DURANTE A REBELIÃO DO BAIXO AMAZONAS, NAVIO A VAPOR ESCAPA DE SER ATACADO E SAQUEADO

Em 30 de dezembro de 1920 tinha início, no interior do Estado do Amazonas, a rebelião do Baixo Amazonas com a invasão da Vila de Barreirinha por uma coluna de 200 rebeldes, que atacaram e saquearam o local, logo depois eles se dirigindo para atacar outras localidades da zona rural de Parintins, Barreirinha e Maués.

Essa importante revolta teve origem na grande crise econômica que se abateu naquela região devido à queda do preço da borracha, gerando ali descaso, falta de gêneros alimentícios, miséria e insatisfação cujos mais afetados foram as populações mais pobres.

O comércio daquela zona era dominada pelos comerciantes judeus que viraram o alvo principal dos revoltosos, tendo suas propriedades invadidas, saqueadas e destruídas.

E embarcações que agora passassem pela área de domínio do grupo amotinado, seriam também alvo de ataques e pilhagens, e um dos primeiros a navegar por ali após estourar o conflito (sem saber inicialmente sua tripulação do ocorrido) foi o navio a vapor "Cruzeiro do Sul" que quase paga um preço alto pela "ousadia".

O Cruzeiro do Sul estava sendo dirigido pelo comandante Antônio de Castro e Silva e vinha do Pará com muitas cargas e passageiros, com destino à cidade de Manaus, parando em todos os portos da região do Baixo Amazonas.



Não ilustração, de Lucio Izel, se vê o navio a vapor "Cruzeiro do Sul ", fugindo do seringal "Nova Experiência", onde se tem ao fundo o local sendo incendiado pelos insurgentes. 



A CHEGADA DO CRUZEIRO DO SUL À PARINTINS: POPULAÇÃO DA CIDADE EM ARMAS

O navio chegou então ao porto da cidade de Parintins no dia 2 de janeiro de 1921, às 23 horas e vindo da Ilha Affonso de Carvalho (hoje cidade de Nhamundá).

Porém assim que o navio atracou o comandante e demais passageiros foram surpreendidos por um soldado da Polícia e um civil armados de rifles que adentraram o navio. Logo em seguida também entrava na embarcação o senhor Francisco Veloso Freire, ajudante dos Correios em Parintins, que foi indagado pelas pessoas a bordo de qual o motivo de se acharem armados a população de Parintins. Foi aí que souberam que todos os comerciantes do Paraná do Ramos e rio Andirá haviam sidos atacados e saqueados por grupos armados com mais de 100 homens, assim como a Vila de Barreirinha tinha sido também atacada. Os passageiros também souberam que os rebeldes viriam atacar Parintins, motivo pelo qual o prefeito Furtado Belém determinou aos praças da Polícia, que auxiliados por civis armados, fizessem severa vigilância a fim de evitar a invasão da cidade. Além disso, os insurgentes estavam distribuídos em vários pontos do Paraná do Ramos e rio Andirá e também estavam saqueando embarcações que navegavam pela zona agora dominada por eles. O líder do grupo rebelde que operava naquela área era um indivíduo chamado José Vaqueiro.

NAVIO SEGUE RUMO À MAUÉS E TEM MAIS INFORMAÇÕES DAS AÇÕES DOS INSURGENTES

Sabedor agora do perigo em que ele e os passageiros passavam, o comandante seguiu viagem, deixando Parintins às 9 horas da manhã do dia 3 de janeiro com destino à Vila de Maués, levando a bordo o comerciante judeu Alberto Mendes que era proprietário da casa comercial e seringal "Santa Clara" que ficava na boca do rio Andirá. Felizmente, embora penetrasse na área perigosa, o navio fez seu trajeto tranquilo, não sofrendo nenhum ataque e chegando em paz ao seu destino.

Ao chegar ao Cruzeiro do Sul em Maués, os passageiros foram informados de que às 18 horas do dia 1⁰ de janeiro, Santa Clara havia sido atacado pelos rebeldes, havendo resistência por parte dos empregados do local que rechaçaram os invasores, morrendo dois dos rebeldes. Ao saber disso, Alberto Mendes (o dono do lugar) ficou estarrecido pois até então nada sabia, mas ficou também um pouco aliviado ao saber que seus trabalhadores tinham derrotado o grupo atacante.

