REGATÃO ITALIANO ENTRA EM DESAVENÇA COM SERINGUEIRO E ACABA SENDO VÍTIMA DE BARBARIDADE

A zona do rio Madeira era uma das principais produtoras de borracha da Amazônia no início do século XX, e ali estava localizado o rio Abunã que, por sua vez, é um afluente do rio Madeira.

Na época grande parte do rio Abunã, em território brasileiro, pertencia ao Estado do Amazonas e hoje a área faz parte do Estado de Rondônia, passando também pelo Acre. O local faz fronteira com a Bolívia (pois o mencionado rio nasce nesse país) e havia em sua margem uma vila chamada Fortaleza do Abunã, que nesse período era uma localidade amazonense e um entreposto da borracha.

Pois bem, haviam na margem do Abunã vários seringais com muitos trabalhadores, onde a borracha era dali embarcada para Porto Velho e depois para Manaus.

Ali naquela zona do Abunã vivia, em 1918, um italiano chamado Antônio Giuseppe que era conhecido por todos pelo apelido de "Camões”, em virtude de ser cego de um dos olhos. Antônio Giussepe deixou a Itália e chegou ao Amazonas para trabalhar e não resolveu ficar na capital Manaus como a maioria de seus conterrâneos faziam, resolvendo ele se aventurar pelo interior amazonense, passando ele então a trabalhar como "regatão”. Para quem não sabe, regatão era um mascate fluvial que levava suas mercadorias para vender em suas grandes canoas e batelões, navegando e se dirigindo ele para os seringais mais longínquos onde vendia seus produtos por um preço mais em conta aos trabalhadores, longe dos olhos de seus patrões. Naquela época o comércio de regatão era muito ativo na Amazônia e a maioria dos regatões eram imigrantes árabes e judeus.

Antônio Giuseppe exercia então sua profissão de regatão por toda zona do rio Abunã, sendo ali muito conhecido. Porém com a finalidade de ganhar mais dinheiro, o italiano resolveu que iria vender seus produtos por outros rios próximos e decidiu se embrenhar pelo rio Manu adentro e, para isso, contratou um ajudante para lhe acompanhar e auxiliar nas vendas. O rio Manu (um afluente do Abunã) já ficava na Boliviana fronteira com o Brasil, e possuía vários seringais o que seria certeza de lucro para o regatão. Porém naquele rio haviam vários trabalhadores foragidos da justiça pelos mais diversos crimes. Desconhecendo o meio arriscado e extremamente perigoso que escolhera para negociar, o italiano acabou pagando um preço bem caro e de uma forma horripilante.



Na ilustração, de Lucio Izel, se vê o regatão já morto e pendurado com seu algoz perto e seu empregado vendo a cena. 


BRIGA, VINGANÇA E MORTE

Existia na margem do Manu o seringal "15 de Novembro" que apesar de estar situado em território boliviano pertencia a um brasileiro cujos seus trabalhadores era também na maioria brasileiros. Giuseppe apareceu ali com seu batelão abarrotado dos mais diversos produtos oferecendo ele as mercadorias aos seringueiros do local em troca de pélas de borracha.

Nessa ocasião aproximou-se do negociante o seringueiro Elias Ferreira Sobrinho, pedindo-lhe dois paletós. Satisfeito o pedido Elias prometeu pagar o regatão em outro dia qualquer, quando o negociante passasse por ali novamente pois na ocasião não tinha borracha para lhe dar como pagamento. Diante dessa declaração, Giuseppe negou a proposta e tomou os paletós das mãos do trabalhador, gerando em seguida uma discussão, que terminou com Elias agredindo o italiano com uma bofetada.

Com muito ódio e rancor, Giuseppe jurou que em outra oportunidade iria castigar o seringueiro pela audácia.

Passaram-se alguns dias e, em 8 de agosto de 1918, Antônio Giuseppe estava vendendo seus produtos acompanhado de seu empregado. Foi quando avistou o seringueiro agressor na ocasião em que estava um pouco acima do seringal 15 de Novembro, e não contou conversa para realizar sua vingança. Sem ser visto por Elias, o regatão italiano pegou seu rifle, fez mira e atirou sobre seu inimigo, o acertando no pé direito. Surpreendido com a agressão que sofrera Elias voltou-se para o local de onde veio o tiro e localizou seu algoz, reconhecendo Antônio Giuseppe. Assim que foi localizado, o italiano empreendeu fuga, mas o seringueiro, mesmo ferido, foi em seu encalço armado de sua espingarda. Num certo momento Elias conseguiu fazer pontaria e atirou, alvejando o italiano pelas costas que caiu em terra morto.

Feito isso, o seringueiro aproximou-se do corpo de sua vítima e, não satisfeito, resolveu suspender o morto pelos pés, por meio de uma corda, no galho de uma árvore onde ficou pendurado. Na sequência Elias desembainhou sua faca e começou a escalpelar o pobre italiano, tirando seu couro, numa atitude grotesca e bárbara que foi mencionada num jornal de Manaus como uma cena que fazia "lembrar os tempos da inquisição".

O empregado de Giuseppe, procurando seu patrão, acabou dando de cara com aquela cena horrível. Escondido no mato e vendo, pasmo, a operação bárbara que o corpo de "Camões “passava pelas mãos do assassino, não se fez esperar e logo puxou seu revólver da cintura e detonou vários tiros sobre o criminoso, sendo ele atingido no coração por uma das balas e morrendo imediatamente.

Em seguida o homem navegou de descida na embarcação de Giuseppe até o barracão central do seringal, onde relatou o fato ao gerente do lugar que tomou as devidas providências.

...

Fonte: Jornal do Commercio.

 


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