O FIM DE "BARAROÁ": DURANTE A CABANAGEM, MAIOR PERSEGUIDOR E MATADOR DE CABANOS NO AMAZONAS SOFRE EMBOSCADA FATAL DE SEUS INIMIGOS SEDENTOS POR VINGANÇA

Conhecido na época da Cabanagem pelo apelido de "Bararoá", o capitão Ambrósio Pedro Aires, que durante o conflito foi elevado ao posto de comandante das forças legais do Alto Amazonas, ficou conhecido pela maneira brutal de como tratou os cabanos, como também suspeitos de colaborar com eles e até de pessoas inocentes que não tinham nenhuma relação com os revolucionários, sendo ele acusado por vários assassinatos, torturas e outras arbitrariedades. Apoiado pelas autoridades da província do Grão-Pará que afirmavam que não havia outra maneira de se ver livre dos chamados "rebeldes cabanos", senão contar com a liderança e auxilio de homens destemidos, Bararoá infringiu tenaz perseguição aos revolucionários na comarca do Alto Amazonas (atual Estado do Amazonas), no período de 1835 a 1838.

Ambrósio Pedro Aires era branco, loiro e de físico atlético, não se sabendo ao certo o local em que nasceu. Chegou ao Amazonas vindo da Província de Pernambuco, se estabelecendo no povoado de Bararoá, na margem do rio Negro, daí herdando ele o nome da localidade onde residia. Ali ele casou e se tornou um próspero fazendeiro. Pesquisas apontam que Bararoá chegou ao Amazonas deportado ou fugido de Pernambuco, após participar da revolução que ali ocorreu em 1824.


Na ilustração de cima, à esquerda, se tem cabanos navegando para um ataque em um dos diversos rios da Amazônia. Na ilustração de baixo, à esquerda, se vê índios em ação num ataque, idêntico aos Muras que se aliaram aos cabanos. Na imagem maior, à direita, se tem uma rara ilustração de Ambrósio Pedro Aires, o "Bararoá".


Quando começou a Cabanagem, com os cabanos invadindo e tomando a capital Belém em janeiro de 1835, a notícia logo chegou à Vila de Manaus, a capital da comarca do Alto Amazonas. Bararoá soube do início da rebelião e, por sua conta, organizou e formou um exército particular, saindo eles de sua localidade e se apresentando em Manaus para defender a causa legalista na Comarca contra os cabanos que a qualquer momento chegariam no Alto Amazonas.

"BARARUENSES" NA CAÇA AOS CABANOS

A primeira ação de Bararoá e sua milícia, cujos combatentes ficaram conhecidos como "Bararuenses", aconteceu em 25 de dezembro de 1835, quando eles se dirigiram à Comarca do Baixo Amazonas (hoje região oeste do Pará), e derrotaram os cabanos na Vila de Santarém.

Depois Bararoá ganhou patente de comandante da Guarda Nacional e passou a perseguir os cabanos em toda parte do solo amazonense, seja no rio Negro, rio Madeira ou rio Solimões, entrando em confronto com eles e aniquilando os revolucionários na maioria das vezes. Ele também enfrentou os cabanos em vários pontos do oeste paraense como em Santarém, Óbidos, Alenquer e Icuipiranga.

Aos poucos, a fama de sanguinário e bárbaro de Bararoá se espalhou por todo a Província do Grão-Pará, sendo ele temido pelos rebeldes seguidores de Eduardo Angelim (um dos principais líderes dos cabanos) que se encontravam no Amazonas e oeste do Pará.

Devido a repressão e expulsão, pelas tropas do império, das forças cabanas da capital Belém e da Vila de Santarém, muitos cabanos foram empurrados e se refugiaram na Comarca do Alto Amazonas, ficando eles alojados principalmente na região do rio Madeira, onde ali os cabanos pregaram seus ideais aos índios Muras contra os portugueses e seus aliados no governo da Província, passando os Muras (assim como também os Mawé) a apoiar a causa revolucionária e serem inseridos nas fileiras dos cabanos no combate às tropas do governo Imperial brasileiro.

A propósito os Muras eram exímios manejadores do arco e flecha e em anos anteriores já tinham entrado em guerra com os índios Mundurukus, seus inimigos históricos.

CABANOS RESISTEM NA ZONA DO RIO MADEIRA

Naquela área do rio Madeira de grande concentração cabana eram os rebeldes comandados, no lago do Autazes, pelos índios Muras Pantaleão e Manoel Gonçalves Lira. Já os locais Boca do Caixa, Tarumã e Canta-Galo eram lugares de lutas, fugas e refúgio dos cabanos como também o furo do Sampaio que era outro ponto de combate dos Muras contra as forças do governo.