Mas o Cruzeiro do Sul tinha que continuar sua viagem de volta até seu destino final em Manaus. Agora, em mais uma prova de fogo, tanto o comandante como tripulantes e passageiros teriam de passar novamente pelo Paraná do Ramos, zona onde estavam concentrados o grosso das colunas rebeldes.

Voltando de Maués, os passageiros do Cruzeiro do Sul eram informados no caminho de novos ataques nas proximidades e no aumento do número de homens recrutados no bando rebelde, O que aumentava mais ainda o temor deles.

TENSÃO NA VIAGEM DE VOLTA: NAVIO PENETRA NA ZONA DOMINADA PELO GRUPO REVOLTOSO. A CHEGADA NO SERINGAL "NOVA EXPERIÊNCIA"

Enfim, no dia 7 de janeiro de 1921 às 2 horas da madrugada o Cruzeiro do Sul atracava no porto do seringal "Nova Experiência" (localizado no Paraná do Ramos) que era de propriedade do judeu Salomão Cohen, conhecido como "Salomãozinho". O barco parou ali para embarcar criações de porcos, galinhas e de gados que o comandante do Cruzeiro do Sul tinha comprado na viagem de ida, de subida. Interessante saber que no dia anterior, ali próximo, os rebeldes haviam invadido e saqueado o seringal "Ordem e Progresso”, pertencente à Jacó Cohen e que após os atacantes tomarem posse transformaram o local em seu quartel-general.

Bom ao chegar em "Nova Experiência “, o comandante do Cruzeiro do Sul notou que não havia luz no casarão principal do seringal. Não demorou e chegou um empregado de Salomão que, assustado, informou que faziam pouco mais de duas horas que o lugar tinha sido atacado e pilhado pelos rebeldes, que seu patrão havia fugido e que ele tinha conseguido escapar com vida. O empregado então continuou dizendo o seguinte: -"Estão aí os porcos, galinhas e bois que eu escondi, podem embarcar".

NA ESCURIDÃO DA NOITE, SURGE E SE APROXIMA UMA EMBARCAÇÃO SUSPEITA

Estavam começando a embarcar os animais quando ao longe na escuridão da madrugada, do outro lado do rio, viu-se uma luz que logo apagou. Quando o boi estava prestes a embarcar eis que se viu novamente a luz, agora mais próxima com cerca de cem metros de distância.

A bordo do navio já se desconfiava que fossem os insurgentes. Descobriu-se então que a luz vinha de uma embarcação movida a remos, e o comandante Antônio de Castro perguntou ao prático se conhecia a procedência daquele barco. O prático disse que era um batelão que vinha da outra margem. A luz foi se aproximando e os tripulantes e passageiros do Cruzeiro do Sul ficaram alarmados.

Quando o batelão se aproximou mais

a luz acabou levantando um pouco e do navio as pessoas verificaram que o barco trazia muitos homens, e perguntando novamente o comandante ao prático quem eram aqueles homens, este respondeu: -"Comandante, são os salteadores que estão chegando ".

Vendo que o batelão tomava a direção do navio, o comandante indagou para os tripulantes da misteriosa embarcação dizendo em voz alta:-"quem vem lá? de quem é este batelão?" e uma voz fina respondeu: -" ninguém ". E na sequência, em tom ameaçadora voz disse para o comandante: "para a terra".

COMANDANTE NÃO ACATA ÀS ORDENS DOS INSURGENTES, TOMA PROVIDÊNCIAS E SALVA PASSAGEIROS DO PIOR

Não disposto a receber ordens dos rebeldes de desembarcarem em terra para serem possivelmente mortos, o comandante ordenou que a guarnição se recolhesse a bordo e mandou imediatamente avisar ao maquinista que estivesse atento a seu primeiro pedido, a fim de ser executado com rapidez uma possível retirada. O comandante tomou conta do leme e, procedendo a manobra, gritou para os rebeldes o seguinte:-"quem se aproximar morre!".

