"QUE VENGA OTROS" - ATITUDE DE ESPOSA DE COMERCIANTE FICOU CÉLEBRE, NA ÉPOCA, DURANTE REBELIÃO NO BAIXO AMAZONAS

O eminente pesquisador e professor amazonense Samuel Benchimol lançou, em 1998, um importante e excelente livro intitulado "Eretz Amazônia “, no qual o autor relata a saga histórica dos judeus na região amazônica, analisando toda sua trajetória, as famílias e principais estabelecimentos que os judeus tiveram nos Estados do Amazonas, Pará, Acre, Amapá e Rondônia.

De origem judaica, Benchimol cita, na página 94 de seu livro, um fato acontecido no início da década de 1920 no interior do Amazonas e que ficou bem conhecido na época entre os membros da comunidade judaica amazonense e demais pessoas: a atitude de uma senhora de origem hebraica chamada Sol Mendes que, com valentia e determinada a enfrentar e expulsar um grupo de rebeldes que atacava sua propriedade, tomou a atitude extrema de encará-los sem nenhum medo e até tirar a vida de um deles.

Esse episódio aconteceu na chamada REBELIÃO DO BAIXO AMAZONAS, uma revolta que colocou o Estado em polvorosa durante um mês, e que foi quase esquecida pelo tempo, mas que Benchimol teve a incumbência de lembrá-la em algumas passagens de seu livro.



Na ilustração, de Lúcio Izel, se vê Sol Mendes após impera fatalmente o insurgente Manoel da Paz, e desafiando os outros membros do grupo atacante. 



Nos dias finais de dezembro de 1920 tinha início, no Estado do Amazonas, uma violenta rebelião que aterrorizou os municípios de Parintins, Barreirinha e Maués, revolta essa que foi ocasionada pela situação de crise e miséria que se alastrou por aquela área devido à queda do preço da borracha, que era o principal produto de exportação do Estado.

Formou-se então um bando insurgente (armados de espingardas, acetes e terçados) que, organizados e contando com lideranças, passaram a atacar todos os estabelecimentos comerciais do rio Andirá e Paraná do Ramos, fazendo pilhagens de mercadorias e tocando fogo nos comércios.

Naqueles anos o comércio daquela região era dominado pelos negociantes judeus que ali chegaram no século XIX, indos do Marrocos e da Europa.

OS PRIMEIROS ATAQUES E PILHAGENS

Entre suas primeiras ações o grupo revoltoso invadiu de surpresa a Vila de Barreirinha, em 30 de dezembro de 1920 e, na sequência, passou a fazer uma devassa no Paraná do Ramos, atacando no mesmo dia 30 de dezembro a casa comercial "Nova União”, pertencente ao judeu Salomão Mendes que foi pego pelos rebeldes e espancado barbaramente, conseguindo o comerciante escapar vivo por milagre e se refugiado em Parintins. Ainda no mesmo dia o bando assaltou outro estabelecimento, a casa "São João”, de propriedade da firma "Saragat & Mendes”. No dia seguinte,31 de dezembro, era a vez de outra casa comercial, localizada no lugar Boca do Paulo e de propriedade de Fortunato Assayag, sofrer uma violenta incursão e saque. E, no dia 1⁰ de janeiro de 1921(pela manhã), é a vez da casa "Santo Antônio”, que pertencia à firma "Benzaquen & Cia." também sofrer um ataque.

O pânico então tomou conta de todos no Paraná do Ramos, principalmente dos comerciantes judeus que acabaram se tornando o principal alvo dos insurgentes.

O estabelecimento comercial "Casa Santa Clara" localizava-se na boca do rio Andirá, e pertencia ao judeu Alberto Mendes que ali organizava o trabalho de seus empregados sempre ajudado por sua esposa, chamada Sol Mendes. A casa comercial era uma das principais produtoras de borracha em Parintins e Barreirinha, e também vendia outros utensílios necessário ao trabalho e dia-a-dia dos trabalhadores e moradores ribeirinhos daquela zona.