Havia no local uma rede de comunicação e locomoção estabelecida entre os cabanos e Muras do rio Preto e os Muras do Lago da Josefa e Lago do Sampaio, que ali utilizavam suas táticas de guerra. Os Muras contavam com uma grande rede de trincheiras, cercas e tapagens que eles próprios construíam para fincar em locais estratégicos com a finalidade de surpreender e retardar o avanço das forças de repressão da Província.

No ano de 1838 e os cabanos estavam praticamente derrotados na Província do Grão- Pará, mas no Amazonas eles ainda resistiam e estavam em plena ação sendo que a maioria deles se mantinham alojados na área do rio Madeira. O comandante Bararoá já havia feito algumas incursões àquela área na caça aos cabanos e seus aliados Muras, onde se diz que ele assassinou centenas de Muras e incendiou várias aldeias deles. Relatos de antigos moradores da região do Madeira e Autazes afirmavam que o exército de Bararoá consistia de homens vindos do rio Negro que invadiam casas de moradores suspeitos e os matavam. Aí se a família tivesse somente dois filhos, um eles assassinavam e o outro deixavam vivo com a mãe para servir de exemplo.

Mas os cabanos Muras do Lago da Josefa, devido estarem sofrendo ofensivas diretas de Bararoá e seus soldados, resolveram reforçar uma aliança entre eles e fortaleceram o contingente de combatentes Muras no rio Preto.

COM MEDO DO POVO BARAROÁ FOGE DE MANAUS, MAS RETORNA E ARMA UMA EXPEDIÇÃO PUNITIVA CONTRA OS CABANOS E MURAS

Enquanto isso em Manaus estourava na Vila, em 24 de junho de 1838, uma revolta contra Bararoá devido os castigos físicos que ele passou a aplicar às pessoas comuns, ou seja, seu ódio agora não se direcionava mais somente aos cabanos e sim à todos que ele tivesse alguma desconfiança, mesmo sem provas. Devido a isso e com medo da fúria do povo manauara, Bararoá se refugiou na Vila de Santarém, onde ficou por dias até a situação acalmar para seu lado. Mesmo assim, Bararoá se considerou injustiçado e prometeu que iria massacrar a população de Manaus pela afronta contra ele.

Já estando Bararoá de volta à Manaus, novamente ele organizou uma expedição punitiva contra os cabanos com destino aos rios Urubu e Autaz, pois tinha informações de que os cabanos ali estavam realizando vários ataques. Bararoá então saiu da Vila com 9 canoas e comandando 130 homens.

BARAROÁ CHEGA AO LOCAL DE CONFLITO, ENFRENTA OS CABANOS MAS É PEGO E MORTO

Os soldados chegaram no Lago de Autazes em 1⁰ de agosto de 1838.Em 4 de agosto Bararoá e seus subordinados fizeram um cerco a um local inimigo, no Lago Soares, mas só encontraram ali mulheres e crianças que lhes disseram que os cabanos tinham se dirigido para o Lago Sampaio.

Ao chegarem os soldados no local indicado, no dia 5 de agosto, se depararam com um pequeno grupo de 6 cabanos em uma trincheira e que abriram fogo contra os soldados e logo fugiram para a mata, sendo a trincheira tomada pelas forças legais. Nesse mesmo dia Bararoá ordenou a seu oficial imediato que continuasse a procurar os cabanos por mais 4 dias.

Depois dessa ordem, Bararoá embarcou em uma canoa com 12 homens seus para vasculhar os lagos próximos em busca de vestígios dos inimigos. Eles acabaram varando no rio Madeira e no dia 6 de agosto resolveram voltar para Manaus, sem Bararoá dar atenção às advertências de perigo que recebeu. Aliás se dizia que Bararoá ainda não havia esquecido o conflito que teve com o povo de Manaus e que pretendia realizar sua vingança quando chegasse à Vila.

Porém quando Bararoá e seus 12 comandados desciam navegando na canoa pelo rio Madeira, às 4 da tarde, atravessaram um dos lagos e entraram em um canal estreito formado por duas ilhas quando foram abordados de surpresa por 7 canoas repletas de cabanos e seus aliados Muras, já no rio Autaz-Açu (um pouco acima do local onde é hoje a cidade de Autazes). Com certeza os rebeldes já sabiam que o famigerado caudilho iria passar por ali e prepararam uma emboscada.

