente correu ao porto saltando dentro de sua canoa, e pôs a remar velozmente rumo ao piquiazal, no mesmo trajeto que o Jurupari tinha seguido.

Em certa altura do rio, ele encontra uma canoa à deriva contendo os dois corpos das mulheres totalmente dilacerados. Ele então continua a remar em busca da outra moça e logo ouve os berros e estalos do Jurupari vindos da margem. Não perdendo tempo, o homem remou para a beira e ali avistou o que já desconfiava: era realmente o Jurupari.

Ele então apontou sua espingarda e atirou no monstro, acertando-o. O Jurupari, ferido, sumiu mata adentro dando grandes gritos de dor.

Ao ouvir o barulho do tiro, a mulher sobrevivente grita pelo nome do homem que a localiza entre as árvores. Eles então embarcam na canoa onde agora teriam a triste missão de comunicar o ocorrido para a mãe das moças.

...

Fonte: Jornal do Amazonas, conto de 1876 do padre Daniel.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A IMIGRAÇÃO ITALIANA NO AMAZONAS

PENSÃO DA MULATA - O PROSTÍBULO MAIS POLÊMICO E FAMOSO DE MANAUS DURANTE OS PRIMEIROS ANOS DO SÉCULO XX

TERROR NO RIO MANACAPURU - AS ATROCIDADES DO SERINGALISTA ANICETO DE BRITO NO AMAZONAS