O comandante mandou acordar o encarregado de uma casa comercial, Sr. Joaquim Garcia, mas que este já havia sido despertado pelo imediato do navio, tendo Joaquim tomado posição na prôa com um rifle apontado para o batelão. Outro passageiro, o Dr. Roberto Lopes (funcionário do correio), que estava de visita às agências de correio do Baixo Amazonas, sacou de seu revólver e também apontou para rumo do batelão dos rebeldes. O senhor Inácio, que tinha assumido a direção do leme e do telégrafo, tomou o rifle do imediato Renato Coelho, que assumiu o leme, e passou também a mirar no batelão.

Procedendo a manobra do navio com pressa e sem tempo de desamarrar e soltar o cabo de atracação, este foi cortado a golpes de terçado sendo assim possível o navio se soltar e se afastar da margem, rumando para o meio do rio.

Os revoltosos, vendo a atitude enérgica que o comandante tomou e desconfiados pela calma e sangue frio dos passageiros que ficaram amontoados na prôa (com os três mencionados homens armados), desistiram de atacar o Cruzeiro do Sul.

A luz do batelão tomou então rumo da terra, desembarcando os rebeldes na margem do seringal onde fizeram grande alarido. Dali eles se dirigiram para o prédio principal de "Nova Experiência”, arrombando a porta do estabelecimento à chutes, gritando "vivas" e dando tiros ao alto. Foi aí que se viu que o grupo era composto por mais de 50 pessoas.

Ao afastar-se o navio, três caboclos que trabalhavam de caixeiro no seringal atacado, atiraram-se desesperados no rio para salvar suas vidas, conseguindo eles alcançar o navio a nado e sendo recolhidos a bordo.

Já distante do local cerca de um quilômetro, os passageiros viram a bordo o enorme clarão de chamas oriundo do incêndio que os rebeldes atearam ao prédio e casas do seringal. Também se soube que era a terceira vez que o grupo insurgente atacava o local e sempre procurando o proprietário Salomão Cohen.

CRUZEIRO DO SUL CHEGA AO LOCAL PEDRAS: COMANDANTE PERCEBE A PRESENÇA DE REBELDES E CONVERSA COM PROPRIETÁRIO, MAS NADA LHES ACONTECE

Passado esse grande susto, o Cruzeiro do Sul seguiu viagem e logo atracou no lugar "Pedras”, de propriedade do coronel Inácio Pessoa Neto, em cujo local estavam muitas pessoas suspeitas. Indo a bordo, o coronel Pessoa explicou que haviam 600 revoltosos em seu barracão e que não lhe haviam feito nenhum mal. Com medo, o comandante tratou logo de sair dali. Depois se descobriu que Pessoa Neto era um dos líderes dos revoltosos, motivo pelo qual ele não permitiu que os rebeldes atacassem o navio ali em sua propriedade o que com certeza o iria lhe incriminar (até então não se tinha certeza de seu envolvimento com os revoltosos).

A CHEGADA À MANAUS E OS DEPOIMENTOS À IMPRENSA LOCAL

Finalmente o Cruzeiro do Sul cumpria sua jornada, chegando em Manaus em 11 de janeiro de 1921, sendo logo o comandante Antônio de Castro e Silva e passageiros entrevistados por órgãos da imprensa da cidade sobre a convulsão naquela região e sobre a atitude heroica que tomaram para escapar da perigosa aventura que passaram. Porém naquele mesmo dia saía do porto de Manaus, por ordem do governador César do Rego Monteiro, o navio a vapor "Cidade de Manáos" equipado de canhões e com um contingente armado da polícia militar levando metralhadoras para combater os rebeldes do Baixo Amazonas e pacificar a região.

Quanto aos insurgentes que atacaram e pilharam os seringais "Ordem e Progresso “e "Nova Experiência”, num total de 103 homens deles se refugiaram no lugar "Floresta”, onde o seu líder José Vaqueiro logo ali chegou para conferir seu pessoal e o resultado de suas investidas.

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Fontes: Jornal do Commercio, Gazeta da Tarde, O Estado do Pará.


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