Acossados e cercados pelos revolucionários e mesmo em desvantagem numérica, Bararoá e seus soldados resistiram e defenderam-se até às 18 horas. Mas, em um determinado momento, Bararoá tentou salvar-se alcançando a terra e fugindo. A tradição oral diz que Bararoá correu pela praia e entrou rastejando no meio de árvores espinhosas de Jauarí. Mas os cabanos foram em sua perseguição e o agarraram dentro da mata, logo eles voltando para a margem do rio e trazendo Bararoá amarrado. Mostrando alegria e ódio ao mesmo tempo, os cabanos exibiam seu prisioneiro como troféu e diziam aos gritos, em tom de provocação, o seguinte: "Maçons, venham buscar seu comandante que tanto confiam".

Após isso, chegava a hora do ajuste de contas pois os revolucionários tinham agora em mãos aquele que definiam como um capacho dos portugueses e de seus aliados brasileiros e que, bem sabiam, tinha feito tantas atrocidades contra seus companheiros cabanos e outras pessoas apontadas como inocentes.

Após ser ali mesmo torturado de todas as formas, Bararoá implora por sua vida mas os cabanos não lhe dão chance e o matam a golpes de terçado, sendo depois seu corpo jogado ao rio com a finalidade de ser devorado pelas piranhas.

A morte do principal repressor dos cabanos no Amazonas foi lamentado pelas autoridades, tanto de Manaus como de Belém, "Perdeu-se um dos maiores elementos", escreveu o comandante militar interino do Alto Amazonas, com o qual o governo contava para acabar com a Cabanagem na Comarca. Também a morte de Bararoá foi muito lamentada pelo presidente legalista da Província do Grão-Pará, general Soares de Andréa.

A repressão continuou no Amazonas, só sendo finalizada em 1840 com a rendição do último grupo cabano de resistência em Luséa.

ESPOSA RECLAMA ÀS AUTORIDADES POR RECONHECIMENTO E DIREITO

Em 1839 a viúva de Bararoá pede à Câmara da Vila de Manaus que seja reconhecido os serviços prestados por seu marido na defesa da Comarca, provavelmente ela tinha também a finalidade de receber alguma indenização do estado a qual teria direito.

Mas o antigo desafeto de Bararoá, o padre João Antônio (que fôra preso a mando do próprio Bararoá) era agora o presidente da Câmara e com certeza aproveitou a ocasião para se vingar do polêmico chefe militar (mesmo morto).

João Antônio afirmou para a mulher que não seria possível atender o que queria, explicando o motivo em três pontos escritos na ata do dia 3 de outubro e que diziam o seguinte: no primeiro ponto afirmava que seus serviços como capitão na repressão foram de tal natureza boa para a população residente e que nenhum deles fez representação contra Bararoá, o que ele soube inteiramente esconder; no segundo ponto se dizia que após ser elevado a condição de comandante passou a praticar atos bárbaros como mandar fuzilar um juiz municipal em Mariuá, mandar praticar castigos em pessoas a base de pauladas e até mesmo mandou prender em masmorras soldados de seu exército por não concordarem com seu perverso comportamento ; e no terceiro ponto foi explicado que estando Bararoá com muitos recursos à sua disposição para dar fim a dois principais grupos cabanos nos rios Autazes e Urubu, preferiu ele cuidar de seus interesses pessoais, o que acabou culminando depois na morte dele pelos mesmos cabanos dessa área do qual teve antes a oportunidade de os aniquilar.

O POSSÍVEL LOCAL DA SEPULTURA DE BARAROÁ

Já na segunda metade do século XX existia uma fazenda no mesmo local onde o caudilho repressor havia sido morto que, em homenagem a ele, foi batizada de "Fazenda Bararoá", cujo proprietário era o coronel Antônio Soares Pereira.

Havia nessa época, residindo ali próximo, um ancião chamado Cruz que dizia à todos saber o lugar exato onde Bararoá tinha sido sepultado, no terreno da dita fazenda.

Contudo o velho Cruz acabou falecendo sem mostrar aos interessados o túmulo histórico, perdido em algum ponto da parte mais elevada do terreno da fazenda.

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Fontes: Jornal do Commercio; livro "História do Amazonas", de Arthur César Ferreira Reis; livro "A cidade de Manaus, sua história e motins políticos", de Bertino Miranda; fragmentos de reportagens antigas.

 


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