O negociante Alberto Mendes tinha viajado à Parintins para resolver negócios, ficando sua propriedade nas mãos de seus administradores e de sua esposa.

Já se ouviam ali conversas de que o grupo amotinado tinha feito uma verdadeira devassa nas propriedades do Paraná do Ramoso que acabou deixando a todos em sobreaviso.

O ATAQUE À SANTA CLARA

Era o dia 1⁰ de janeiro de 1921, primeiro dia do novo ano e a vida seguia normal em Santa Clara, com todos ocupados em seus afazeres. Ao cair da tarde, por volta das 18 horas, começou inesperadamente a se dar alguns disparos de espingarda sobre o prédio da casa comercial. Pegos de surpresa e assustados, os funcionários logo descobriram do que se tratava: era o famigerado bando que cercou a propriedade e agora pretendia invadir o local para saquear os produtos que estivessem ali.

Porém logo que perceberam se tratar de um ataque, os trabalhadores de Santa Clara rapidamente se armaram de espingardas e tomaram posições, visando repelir os revoltosos e evitar que eles invadissem o local. O confronto foi feroz com intensa troca de tiros, com os trabalhadores resistindo bravamente, mantendo sua posição e não deixando o bando avançar.

Encontrando tenaz resistência, os insurgentes viram que não conseguiriam seu objetivo e resolveram bater em retirada. Porém nesse momento um rebelde mais afoito, chamado Manoel da Paz, resolveu escalar o prédio comercial por uma janela para assim penetrar em seu interior.

Mas ali estava a proprietária Sol Mendes que, escondida atrás da porta com um afiado terçado 128 em punho, assim que percebeu a intenção do invasor apareceu na sua frente de súbito e deu-lhe uma certeira e forte terçadada que o matou na hora. Após isso, Sol Mendes, branhindo o terçado, e com o rebelde morto a seus pés, valentemente desafiava e gritava para os demais membros do bando a seguinte frase de seu dialeto judeu/espanhol do Marrocos, sua terra natal: -"Que Venga otros" (ou seja, que venham os outros).

Passado o tumulto e com a retirada e derrota do grupo invasor, os trabalhadores de Santa Clara deram uma batida pelas imediações e encontraram o corpo de um outro rebelde morto, não se sabendo seu nome. Saíram feridos alguns dos defensores de Santa Clara, assim como também se soube que os insurgentes tiveram outros dois feridos no ataque, chamados Fernando Carneiro e José Veneno.

Os donos de Santa Clara resolveram então levar as mercadorias que conseguissem, pois temiam que os rebeldes fizessem uma nova investida ao local, e se dirigiram com elas à Parintins.

E, como haviam previsto, os rebeldes voltaram à Santa Clara, não encontrando mais ninguém e aproveitaram para roubar aquilo que os empregados, administradores e donos não puderam levar como louças, móveis, tabaco e farinha.

Quanto ao dono Alberto Mendes este vinha a bordo do navio a vapor Cruzeiro do Sul, no dia 3 de janeiro de 1921, regressando de Parintins para Santa Clara. Ao chegar no mesmo dia o vapor em sua propriedade, é que Alberto soube do que se sucedeu em seu estabelecimento.

DEPOIMENTOS DE UMA TESTEMUNHA

As autoridades policiais em Parintins ao colher o depoimento de uma das testemunhas do ataque à Santa Clara, perguntou a ele de como havia sido a resistência contra o bando rebelado e ele respondeu: -"Nada fiz em Santa Clara, pois foi defendida por dona Sol Mendes, que vale por dez homens".

A atitude da esposa do proprietário, em arriscar sua vida para proteger seus filhos, empregados e propriedade, foi um dos casos mais conhecidos que aconteceu durante a revolta.

Já Alberto Mendes faleceu em Parintins, em 1938, estando ele enterrado no cemitério local.

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Fontes: Jornal do Commercio, Gazeta da Tarde, Livro "Eretz Amazônia”, de Samuel Benchimol.

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